publicado dia 10/09/2024

Como construir uma escola para as adolescências?

Reportagem:

🗒 Resumo: Com experiências nacionais e internacionais, o Seminário Internacional Construindo uma Escola para as Adolescências reuniu especialistas para debater os principais desafios para garantir uma Educação de qualidade nos Anos Finais do Ensino Fundamental. Realizado em Brasília (DF) em 10/09, o evento contou com a presença de representantes do MEC, pesquisadores e organizações da sociedade civil. 

Quais escolas de Anos Finais do Ensino Fundamental queremos construir? Qual é o currículo que deve ser pensado para as adolescências nas escolas públicas? Atendendo 12 milhões de estudantes cursando do 6º ao 9º ano, a etapa da Educação Básica que conclui o Ensino Fundamental foi o foco do Seminário Internacional Construindo uma Escola para as Adolescências. 

Reunindo gestores do Ministério da Educação (MEC), pesquisadores e representantes da sociedade civil, o evento foi realizado em Brasília (DF) em 10/09. 

Assista ao seminário na íntegra:

Programa Escola das Adolescências e a escuta dos estudantes 

Coordenadora-geral de Ensino Fundamental da Secretaria de Educação Básica (SEB), Tereza Farias destacou a necessidade de construir políticas públicas capazes de atender os diferentes estudantes do Ensino Fundamental. 

Citando a portaria 635/2024, que instituiu o Programa de Fortalecimento para os Anos Finais do Ensino Fundamental da Educação Básica – Programa Escola das Adolescências em julho deste ano, Tereza ressaltou a formação integral como direito para os estudantes. 

“Os Anos Finais são um percurso estruturante para a formação dos sujeitos que estão na escola e importante para consolidar a formação integral que queremos ver assegurada como direito para esses meninos e meninas”, disse ela, lembrando do avanço da política pública e do debate sobre o tema.  

Para a representante da sociedade civil, é fundamental a liderança do setor público, que é quem executa as políticas na ponta. 

“Um ano é muita coisa na vida de um adolescente. E quatro anos, do 6º ao 9º ano, é um universo”, afirmou Patrícia Mota Guedes, gerente de Educação do Itaú Social. “A qualidade dessa experiência está por trás da garantia do Direito à Educação”. 

De acordo com informações do MEC, o programa Escolas das Adolescências mobilizou em sua construção 20 mil escolas públicas e ouviu 2,2 milhões de estudantes. A colheita de sugestões dos adolescentes aconteceu em maio de 2024. 

Representando a União dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), José Aurélio Marques destacou a importância da escuta dos adolescentes na construção das políticas educacionais. “Todas as políticas são interessantes ser pensadas pela academia e por instituições, mas ouvir de quem vai vivenciá-las é importante”, ressaltou o dirigente. 

“A Educação pública precisa ser ofertada com qualidade e conforme as necessidades dos estudantes”, concordou a representante do Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED), Fabiana Dias. 

Kátia Schweickardt, secretária de Educação Básica do MEC, enfatizou também a relevância da escuta dos estudantes no processo. 

“Quando a gente foi ao encontro dos sujeitos prioritários, os estudantes, escutamos mais sobre as possibilidades do que sobre as ausências. Eles contaram como se sentiam indo para a escola, a importância da relação com os colegas e o papel da escola no bairro”, compartilhou. 

Adolescências e ambientes de aprendizagem: a importância do clima e convivência

Após a pandemia (2020-2022), houve uma intensificação das violências que invadem as escolas e das violências institucionais da escola, com aumento de conflitos interpessoais entre os estudantes, entre os professores, além de questões envolvendo indisciplina e saúde mental. 

“Pensar a convivência na escola é refletir sobre o tipo de sociedade que queremos no futuro”, destacou Telma Vinha

É o que constatou Telma Vinha, coordenadora do Grupo de Estudos “Ética, Diversidade e Democracia” na Escola Pública do Instituto de Estudos Avançados da Unicamp e coordenadora associada do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Moral (Gepem), da Unesp/Unicamp.

Pesquisadora referência no tema, Telma levantou as possibilidades para enfrentar essa situação, a partir das práticas exitosas de redes e escolas que acompanhou nos grupos de pesquisa ao longo dos últimos quatro anos. “Pensar a convivência na escola é refletir sobre o tipo de sociedade que queremos no futuro”, disse a professora.

Todo esse trabalho deu origem ao “EntreNós – Programa Convivência Ética e Democrática na Escola e na Sociedade“, realizado pelo GEPEM, Unicamp, Unesp, Unifesp, Fundação Carlos Chagas, em 60 escolas da cidade de São Paulo e 50 de Vitória (ES), todas de Anos Finais do Fundamental. 

Em geral, elas possuem ações coordenadas e permanentes, envolvendo todos os profissionais da escola, com planejamento intencional, e atuam na saúde e na prevenção, mais do que na reação aos conflitos que surgem. 

A formação de professores, criação de instâncias participativas, incentivo ao trabalho coletivo mais do que nas competências individuais, também contribuíram para mudar hábitos, concepções e formas de agir e se relacionar na escola. 

