O desenvolvimento integral das crianças, adolescentes e jovens não pode ser enfrentado sem um trabalho articulado de atores sociais e institucionais, ou seja, entre as pessoas, instituições e políticas que constituem a vida dos estados, municípios e comunidade. E é o diálogo entre esses diversos setores que permite construir um conjunto de ações integradas, capazes de responder com maior eficiência aos desafios propostos plea educação integral.
Para que territórios, escolas e instituições educativas respondam a esse desafio, é necessário que se forme uma rede intersetorial (com habilidades e expertises diversas) capaz de olhar para as diversas dimensões de um indivíduo: física, intelectual, social, afetiva e simbólica.
“A ideia é de uma cidade educadora, de fazer com que todo o bairro, toda pequena cidade, e até mesmo uma grande cidade, se transformem num múltiplo, polissêmico lugar de experiências e de intertrocas de saberes, de valores, de experiências de vida, de culturas, de culturas populares. E fazer com que a escola (…) se transforme num centro irradiador de cultura em diálogo constante com a comunidade.”
Carlos Rodrigues Brandão, TV Escola – MEC.
Histórico da gestão intersetorial
No que tange a formulação e implementação de políticas públicas, a gestão intersetorial é um enfoque recente e desafiador para a administração pública brasileira. A trajetória setorial das políticas são diferentes entre si, em função de sua história, movimentos sociais que as construíram, seus marcos regulatórios, as responsabilidades na esfera governamental e a variedade de interesses que compõe sua agenda.
Segundo a pesquisadora Stela da Silva Ferreira, na publicação “Educação Integral e Intersetorialidade”, do Salto para o Futuro/ TV Escola, do Ministério da Educação, “as políticas públicas setoriais estão estruturadas para funcionarem isoladamente. Planejamentos, orçamentos, normatizações técnicas, recursos humanos, enfim, todo o modelo de gestão é pensado, via de regra, em função do grau de especialização e profissionalização de cada área”.
Por exemplo, do ponto de vista dos direitos das crianças e dos adolescentes a necessidade de uma gestão intersetorial surgiu da ampla mobilização dos movimentos sociais no período que sucedeu a Constituição de 1988, época em que a assistência social foi elevada à condição de política pública e regulamentada pela sua respectiva Lei Orgânica (LOAS, 1993) e que os municípios tiveram o desafio de realizar as políticas públicas de proteção social para à infância e à adolescência conforme prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente, na época, recém aprovado.
Os “novos direitos sociais”, como ficaram conhecidos, trouxeram para a agenda pública uma complexidade desconhecida pelos gestores até então: a ideia de que a rede integral de proteção à criança e ao adolescente precisa integrar todas as instâncias de articulação do poder público e a sociedade civil por meio de uma gestão intersetorial.
Gestão intersetorial na educação integral
E qual é a trajetória da política de educação integral em nosso país? É possível apontar que, até bem pouco tempo atrás, a educação integral era vista como uma política exclusivamente setorial, sob a responsabilidade da Secretaria da da Educação. As experiências inovadoras realizadas nos equipamentos de ensino, como as Escolas-parque, os CIEPS e os CAICS, embora tivessem uma perspectiva interdisciplinar em suas atividades, pouco traziam a articulação com outras políticas públicas existentes.
Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996, por sua vez, a legislação brasileira passou a prever a implementação da educação integral, destacando o aspecto do “tempo”, por meio das “escolas de tempo integral”. E, mais recentemente, com advento do programa Mais Educação e com o crescimento das experiências em todo o Brasil, observa-se uma mudança no conceito, não restringindo mais a integralidade ao fator temporal, mas também à expansão de espaços e à diversidade de agentes educativos nos processos.
Dessa forma, passou-se a compreender que as políticas intersetoriais de educação integral exigem articulação de saberes, tempos e espaços, planejamento, avaliação e o alcance de resultados por meio do enfrentamento de uma realidade extremamente complexa.
“Apenas como exercício, poderíamos pensar que, na perspectiva intersetorial, os cuidados de saúde ofertados por programas ou serviços poderiam alçar alcance mais amplo quando articulados às práticas esportivas e estas, por sua vez, poderiam ser intensificadas por estratégias de convivência com as diferenças tão valorizadas no campo da cultura que, ganham intensidade pelos conhecimentos vindos da leitura praticada nas escolas”.
Stella Ferreira, Salto para o Futuro/ MEC.
Em suma, a realização da educação integral convoca as diversas políticas setoriais a atuarem em conjunto para promover o desenvolvimento integral das crianças e dos adolescentes.
Nessa perspectiva, o trabalho em rede se torna chave em todas as ações centrais de um programa ou política de educação integral – do planejamento, à execução, monitoramento e avaliação. Para tanto, faz-se necessário que o modelo de gestão seja definido com planos de ações estruturados, responsabilidades e papeis dos envolvidos e instrumentos de monitoramento e avaliação da própria estrutura de rede.
Da mesma forma, prevê-se a articulação das dimensões financeiras e de recursos, integrando ações, equipes e projetos para um fim comum.
Na perspectiva da educação integral, a intesetorialidade deve fazer parte de sua concepção e estrutura, tomando como princípio a necessidade de todos – sociedade, escola, serviços e poder público – atuarem coletivamente e de forma interdependente para um mesmo fim.
Nesse contexto, a rede estimula a intersetorialidade como uma forma de organização horizontal e democrática no território, tanto na perspectiva gerencial, quanto na técnica e nas etapas de concepção e planejamento das ações. Como explica Lucia Helena Nilson, no texto Intersetorialidade de contextos territoriais, “a educação integral, na perspectiva da intersetorialidade, convoca os gestores e educadores a fazerem uma gestão destas relações nos territórios”, referendando que o que dá vida as redes intersetoriais são as dinâmicas que surgem das próprias relações institucionais e interpessoais, a qualidade dessas conexões, a integração de diversos grupos e setores sociais.
Por fim, a intersetorialidade na Educação Integral articula pessoas, organizações e instituições com o objetivo de compartilhar causas, projetos de modo igualitário, democrático e solidário. Ela instaura uma forma de organização baseada na colaboração e na divisão de responsabilidades e competências, uma nova articulação política que prevê uma aliança estratégica entre os atores sociais (pessoas) e forças (instituições).