publicado dia 29/05/2014

Daniel Cara: “Será preciso vontade política para viabilizar o PNE”

Reportagem:

Um dia após a aprovação do texto-base do Plano Nacional de Educação (PNE), o Centro de Referências em Educação Integral entrevistou o coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, que explica quais são as fontes de financiamento para o equivalente aos 10% do PIB para a educação e os próximos passos da tramitação do Plano.

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Daniel Cara/ Divulgação

Para Cara, o Ministério da Educação (MEC) não deu a devida atenção ao Plano desde que ele foi criado.  “O Governo Federal nunca acreditou no PNE. Quantas vezes a presidenta Dilma fala do PNE? E os Ministros Haddad, Mercadante e, atualmente, Paim, quantas vezes mencionam o texto?”, questiona.

Na entrevista, o coordenador da Campanha menciona ainda a importância da incidência realizada pela sociedade civil organizada e a importância de toda a população investir em pressão política junto aos deputados. “Se não fosse a sociedade civil, o PNE não estaria aprovado e, quando o fosse, seria um texto frágil, fácil de cumprir mas muito aquém daquilo que o Brasil precisa”.

Confira a entrevista com Daniel Cara na íntegra! 

Centro de Referências em Educação Integral: Qual a importância da aprovação do texto-base do PNE?

Daniel Cara: Se o texto base não fosse a voto até 28 de maio, corríamos o risco de não ter PNE votado até 2015. Já são 1260 dias de tramitação e ainda falta votar mais dois destaques. Temos muito trabalho pela frente, mas caminhamos. Costumo brincar que não nos deixam dar passos largos, mas nós sempre damos passos firmes.

CR: Quais são os próximos passos e possíveis desafios do Plano?

Cara: Lutamos por três semanas para a votação do texto global. Se os destaques fossem votados ontem, teríamos vencido. Queremos a aprovação de um destaque e a rejeição do outro. Vamos trabalhar para suprimir o dispositivo que pretende contabilizar as parcerias público-privadas na meta de investimento público em educação na ordem de 10% do PIB. E não aceitamos a supressão da Estratégia 20.10.

CR: O que é a meta 20.10 ?

Cara: A estratégia 20.10 do texto do PNE aponta a União como responsável pela complementação ao financiamento do Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) e ao Custo Aluno-Qualidade (CAQ).

CR: Quais são os riscos da estratégia 20.10 não ficar no texto final? Quais impactos isso teria para o cenário educacional?

Cara: A Estratégia 20.10 só avança na regulamentação do texto constitucional. A Constituição vai dizer que a União deve colaborar técnica e financeiramente com Estados e Municípios para o alcance de um padrão mínimo de qualidade. No PNE, esse padrão mínimo de qualidade é materializado pelo CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial), criado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação. A Estratégia 20.10 determina que a União deve complementar os recursos para Estados e Municípios que não atingirem os valores do CAQi. Agora, o MEC quer derrubar essa medida porque prefere gerir sobre programas, amarrando prefeitos e governos em suas prioridades. E o certo é transferir recursos voluntariamente, dividir o bolo arrecadatório. Esse problema é institucional. Nenhuma gestão de Governo Federal decidiu colaborar com Estados e Municípios. A Dilma poderia e deveria inovar.

CR: Quais são os problemas de se considerar os recursos das parcerias público-privadas na somatória dos investimentos para a educação pública?

Cara: No Brasil, os estabelecimentos privados não aceitam controle social, como ocorre em outros países do mundo. Ou seja, querem o recurso público, mas não aceitam responder ao interesse público. Ademais, o PNE não vai ferir ou impedir a expansão dos programas de inclusão do Governo Federal. O que queremos é que o PNE assuma que a prioridade é, fundamentalmente, a educação pública. Por isso, defendemos o destaque apresentado pelo Deputado Paulo Rubem Santiago (PDT-PE).

CR: Quais são as fontes para o financiamento dos 10% do PIB para a educação?

Cara: Temos três possibilidades complementares. Primeiro, maior participação orçamentária da União, ou seja, do Governo Federal. Sozinho, ele arrecada bem mais do que a soma arrecadada pelos 26 Estados, o Distrito Federal e os mais de 5560 municípios. Como investe menos da metade dos demais entes federados em educação, o Governo Federal pode fazer mais e melhor. Segundo, destinação de um maior volume de receitas petrolíferas à educação. Terceiro, imposto sobre grandes fortunas. Isso tudo junto resolve. Contudo, vale lembrar, será preciso vontade política para viabilizar o PNE. E controle social.

CR: Qual foi a importância da sociedade civil organizada no processo?

Cara: A Campanha começou a trabalhar o PNE em 2008, na Conferência Nacional de Educação Básica e na tramitação da Emenda à Constituição 59/2009, que fortaleceu o artigo 214 da Carta Magna que trata do PNE. No Congresso Nacional foi quem mais falou em audiências públicas, deu mais entrevistas à imprensa, fez mais corpo-a-corpo com parlamentares tanto em Brasília, como em todos os estados do Brasil. Além da Campanha, outras entidades participaram, como a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) – que integram a Campanha – e as entidades do movimento estudantil, como UNE, Ubes e ANPG. Se não fosse a sociedade civil, o PNE não estaria aprovado e, quando o fosse, seria um texto frágil, fácil de cumprir mas muito aquém daquilo que o Brasil precisa.

Centro de Referências: Em sua opinião, por que o PNE demorou tanto para ser aprovado? Quais as questões políticas por trás disso? 

Cara: Minha sensação é que o Ministério da Educação nunca apostou no PNE. O Governo Federal nunca acreditou no PNE. Quantas vezes a presidenta Dilma fala do PNE? E os Ministros Haddad, Mercadante e, atualmente, Paim, quantas vezes mencionam o texto? O MEC encaminhou ao Congresso Nacional um PNE que não respeitou as deliberações da Conae-2010, como era o combinado. Mas, se o Governo não acreditou, a sociedade civil botou fé. E também os deputados da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados de todos os partidos. Uma prova disso é que a tramitação do PNE no Senado Federal foi pouco debatida, travada e prejudicou demasiadamente o texto. Já na Câmara todos participam, defendem suas ideias.

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