“O programa propõe olhar para as seguintes dimensões, da Secretaria às famílias: atuar para melhorar a qualidade das relações interpessoais, como a forma de se comunicar e lidar com conflitos, olhar para as desigualdades e os equipamentos de apoio entre jovens, de mediação de conflitos e assembleias, e olhar para espaços no currículo para estudar essas questões”, explicou Telma. 

“Os estudantes precisam estar seguros para expor saberes e não saberes. Precisam aprender a dialogar, pedir ajuda e ser ajudado, aproveitar as críticas, trabalhar em conjunto e respeitar os pensamentos dos outros”, disse Roberta Panico

A forma de ensinar e aprender na escola é outra dimensão que influencia diretamente o clima e a convivência escolar, como explicou Roberta Panico, diretora executiva na Roda Educativa, durante o evento do MEC. 

“Os estudantes precisam estar seguros para expor saberes e não saberes. Precisam aprender a dialogar, pedir ajuda e ser ajudado, aproveitar as críticas, trabalhar em conjunto e respeitar os pensamentos dos outros. Isso tudo em coerência com os valores e atitudes dos adultos da escola, que valorizem as falas dos estudantes, mesmo que estejam erradas”, disse Roberta. 

A especialista compartilhou a experiência com o projeto Mapa de Sala de Aula, desenvolvido em Santa Bárbara D’Oeste (SP), que visa formar professores para construir representações gráficas de mapas de sala para evidenciar questões que relacionam gênero, raça e nível de leitura. 

“Percebemos que, em geral, os meninos ficam mais perto dos professores, por questões de controle e a disciplina, os pretos e pardos ficam mais ao fundo […] e as meninas e meninos costumam ficar separados”, observou. “Com esse diagnóstico, é possível trabalhar esse espaço para que ele proporcione melhores condições para eles se relacionarem e aprenderem”, disse Roberta. 

A chegada aos anos finais e o apoio às transições e trajetórias escolares

Os índices de reprovação, distorção idade/série e abandono escolar são especialmente agravados nas transições do 5º para o 6º ano do Ensino Fundamental e do 9º para o Ensino Médio. Estudantes pretos, pardos, indígenas, quilombolas, com deficiência e em situação de pobreza são os mais afetados, fruto da desigualdade histórica que permeia a sociedade. 

Para contribuir com o enfrentamento ao cenário, Claudia Sintoni, gerente de implementação no Itaú Social, apresentou estratégias possíveis que já vêm sendo realizadas por redes e escolas públicas do Brasil.

O acolhimento de todas as pessoas, o apoio da rede intersetorial de proteção e busca ativa escolar, estratégias de enturmação, planejamento conjunto dos professores e pluridocência para o 4º e 5º ano, estão entre as ações observadas. 

Acompanhar os estudantes de perto, promovendo avaliações diagnósticas e formativas, que oportunizem planejar toda a etapa dos anos finais do Ensino Fundamental, também contribui.

“Em Alagoas, também vimos ações do 6º ano indo contar para o 5º ano como funciona essa nova fase, e os de 5º ano indo até o 6º ano para conhecer o ambiente novo. Isso vale para as famílias também”, relatou Claudia. 

Já o Programa Trajetórias de Sucesso Escolar, implementado em sete estados a partir de 2019, pelo Unicef, Instituto Claro e Roda Educativa, também apresentou suas contribuições para o tema. 

Focado nos anos finais do Ensino Fundamental, o programa visa enfrentar a cultura do fracasso escolar. “A sociedade acabou aceitando que é possível que um conjunto de estudantes não vai aprender, vão reprovar e abandonar a escola”, disse Julia Ribeiro, Oficial de Educação no UNICEF Brasil.

Entre as premissas do programa que de fato contribuíram para promover o sucesso da trajetória escolar, está considerar os diferentes ritmos e tempos de aprendizagem de cada estudante, a Educação Inclusiva para todos, adotar uma perspectiva de equidade e valorização da diversidade, do território, e o diálogo com diferentes organizações e políticas.

Os desafios para profissionais das escolas de anos finais

Para a educadora e socióloga Edneia Gonçalves, Coordenadora executiva adjunta da Ação Educativa, a formação de professores, de forma contínua e intencional, é fundamental para uma Educação de qualidade que garanta direitos e aprendizagens significativas. 

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Para tanto, é preciso que essa formação seja pautada pela capacidade de articular saberes acadêmicos aos dos territórios, que não podem ser encarados como lugares de falta, mas como espaços de conhecimento. 

“Precisamos de formação de professores para tratar os saberes das adolescências com humildade, reconhecendo que nós não sabemos o que eles sabem”, disse Edneia Gonçalves

“A comunidade de aprendizagem não emerge do que falta, mas da capacidade de fazer emergir nos estudantes o que eles sabem […] Essa aprendizagem com certeza vai nos ajudar a enfrentar as manifestações institucionais do racismo na Educação”, disse a especialista.

Edneia também lembrou a necessidade olhar para as juventudes que estão na Educação de Jovens e Adultos (EJA) e costumam ter seus conhecimentos e particularidades negados.

“Precisamos de formação de professores para tratar os saberes das adolescências com humildade, reconhecendo que nós não sabemos o que eles sabem, e para valorizar a diferença, que transforme a nossa forma de pensar a qualidade da Educação. Uma Educação de qualidade é uma Educação antirracista“, finalizou.

 

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