publicado dia 08/09/2014
Desvendando o PNE: qualidade da educação demanda esforços intersetoriais
Reportagem: Ana Luiza Basílio
publicado dia 08/09/2014
Reportagem: Ana Luiza Basílio
Meta 7: fomentar a qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades, com melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem de modo a atingir, progressivamente, até 2021, as seguintes médias nacionais para o Ideb: 6,o para os anos iniciais do ensino fundamental; 5,5 nos anos finais do ensino fundamental e 5,2 no ensino médio.
A meta 7 se apresenta como a mais complexa do Plano Nacional de Educação, vistas as 36 estratégias assumidas como necessárias para sua garantia. Tamanho desafio, na opinião de Maria do Pilar Lacerda, diretora da Fundação SM, se ancora em uma questão fundamental: “não se fala em qualidade sem garantia de equidade”. A condicionante, para os especialistas consultados pelo Centro de Referências em Educação Integral, é fundamental para se pensar o atendimento educacional como fruto de um processo que considera diversos contextos socioeconômicos e culturais, e que reafirma a aprendizagem como um direito constitucional.
A busca pela qualidade da educação traz amplitude ao debate uma vez que convida ao repensar das práticas escolares e também daquelas que as subsidiam, tendo em vista desenvolvimento integral dos alunos. Esse percurso, segundo os entrevistados, não pode ser avaliado unicamente a partir das projeções das metas do Índice de Desenvolvimento de Educação Básica (Ideb), como indica a redação do PNE. Alejandra Velasco, gerente da área técnica do Todos pela Educação, entende a importância do indicador como propositor de reflexões na educação e indutor de políticas públicas, mas reconhece que ele não abarca questões fundamentalmente importantes. “Precisamos contar com diagnósticos mais completos, que nos digam sobre o contexto das crianças atendidas, sobre as habilidades socioemocionais desenvolvidas, as condições dessas escolas e preparo da equipe pedagógica”, avalia.
A opinião é sustentada por Ernesto Martins Faria, coordenador de projetos da Fundação Lemann, que pactua da necessidade de se contextualizar os resultados para aferir sobre uma educação de qualidade. “Quando olhamos para as taxas de aprovação e as médias de desempenho em português e matemática, constituintes do Ideb, não consideramos o percurso para que esse número tenha sido alcançado”, reforça.
Na mesma linha, Maria Rebeca Otero Gomes, coordenadora do setor de educação no Brasil do Fundo das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) defende a implementação de estudos periódicos capazes de avaliar os docentes, a qualidade da formação a eles ofertada, e fiscalizar o quadro educacional, principalmente, em relação ao plano de carreira, piso salarial e carga horária. “Necessitamos de bons indicadores mas, acima de tudo, precisamos garantir os direitos inerentes a essa educação, e aqui eu falo da promoção de autonomia aos estudantes, do respeito com a carreira dos professores, do acesso a insumos e tecnologias e da infraestrutura das escolas”, relata a especialista que julga fundamental subsidiar essas condições.
Para Pilar Lacerda, o maior gargalo está concentrado nas camadas sociais menos favorecidas, ainda não contempladas totalmente nos avanços do país frente a acesso, permanência e qualidade educacional, motivo pelo qual ela também considera importante a leitura de dados de reprovação, abandono e evasão escolar. Ernesto Faria entende que o próprio sistema, muitas vezes, se encarrega de solidificar essas desigualdades, ao ofertar, por exemplo, escolas mais fracas para alunos de níveis socioeconômicos mais baixos. Os especialistas entendem que considerar esses dados pode apoiar a construção de políticas de repasse de recursos e apoio técnicos pautadas no contexto dos diversos territórios brasileiros.
