publicado dia 30/09/2014
Desvendando o PNE: a educação profissional deve ser uma escolha da juventude
Reportagem: Ana Luiza Basílio
publicado dia 30/09/2014
Reportagem: Ana Luiza Basílio
Os números que acompanham a educação profissional no país atestam metas bastante desafiadoras. Embora o Brasil venha apresentando crescimento no número de matrículas na modalidade, seja ela integrada, concomitante ou subsequente – de 2007 a 2013 foi da ordem de 84,7% – se espera que até o final do Plano Nacional de Educação vigente se alcance aumento de 200%. Essa conta se projeta ainda mais quando a análise se volta para a esfera da rede pública. Se em 2013 as novas matrículas somavam 19.925, o número esperado é de 1.441.051 em 2024, um contingente cerca de 70 vezes maior, segundo dados do Observatório do PNE.
Mas, para além dos valores numéricos, há um outro contexto que deve ser levado em conta, como apontam especialistas ouvidos pelo Centro de Referências em Educação Integral, em mais uma matéria da série Desvendando o PNE. E essa demanda diz de situar as múltiplas juventudes impactadas com esse processo, e de se afastar de ideias pré-concebidas de generalização dessa parcela da população. Para o coordenador do Observatório da Juventude da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Geraldo Leão, é essencial um olhar que contemple a diversidade da juventude, não delimitada apenas por uma faixa etária comum, mas também por diversos tempos, condições sociais e sujeitos.
Com isso, não há como discutir o futuro da educação profissionalizante sem se voltar para o papel da educação na vida dos jovens, garante o especialista. Então, embora o acesso com número de vagas adequadas e a qualidade sejam importantes, também se coloca a falta de diálogo desse processo com os próprios. “A educação reconhece pouco a realidade da juventude e se molda bem pouco a partir das necessidades dela”, afirma Leão trazendo uma reflexão para a estrutura do ensino, para além da modalidade profissionalizante.
Para ele, a reflexão sobre os sujeitos vai se perdendo ao longo da educação básica, exemplificando que “a educação infantil traz embutida em sua nomenclatura o pensar sobre a infância; não é a mesma lógica do ensino fundamental e médio. Por que não educação juvenil?”, problematiza. O especialista sente falta de uma pedagogia atuante para a juventude, “que contemple essa identidade, que identifique os jovens em suas práticas culturais e sociais, a partir de seu contexto”. A seu ver, não se trata de “pedagogizar” a relação com a juventude, mas de entender os jovens como sujeitos em construção de processos formativos, com autonomia, direito a escolhas e orientações políticas, sexuais, entre outras. Para ele, o problema está na perspectiva de olhar somente o aluno, principal diretiva das escolas.
O coordenador do ensino médio e técnico do Centro Paula Souza, responsável pelas escolas e faculdades técnicas estaduais de São Paulo, Almério Melquíades de Araujo, fala de uma inércia do ensino médio brasileiro nos últimos 30 anos. Em sua avaliação, os projetos pedagógicos poderiam ser mais atraentes se pautados pelo interesse dos jovens, com mais flexibilidade. “Acredito que, na tentativa de atender às vocações deles, algumas áreas do conhecimento poderiam ter mais peso do que outras, por exemplo”, esclarece.
Na contramão disso, o modelo atual ainda está longe de contribuir com o desenvolvimento integral dos jovens, como explica Geraldo Leão. “Isso não significa tirar a centralidade da educação ou das escolas, porque não é que elas não estejam entre as escolhas da juventude; é preciso garantir uma condição dialógica com a juventude para evitar o risco de perpetuarmos focos de conflito”, expõe o especialista reforçando a necessidade de gestões democráticas capazes de estabelecer outra relação com o conhecimento, que não só a conteudista, e de valorizar seus professores que hoje se deparam com condições bastante precarizadas.
Segundo os entrevistados, a educação profissional tem um papel a cumprir na sociedade. No entanto, não pode aparecer como única alternativa, posto que a juventude deve ter assegurado o ensino médio regular. Ela deve aparecer como uma opção para esse jovem que tem a demanda pela profissionalização. “Sem isso, voltamos ao modelo fracassado de educação compulsória dos anos 70”, critica Leão. A modalidade pode acontecer integrada ao Ensino Médio, concomitante a ele – quando o aluno precisa garantir duas matrículas, uma no ensino regular e outra no modo profissionalizante-, ou subsequente, ou seja, após término da etapa escolar.
Para Almério, ofertar a educação profissionalizante é garantir um direito cidadão, uma vez que o trabalho é um dos pontos de inserção no mundo adulto. Em sua análise, a dinâmica da etapa pode apoiar o desenvolvimento integral da juventude. “Isso porque não dá para pensar na dinâmica do trabalho só a partir de habilidades com tecnologias, equipamentos e ferramentas. O desenvolvimento humano também deve ser um eixo integrador desse processo”, defende o especialista tomando como base as demandas por atuação em equipe que pedem interação, convivência e senso de coletivo. Leão entende que uma maneira dessas demandas dialogarem é permitir trabalho por projetos, situando o professor como mediador dos conhecimentos que devem ser explorados para além dos muros escolares, estabelecendo também relação com o entorno da instituição.
No Brasil, não há uma formação específica para o educador da etapa profissionalizante. Almério conta que aqui há um ideal de que esse professor, grosso modo, é um profissional que atua no mercado e que vem transmitir competências profissionais aos alunos. Demanda esta que, segundo ele, é ineficiente. Em sua opinião, essa modalidade educativa carece de uma política de Estado permanente, capaz de assegurar qualidade à sua oferta. “Precisaríamos de algo correlato ao que acontece na educação superior com o Programa de Financiamento Estudantil (Fies) e Prouni,” avalia. Embora reconheça a presença de programas federais de investimento, como o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e ao Emprego (Pronatec), julga que os benefícios não se estendem para as instâncias administrativas.
Ainda no campo das políticas, Geraldo Leão entende que há o que se caminhar também em relação à juventude. Para ele, avanços como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Conselho Nacional de Juventude (Conjuve), Estatuto da Juventude, entre outras iniciativas, não exime da necessidade de se pensar esforços intersetoriais. “A juventude é um tema transversal da política, assim como a questão de gênero”, esclarece Leão, que problematiza: “como ofertar uma educação integral sem promover integração com a cultura, com o esporte, o trabalho, com a vida desse jovem, que também acontece na cidade, no território?”. Para ele, essa discussão atualmente está no campo das intenções, mas ainda longe de pautar as agendas públicas. Em sua análise, a defesa é por arranjos educativos locais que situem os indivíduos a partir de seus diversos direcionamentos morais, étnicos, raciais, espirituais, entre outros.