publicado dia 12/07/2018
Quem é Malala Yousafzai? A prêmio Nobel em suas próprias palavras
Reportagem: Thais Paiva
publicado dia 12/07/2018
Reportagem: Thais Paiva
Mais jovem vencedora do Prêmio Nobel da Paz, símbolo da luta pelo direito à educação das meninas, sobrevivente da violência extremista do Talibã, feminista. São muitos os apostos que podem definir Malala Yousafzai, que saltou aos olhos do mundo após ser baleada quando voltava para casa em um ônibus escolar, desafiando os talibãs locais que impedem as jovens de frequentar a escola.
Leia o material Por Ser Menina, da Plan International, fruto de um movimento global criado e desenvolvido para garantir que todas as meninas do mundo possam aprender, liderar e progredir.
Desde então, a ativista paquistanesa tem dedicado sua vida à defesa da educação para todos e todas. Em viagem ao Brasil neste mês de julho, falou sobre empoderamento feminino e a emancipação via conhecimento. Também anunciou que o Fundo Malala irá patrocinar três escolas brasileiras que lutam pela educação de meninas, duas delas no Nordeste.
Para entender os caminhos que levaram Malala a obter tamanho destaque global, selecionamos trechos extraídos do livro Eu sou Malala: a história da garota que defendeu o direito à educação e foi baleada pelo Talibã (Ed. Companhia das Letras) que costuram episódios, reflexões e opiniões da menina paquistanesa, em sua própria voz. Confira:
“No dia em que nasci, as pessoas da nossa aldeia tiveram pena da minha mãe, e ninguém deu parabéns a meu pai. Vim ao mundo durante a madrugada, quando a última estrela se apaga. Nós, pachtuns, consideramos esse um sinal auspicioso. Meu pai não tinha dinheiro para o hospital ou para uma parteira; então uma vizinha ajudou minha mãe. O primeiro bebê dos meus pais foi natimorto, mas eu vim ao mundo chorando e dando pontapés. Nasci menina num lugar onde rifles são disparados em comemoração a um filho, ao passo que as filhas são escondidas atrás de cortinas, sendo seu papel na vida apenas fazer comida e procriar.”
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“Eu brincava no pátio da escola. Meu pai diz que mesmo antes de saber falar eu caminhava vacilante sala de aula adentro e me comportava como se fosse a professora. Algumas mulheres da equipe escolar, como a srta. Ulfat, me colocavam no colo como se eu fosse um bichinho de estimação. Aos três ou quatro anos fui colocada em turmas de crianças bem mais velhas. E ficava maravilhada ao ouvir todas as coisas que eram ensinadas. Às vezes eu imitava os gestos das professoras. Posso dizer que eu cresci em uma escola.”
“Minha mãe começou a frequentar a escola aos seis anos e a abandonou com a mesma idade. Ela era uma exceção na aldeia, pois seu pai e seus irmãos incentivaram-na a estudar. Era a única menina numa classe de garotos. Carregava com orgulho a bolsa com os livros e declarava que era mais inteligente que os meninos. Mas todos os dias deixava as primas brincando em casa e as invejava. Não parecia fazer sentido frequentar a escola para depois terminar cozinhando, limpando e tendo filhos. Por isso, um dia ela vendeu os livros por nove annas, gastou o dinheiro em doces e nunca mais voltou a estudar.”
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“Eu lia livros como Ana Karênina, do Leon Tolstói, e os romances de Jane Austen. Confiava nas palavras de meu pai: ‘Malala é livre como um pássaro’. Quando ouvia as histórias sobre atrocidades que aconteciam no Afeganistão, eu celebrava o Swat [sua aldeia no Paquistão]. Aqui uma menina pode ir à escola, eu dizia. Mas o Talibã estava logo ali, na esquina, e era pachtum como nós. Para mim, o vale era um lugar ensolarado. Não pude ver as nuvens se juntando atrás das montanhas. Meu pai costumava falar: ‘Vou proteger sua liberdade, Malala. Pode continuar sonhando’.”
