publicado dia 24/09/2013

“A escola tem que baixar seus muros para não ser um simulacro da vida real”

Reportagem:

Traduzido integralmente do LaCapital

“Estamos em um período muito difícil da educação escolar. Cada vez existem mais avliações e materiais, mas menos pessoas que constroem a escola”. Com este pensamento, a pedagoga brasileira, Jaqueline Moll, apresentou sua dissertação no Primeiro Encontro Latinoamericano de Cidades Educadoras, realizado há alguns dias na cidade de Rosário, na Argentina.

Em diálogo com o LaCapital, a especialista em alfabetização e educação popular se referiu ao modo de produzir as aprendizagens no território urbano a partir do conceito de Cidade Educadora, bem como a necessidade de reinventar a escola para construir novas possibilidades e recursos para uma educação integral.

Durante o encontro, que durou três dias na cidade, participaram também autoridades do México, Uruguai, Porto Rico e Colômbia, entre outros países. As teses e intercâmbio de experiências se referiram às políticas públicas de infância, antecipando as temáticas a serem abordadas no próximo ano, durante o XIII Congresso Internacional de Cidades Educadoras que acontecerá em Barcelona, na Espanha.

No âmbito da educação, a representante brasileira compartilhou com o auditório sua perspectiva pedagógica como diretora de Currículos e Educação Integral da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC). A partir do título “A educação na cidade, sujeitos, cenários e possibilidades”, Moll reconheceu o desafio atual das cidades educadoras na esfera pública.

Nosso objetivo no Brasil é fazer uma escola para todos, que colabore com a superação das desigualdades sociais e a afirmação das diversidades”, disse a especialista, fazendo referência ao programa Mais Educação. O MEC implementou esta estratégia em 2008 para ampliar a jornada escolar e organizar o currículo na perspectiva da educação integral. O plano de governo superou este ano a meta de 45 mil escolas públicas no programa e projeta contar com 60 mil em 2014.

LaCapital: Qual tem sido o desafio de implementar o programa federal de educação? 

Jaqueline Moll: O Mais Educação é uma estratégia para ampliação e redimensão dos recursos escolares, incorporando temas de cultura, arte, tecnologia, educação patrimonial e ambiental e esportes.  O maior desafio está agora em mudar a mentalidade das pessoas sobre o processo de educar na escola. Estamos acostumados a ter uma visão da educação que consiste apenas em colocar no quadro as lições das diferentes disciplinas científicas que estão no currículo. Nos saberes oferecidos pela escola, os estudantes permanecem sentados e calados e não encontram neles seu mundo pessoal e social. Os conhecimentos que a humanidade acumulou nas distintas áreas são importantes para que as crianças e adolescentes possam compreender o mundo. Porém, para chegar a eles é preciso que façamos pontes da escola com os saberes de vida desses jovens, com seus sonhos e seus novos modos de viver em sociedade.

LaCapital: Como se converte a escola em parte da esfera pública?

Moll: A escola tem baixar seus muros para não ser um simulacro da vida real. Trata-se se pensar a educação desde a perspectiva do território e ampliar este mapa para além do espaço físico em que vivemos, no âmbito da saúde, da cultura, do meio ambiente para que nossos teatros, cinemas, praças e bibliotecas sejam tomadas por crianças e adolescentes. No Brasil, testemunhamos a situação absurda de jovens que depois de muitos anos na escola nunca haviam ido a um cinema porque seus pais não podiam levá-los; produto de outro grande desafio: a desigualdade social. Cidade e escola devem se reinventar, melhorar e ampliar os espaços dentro de cada instituição, assim como a formação de professores que têm uma visão muito linear. Assim, isso necessariamente implica em um trabalho integrado e sistemático.

LaCapital: Que aprendizagens são possíveis no território urbano?

Moll: A apropriação dos espaços públicos facilita a intervenção das crianças na cidade; por meio da fotografia ou das artes plásticas, por exemplo, eles se aproximam do território. O olhar das crianças é a força que desafia nossas fórmulas. Cedamos a palavra às crianças e a possibilidade de viver com plenitude seu potencial. Como queremos a efetivação da democracia, se as crianças não têm espaço para falar dentro da escola e têm medo de ter um ponto de vista diferente do professor. Estamos falando de uma mudança de paradugma, no qual a escola tem que se converter em uma comunidade de convivência, um espaço de aprendizagem, com tarefas de organização e responsabilidades compartilhadas. Há muita dificuldade de romper com o modelo tradicional, porque o modo de “ser professor” nessa estrutura está internalizado.

LaCapital: Que aspectos são levados em conta quando se incorpora a jornada estendida? 

Moll: Não queremos mais do mesmo, mas de rever a forma como fazemos. O mundo mudou; existem novas tecnologias, mas mantemos o modo de ensino da escola do final do século XIX. Precisamos mudar o chip. Esta transição pode levar muitos anos, mas é possível.

LaCapital: Como educar e conviver com a pluralidade de sujeitos e cenários nas cidades latinoamericanas? 

Moll: É muito complexo. De um lado, temos as megalópolis, chamadas por alguns autores de “monstropolis”, cidades gigantes, como a Cidade do México, São Paulo, Rio de Janeiro e Caracas; e de outro as cidades médias e pequenas, que têm outro contexto, mas que também devem gerar espaços reais de convivência entre crianças de escolas privadas e públicas. As crianças têm que se encontrar em atividades integradoras como festivais de arte e torneios esportivos. Esta é uma tarefa importante para as cidades educadoras, é o educar a cidade para que esta possa olhar para suas crianças e jovens. Seguimos construindo uma sociedade muito segregada, na qual determinados grupos sociais não querem ver o outro grupo. Temos que refletir sobre essas matrizes que nos constituem como sociedade, em que o medo do diferente tem que ser superado.

LaCapital: Esta visão de sociedade é possível a medida que o Estado busque garantir a segurança e direitos dos cidadãos…

Moll: Quando falamos de políticas intersetoriais falamos precisamente disso. Existe uma instância que diz respeito à violência e às drogas que é a prevenção, e tanto a família quanto a escola e as demais instituições têm um papel fundamental nisso. A melhor prevenção é a construção de possibilidades para os jovens. Se você estiver em um grupo de teatro ou acessar uma bolsa de estudos, você acessa outras possibilidades, o que para muitos praticamente não existe. O poder público tem que gerar isso. Ao falarmos de Cidades Educadoras, falamos de ações conectadas e um outro olhar para as crianças e jovens, especialmente os de classes populares, sempre marginalizados e silenciados.

Assista também o vídeo produzido pelo Centro de Referências em Educação Integral:

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