A Fundação Lemann e o Itaú BBA realizaram pesquisa com 82 escolas públicas brasileiras que, em 2009, estavam entre as 25% que atendem alunos com menor nível socioeconômico no país e, ao mesmo tempo, atingiam um Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) igual ou superior a 6 (meta do governo brasileiro para todas as escolas em 2022). A pesquisa mostrou que o sucesso das escolas está diretamente ligado ao cuidado com a implementação das práticas que a escola decide adotar; e destaca a maneira que essas unidades comunicam as mudanças para as equipes escolares e demais pessoas envolvidas no processo, bem como a capacidade de enfrentar possíveis resistências. E todas têm o aprendizado dos alunos no centro de suas ações, com acompanhamento contínuo, garantindo avaliações e análises constantes com base nas expectativas de aprendizagem pactuadas com os envolvidos.
Outra possibilidade, na opinião de Maria Rebeca Otero, seria a de implementar sistemas de avaliação locais, em que escolas e secretarias estaduais e municipais se autoavaliem, processo quase inexistente no país. “As avaliações acabam ficando centralizadas no Ministério da Educação e os estados e municípios, quando as fazem, acabam por reproduzir os métodos padronizados comuns às normativas federais de educação, que não dialogam com os contextos locais e acabam sendo pouco indutoras de revisão dos procedimentos escolares”, avalia. Maria Rebeca entende que as avaliações devem valorizar a superação das escolas tomando como base a melhoria de seus próprios processos, o que indicaria a capacidade de atendimento das necessidades de cada aluno e demandas da comunidade em questão.
Essa configuração se faz necessária para que a diversidade brasileira seja contemplada nos processos educativos. Atuação que, para Pilar, depende de uma política não liberal, que fortaleça a atuação do Estado. “Precisamos de políticas que garantam a diminuição das desigualdades, e que respeitem diferenças, o que pressupõe um Estado forte, capaz de analisar problemas e propor políticas específicas para enfrentar cada problemática”, reforça.
Outra diretiva mencionada por Ernesto Faria na busca pela equidade educacional, é o detalhamento do desenvolvimento esperado dos alunos em suas fases escolares, contemplada por uma das estratégias da meta, que cita a definição de diretrizes pedagógicas e a base nacional comum curricular, a partir de pactuação interfederativa. Para o especialista, a medida pode dar um norte aos sistemas educacionais e ampliar a possibilidade de que os alunos tenham seus projetos de vida contemplados como parte da aprendizagem.
Pilar reforça que a presença de tais diretrizes não fomentará a qualidade por si só, sem que haja professores devidamente capacitados para trabalhar essas orientações na perspectiva da inovação pedagógica.
Recai também para as escolas diversos desafios na busca-ativa por uma educação mais equânime. Para Tereza Perez, diretora e presidente da Comunidade Educativa Cedac, tudo deve partir do reconhecimento da criança que se tem em cada unidade escolar, e do compromisso firmado com o desenvolvimento dela. “Precisamos buscar diariamente práticas que façam da educação um instrumento de inclusão, emancipação, cidadania e desenvolvimento”. Isso aponta para um processo que considera o estudante no centro da aprendizagem, um plano pedagógico que permita o diálogo entre os atores da escola, e a ampliação das ofertas educativas, além do convite à participação da comunidade.
Dá-se a mesma importância aos planejamentos escolares, ponto sobre o qual Maria Rebeca Gomes reconhece a necessidade de melhorias. “Os planejamentos pedagógicos muitas vezes são engavetados, colocados em prática pela metade, ou fora do tempo esperado, como pudemos acompanhar com o próprio PNE”, critica. A especialista aponta que sem essas definições, as escolas não conseguem alocar os recursos necessários e verificar os problemas que devem ser enfrentados. Isso também acaba por envolver a equipe pedagógica na resolução de problemas de ordem administrativa.
Para Pilar Lacerda, é preciso fortalecer o diretor como uma figura de liderança e mobilização, os professores em constante atenção às suas práticas e reformulação das mesmas a partir do projeto pedagógico da instituição, e a comunidade para uma participação ativa e qualificada no apoio e monitoramento das ações educativas. Tereza Perez reafirma o posicionamento, lembrando que os processos formativos devem olhar para esse conjunto, garantindo o diálogo com a prática e com os variados elementos que compõem o desenvolvimento integral do estudante.