publicado dia 18/07/2017

As escolas são terrenos férteis para o racismo na África do Sul

Reportagem:

Estou começando a pensar que a África do Sul está ferrada. Bem, eu comecei a pensar isso há cerca de três anos, quando finalmente me tornei um adolescente.

Texto originalmente publicado por Will-Ed Zungu, no HuffPost South Africa, em janeiro de 2017. Will-Ed é um escritor nascido na Cidade do Cabo, na África do Sul.

E sinto que muitos jovens sul-africanos sentem o mesmo, com uma boa razão. Eu sou orgulhosamente um sul-africano e, se você me desse um mapa do mundo, acho que poderia mostrar países melhores ou piores para nascer.

Mas às vezes eu só quero arrumar minhas malas e me mudar para Nova York. Eu até faria isso se não tivesse prometido a mim mesmo que eu ficaria – para ajudar a mudar esse sistema opressivo de educação e essa sociedade racista, na qual vivem jovens sul-africanos negros como eu.

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O apartheid terminou 22 anos atrás, mas seu racismo se manteve e se institucionalizou. Ele se manifesta particularmente nas escolas, onde as crianças são expostas aos preconceitos raciais de colegas e professores. Já não são os indivíduos que são racistas per se; são as instituições em que vivemos e trabalhamos que perpetuam a supremacia branca de maneira velada.

O racismo presente nas escolas sul-africanas só pode ser entendido através do seu contexto histórico. Após as eleições gerais de 1948, os supremacistas brancos do Partido Nacional implementaram um programa chamado apartheid, um sistema legal de separação política, econômica e social das raças, pensado para manter e ampliar o controle político e econômico da África do Sul pela minoria branca – menos de 10% da população. Durante a era do apartheid, as pessoas foram segregadas de acordo com a raça e forçadas a se mudar para distritos com segregação racial.

Assim, crianças de raças diferentes foram forçadas a ir para escolas separadas dentro de seus próprios bairros. No entanto, devido à Lei de Educação Bantu, muitos alunos negros ficaram sem educação. O Partido Nacional gastou uma média de 90 dólares na educação de cada criança branca e menos de 10 para cada criança negra.

Depois das eleições gerais de 1994, o Congresso Nacional Africano, liderado por Nelson Mandela, colocou um fim legislativo para o apartheid e a segregação racial na África do Sul, permitindo que alunos de todas as raças frequentassem as mesmas escolas. No entanto, embora hoje muitas escolas sul-africanas sejam diversas, a roda do racismo continua girando.

As escolas e o racismo estrutural

Como o racismo nas escolas é sutil, ele é perpetuado quase inconscientemente. Esta sutileza significa que muitas crianças acreditam que, porque o apartheid acabou e as escolas são diversas, o racismo não existe mais. Quando, na realidade, os sistemas escolares fazem com que as crianças negras sejam tratadas e vistas como subordinadas aos seus pares brancos.

Em 1990, minha escola foi uma das primeiras escolas brancas a abrir seus portões para alunos negros antes que fosse legal fazê-lo. Embora, sim, este tenha sido um ato que merece elogio, também não é algo que declara automaticamente que a escola não é racista. Não devemos confundir a diversidade com a integração. Permitir a entrada de pessoas negras na sua escola não significa que ela não está segregada.

Permitir a entrada de pessoas negras na sua escola não significa que ela não está segregada

As escolas abriram suas portas, mas não mudaram suas atitudes. A África do Sul possui 11 línguas oficiais, mas a maioria das escolas anteriormente brancas – públicas ou privadas – oferece apenas inglês ou africâner como primeira língua.

E as outras nove línguas oficiais? Por que uma criança negra que frequenta uma escola não tem a oportunidade de aprender em sua língua nativa? Por que somos separados de nossas culturas porque a escola que frequentamos apenas nos ensina africâner? Esta é uma forma de segregação persistente.

Há um padrão racial duplo na África do Sul quando se trata de pronúncia. Quando uma pessoa negra que não é fluente em inglês tropeça em uma palavra ou ponto de gramática é considerada incapaz. Quando uma pessoa branca africâner pronuncia mal as palavras inglesas é aplaudida por “tentar”. Enquanto sul-africanos vemos isso o tempo todo.