“Desde pequena me interesso por política. Ficava sentada nos joelhos de meu pai, ouvindo tudo que ele e seus amigos discutiam. Mas me preocupava mais com as coisas próximas de nossa casa – com a nossa rua, para ser exata.”
“Foi a escola que me fez seguir em frente naqueles dias sombrios. Quando andava na rua, parecia-me que cada homem com quem eu cruzava podia ser um talibã. Escondíamos nossas bolsas e nossos livros sob o xale. Meu pai sempre dizia que a coisa mais bonita nas aldeias, toda manhã, era ver as crianças usando uniformes escolares. Mas agora tínhamos medo de usá-los.”
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“Naquele inverno nevou como sempre, mas não havia a mesma alegria em fazer bonecos de neve. Com o frio, os talibãs desapareceram nas montanhas, mas sabíamos que retornariam e não fazíamos ideia do que teríamos pela frente. Acreditávamos que a escola voltaria a funcionar. O Talibã podia tomar nossas canetas e nossos livros, mas não podia impedir mentes de pensar.”
“Quando cruzamos o desfiladeiro Malakand, vi uma mocinha vendendo laranjas. Para cada laranja que vendia, ela fazia uma marquinha com lápis num pedaço de papel, pois não sabia ler nem escrever. Tirei uma foto e jurei que faria tudo o que estivesse a meu alcance para ajudar a educar garotas como ela. Era essa a guerra que eu ia travar.”
“Não falei nada para meus pais, mas, toda vez que saía, tinha medo de que talibãs armados me saltassem à frente ou que jogassem ácido no meu rosto, como tinham feito com diversas mulheres no Afeganistão. Sentia medo principalmente dos degraus que levavam até nossa rua, onde os meninos costumavam ficar. Às vezes, pensava ouvir passos atrás de mim ou imaginava figuras se esgueirando nas sombras.”
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“Algumas pessoas escolhem bons caminhos e algumas escolhem caminhos ruins. A bala atirada por um homem me atingiu, fez meu cérebro inchar, roubou a minha audição e cortou o nervo do lado esquerdo de meu rosto em menos de um segundo. E depois desse segundo milhões de pessoas rezaram por mim, por minha vida, e médicos talentosos me deram meu próprio corpo de volta. Eu era uma boa menina. Meu coração tinha apenas o desejo de ajudar as pessoas. Não fiz nada com o objetivo de receber prêmios ou dinheiro. Sempre rezei a Deus: ‘Quero ajudar as pessoas. Por favor, me ajude a fazer isso’.”
“Meu pai passa grande parte do tempo indo a conferências sobre educação. Sei que para ele é estranho o fato de que agora as pessoas queiram ouvi-lo por minha causa, e não o contrário. Eu costumava ser conhecida como a filha dele; agora ele é conhecido como meu pai. Quando foi à França para receber um prêmio em meu nome, disse à plateia: ‘No meu lado do mundo a maior parte das pessoas é conhecida pelos filhos que têm. Sou um dos poucos pais sortudos conhecidos pela filha que têm’.”
“Durante o último ano estive em muitos lugares, mas meu vale continua sendo o mais lindo do mundo. Não sei quando vou vê-lo de novo, mas sei que vou. Eu me pergunto o que aconteceu com o caroço de manga que plantei no nosso jardim no Ramadã. Imagino se alguém o está regando, para que um dia as futuras gerações possam apreciar a fruta.”
“Meu mundo mudou muito. Nas prateleiras da nossa sala há prêmios do mundo inteiro – Estados Unidos, Índia, França, Espanha, Itália, Áustria, e muitos outros lugares. Fui até indicada para o prêmio Nobel da Paz, a pessoa mais jovem de todos os tempos. Quando ganhava prêmios pelo meu trabalho na escola, eu ficava feliz, pois trabalhava duro para merecê-los. Mas esses outros prêmios são diferentes. Sou grata por eles, mas só me lembram quanto ainda falta fazer para atingir a meta de educação para todo menino e toda menina. Não quero ser lembrada como a “menina que foi baleada pelo Talibã” mas como “a menina que lutou pela educação”. Esta é a causa para a qual estou dedicando minha vida.”
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