Currículo nacional australiano busca reduzir desigualdades e prioriza aprendizagem
Publicado dia 16/12/2014
Publicado dia 16/12/2014
O fato das decisões escolares australianas serem tomadas pelos estados e territórios, próprio do modelo federativo, fez com que ao longo do tempo o país acumulasse experiências curriculares bastante diversas, além de disparidades educacionais pautadas pelo contexto de cada localidade. A promoção de uma educação mais equânime e igualitária, não balizada por fatores de origem social, tornou-se o principal desafio do país que hoje tem sua experiência reconhecida globalmente.
Algumas inquietações motivaram a revisão desses documentos norteadores dos processos educacionais e a construção de um currículo nacional. Entre elas estão a lacuna observada entre o alto desempenho dos alunos de áreas urbanas e o baixo desempenho dos estudantes de áreas rurais; a falta de comprometimento com a inclusão, exemplificada pelas questões indígenas; e outra dizia respeito aos interesses do próprio mercado que acabava direcionando seus melhores investimentos aos estados maiores, novamente privilegiando uma parcela de estudantes.
Re-alinhando
Em 2008, o Conselho Ministerial de Educação, Emprego, Treinamento e Assuntos da Juventude da Austrália divulgou a “Declaração de Melbourne“, um documento que traçou os objetivos educacionais para os próximos 10 anos no país. Uma das iniciativas estabelecidas era a criação de um currículo nacional, sob responsabilidade do Australian Curriculum, Assessment & Reporting Authority (ACARA) – Autoridade australiana de currículo, avaliação e relatório. Até o final de 2010, o órgão, em parceria com especialistas e docentes, elaborou os currículos de matemática, inglês, história e ciências do ensino fundamental ao ensino médio.
Leia +: Veja o currículo de Matemática da Austrália (em português)
A estratégia nacional de construção de currículo não partiu da análise das oito experiências já existentes no território australiano, mas de um olhar para as melhores práticas em todo o mundo, contando com melhores talentos em cada área de conhecimento dessas localidades. Outra questão central da estratégia era o entendimento de que todas as crianças, independente da região em que vivessem, deveriam ter acesso aos mesmos conteúdos escolares.
Sem se aproximar de um método engessado, o currículo australiano se molda de maneira clara e objetiva acerca das aprendizagens esperadas dos alunos, prevendo a liberdade para que os docentes lancem mão de estratégias para alcançar os objetivos. O processo partiu de um documento que elencou as estruturas e sequências de aprendizagem da pré escola ao ensino médio, posto em discussão e realinhamento, até ser enviado ao conselho de ministros da educação para aprovação. Uma vez concluída essa fase, deu-se a estruturação do currículo final.
Em entrevista concedida à Revista Educação, em 2012, o diretor da ACARA, Barry MacGaw, explica a diferença entre esses dois documentos. “O original fala de coisas como: ‘quando os alunos estudam história australiana, devem prestar atenção a coisas que aconteciam no mundo no mesmo momento. Devem aprender a pensar na história de seu país em um contexto maior’. Já o currículo especifica quais conteúdos eles devem ensinar: quando se deu a colonização, se esse assunto está adequado ao ensino fundamental ou ao médio etc.”
A construção do currículo considerou oito áreas do conhecimento, incorporando as mais tradicionais e aquelas entendidas como fundamentais para o desenvolvimento para além do contexto escolar. Foram consideradas demandas de outros setores, como o profissional e o ensino superior, para que o percurso aconteça mais próximo da realidade e do projeto de vida dos estudantes.
A proposta também aproximou os conteúdos das competências, a partir de uma proposta de interação. Ao todo, são consideradas as habilidades de letramento, conhecimento dos números, habilidades de TICs, pensamento crítico e criativo, habilidades pessoais e sociais e compreensão intercultural e ética.
“Quando elaboramos o currículo de língua inglesa, apresentamos à equipe responsável as competências que gostaríamos que nossos alunos desenvolvessem, para além do fato de aprender a própria língua. O que fizemos foi inserir ícones nos conteúdos que possibilitam o desenvolvimento das capacidades. Se você procurar o currículo de língua inglesa, encontrará indicações de onde a criatividade pode ser desenvolvida, ou onde há potencial para o desenvolvimento do entendimento intercultural. O professor vê o ícone e pensa: aqui eu posso desenvolver uma capacidade”, relata MacGaw.
O entendimento, explica o diretor, é de que não há competências sem conteúdo e que, mesmo quando tidas como fundamentais, não se apresentam da mesma maneira em diferentes disciplinas. Essa concepção curricular é fundamental para que as competências não figurem como uma lista de temas extras e sejam estimuladas nas diferentes disciplinas, numa visão mais integral do indivíduo.
O formato do currículo australiano também é chamado de tridimensional por considerar três temas transversais ao currículo. Estes são entendidos como prioritários para que os professores possam explorar questões mais contemporâneas e contextualizar o currículo de uma maneira significativa aos alunos. Os temas que perpassam todas as aprendizagens são: o Engajamento da Austrália com a Ásia; a História e a Cultura dos Aborígenes; e a Sustentabilidade.
Como forma de garantir que a aprendizagem seja avaliada pelos docentes, o currículo prevê a sugestão de trabalhos de alunos acerca das temáticas. Essas indicações são inseridas com anotações que apontam seus pontos fortes e fracos e podem orientar os professores na construção de suas avaliações. O currículo nacional e suas expectativas de aprendizagem também devem orientar as avaliações externas, até então feitas de maneira individual pelos estados, com base nas propostas curriculares adotadas.
É consenso de que o currículo nacional deva preencher 80% do currículo das escolas, que podem destinar 20% a outras atividades da instituição. Entende-se que, além de agregar boas práticas educacionais, o currículo australiano fortalece a autonomia docente e qualifica os percursos educativos dos alunos, orientados pelas aprendizagens necessários para o desenvolvimento em outros contextos, que não só o escolar.
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