Em janeiro do ano passado, o âncora de notícias do eNCA, Andrew Barnes, zombou da pronúncia em inglês do ministro da educação Angie Motshekga ao vivo. Enquanto isso, há toneladas de parlamentares brancos africâneres que sequer falam uma palavra de inglês, mas nada é dito sobre eles.

Eu venho de uma situação incomum onde nunca aprendi minha língua nativa, isiZulu, e cresci falando apenas inglês. Em algum lugar ao longo do caminho, peguei o que meus amigos chamam de “um sotaque americano engraçado”. Eu não sei como, mas provavelmente veio de ver compulsivamente “Everybody Hates Chris” e “30 Rock”. Na escola, os professores brancos e os pais dos meus amigos brancos sempre comentam o quão bem eu falo inglês. À medida que envelheci, fiquei com medo desses comentários inconscientemente condescendentes. “Uau, William, você fala tão bem inglês”. Tradução: “Uau, William, você fala tão bem inglês … para uma pessoa negra”.

Em agosto, o protesto #StopRacismAtPretoriaGirlsHigh virou notícia internacional. Na escola Pretoria Girls High School, um grupo de meninas da 8ª série, liderado por Zulaikha Patel, de 13 anos, protestou sobre o abuso racial por parte dos professores e o racismo institucional em sua escola, que proibiu que as garotas negras usassem tranças, afros, dreadlocks e outros penteados africanos que não pertencessem ao padrão eurocêntrico-branco da escola de “higiene”. As meninas negras receberam escovas e foram mandadas “olhar para si mesmas no espelho e arrumar seus cabelos”.

Na minha escola, muitas vezes ouço os caras brancos dizerem: “As meninas negras são feias” ou “a única garota negra que namoraria é Beyoncé”. As meninas negras são constrangidas por sua aparência natural. Meninas negras com seios, bunda e lábios grandes são consideradas gordas pelos colegas de classe brancos, mas quando as meninas brancas têm exatamente esses atributos são consideradas lindas.

O que você acha que declarações como essas fazem para o estado emocional e a autoestima das meninas negras? Digite no Google “Por que as mulheres negras” e os quatro principais resultados são:

1. Por que as mulheres negras estão tão bravas?

2. Por que as mulheres negras são tão feias?

3. Por que as mulheres negras são solteiras?

4. Por que as mulheres negras são tão malvadas?

Se é dito desde seus primeiros anos escolares que você não é suficiente, você eventualmente começa a acreditar nisso. As escolas sul-africanas estão enviando uma mensagem de que seu padrão de beleza não inclui meninas negras e, certamente, seus cabelos naturais. Lute contra isso e você é rotulado como uma “mulher negra brava”. Esta não é apenas uma questão de cabelo. Isso é racismo.

Quando você se livra dos professores e estudantes racistas da sua escola, eles não deixam de ser racistas. Eles simplesmente vão para outra e são racistas lá

As escolas não só fazem os negros odiarem seus cabelos em um nível emocional, mas a nível institucional. Como novato no Ensino Médio, eu era uma criança com um mini afro. As pessoas me encaravam e pediam para tocar meu cabelo.

Tudo o que eu queria era poder pentear e passar gel no meu cabelo como os meninos brancos. A institucionalização da supremacia branca me fez odiar meu próprio cabelo. Eu constantemente pedia para minha mãe relaxá-lo. Agradeço, retrospectivamente, sua recusa. Eu tenho um afro agora, e não é apenas uma escolha de estilo, é uma declaração política.

O material didático distribuído na África do Sul também continua a discriminar estudantes negros. Tudo o que recebemos nestes livros são falsas histórias sobre os negros que normalizam opressões como a colonização e a escravidão. Louvam Cristóvão Colombo como o “Fundador do Novo Mundo” e Mahatma Gandhi como “O Pai da Nação”. Há uma tendência crescente nas escolas para tentar retratar Gandhi como uma espécie de messias que avançou a causa dos negros na África do Sul. Em suas lutas, Gandhi não tinha interesses em pessoas negras. Sua única agenda era promover os interesses dos indianos enquanto encorajava a opressão dos sul-africanos negros.

“Se é dito desde seus primeiros anos escolares que você não é suficiente, você eventualmente começa a acreditar nisso”

Crédito: Shutterstock

Devido à colonização, as pessoas negras se segregaram dentro da nossa própria raça. Tendemos a nos dividir por pele, nacionalidade, tribo, língua ou classe. Penso que uma das piores coisas sobre o racismo institucionalizado nas escolas sul-africanas é a competitividade que traz entre os estudantes negros.

De série em série, de escola em escola, testemunhei que alunos negros encarnam esse desejo de competir entre si. Isto se dá em grande parte devido ao fato de que para ser aceito por colegas em escolas brancas, você precisa se ajustar ao molde do que é uma pessoa negra “aceitável”. Você sabe, não muito preto, mas também não muito branco, o tipo que circunda o estereótipo negro que serve para entreter e fazer sorrir os estudantes brancos.

Eu não sou um ativista. Quando ouço essa palavra, penso em Nelson Mandela, Steve Biko e George Soros. E penso em jovens ativistas que me inspiraram a enfrentar o racismo: DeRay McKesson, Jessica Williams e Amandla Stenberg. O “ativismo de hashtag” só pode ir até um ponto; precisamos realmente fazer algo para mudar as desigualdades na sociedade.

Ao reconhecer as diferenças, professores e alunos podem trabalhar com seus próprios preconceitos

E o esforço para libertar os negros, não só nas escolas da África do Sul, mas também em todo o mundo, tem que começar com a juventude. Nossa geração precisa expressar opiniões e ir contra esse sistema corrompido.

Minha abordagem para resolver as relações raciais nas escolas sul-africanas é fazê-lo através do início de um diálogo progressivo. É bom que apontemos os racistas, mas esse é apenas o primeiro passo.

O que é mais importante é como lidamos com racistas uma vez que os apontamos. Sim, os racistas precisam parar de ser defendidos e começar a ser responsabilizados por suas ações, mas precisamos mudar nossa abordagem para lidar com eles.

Especialmente nas escolas, muitas vezes as crianças podem dizer coisas racistas sem estarem plenamente conscientes do que realmente estão dizendo.

É por isso que os educamos, porque é um processo de aprendizagem. Não acho que expulsar e suspender professores ou estudantes racistas é a resposta. Sim, é uma resposta de curto prazo para a escola. Mas quando você se livra dos professores racistas ou estudantes da sua escola, eles não deixam de ser racistas. Eles simplesmente vão para outra escola e são racistas lá.

Eu acredito que estudantes do Ensino Médio com diferentes opiniões em toda a África do Sul podem educar uns aos outros sobre o que é certo e o que é errado através da conversa. Esse agonizante processo envolve sentar-se com as mesmas pessoas que te discriminaram e oprimiram. Isso é sempre difícil.

Eu fui chamado de “macaco” por demandar igualdade racial, de “maricas” por defender o feminismo e de “odiador” de pessoas brancas. Eu fui acusado de jogar a “carta racial” (que não existe, por sinal). Insultos como estes tornam fácil ficar cínico sobre a possibilidade de mudança. Mas parte da luta é acreditar na capacidade de todos para repensar suas opiniões racistas. Precisamos usar a conversa como meio de mudança. Não podemos abordar o que não falamos.

As escolas precisam garantir que os professores encorajem os alunos a questionarem as desigualdades na sociedade, de modo que, juntos, possam trabalhar para mudanças institucionais e garantir um ambiente de aprendizagem equitativo

As escolas devem ter uma tolerância zero para o comportamento racista. Precisam se perguntar “onde os estudantes podem se queixar da opressão? Quem será responsável por investigar essas questões? E como as políticas mudam para interromper a opressão nas escolas?”. A maneira como eu vejo isso é que a crítica não deve ser apenas apontada para a sociedade, mas para o sistema educacional como um todo.

O Departamento de Educação da África do Sul precisa acompanhar de perto as atividades dentro das escolas e entender que o racismo é sistêmico. O primeiro passo é fazer com que os alunos reconheçam suas diferenças e não apenas ignorar a raça e fingir que não existe.

Ao reconhecer nossas diferenças, professores e alunos podem trabalhar com seus próprios preconceitos. As escolas precisam garantir que os professores encorajem os alunos a questionarem as desigualdades na sociedade, de modo que, juntos, possam trabalhar para mudanças institucionais para garantir um ambiente de aprendizagem amigável e equitativo.

Para todos os negros: adoro o seu cabelo, adoro a sua forma, adoro a sua pele, nunca deixe a sociedade lhe dizer nada diferente. Levante-se, acredite em si mesmo e participe da luta.

“É preciso considerar as opressões estruturais, como o racismo, para discutir currículo”

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