A valorização dos profissionais da Educação é fundamental para garantir condições dignas de trabalho, bem como um ensino de qualidade e o desenvolvimento integral dos estudantes. Afinal, é com professores, funcionários e comunidade escolar que as crianças e adolescentes compartilham boa parte de seu cotidiano nos anos entre a Educação Infantil e o Ensino Médio. É também quando se fortalecem enquanto sujeitos para além da família e se inserem cada vez mais na sociedade – processos da maior importância.
O especial Educação no Centro do Debate — Eleições 2022 analisa em profundidade as 10 propostas para a Educação do Plano País Para a Infância e Adolescência com a participação de membros da Agenda 227, movimento apartidário que elaborou o documento. A Agenda 227 é composta por mais de 300 organizações da sociedade civil que vislumbram no processo eleitoral a oportunidade de colocar os direitos de crianças e adolescentes em foco no debate público e nos planos de governo.
“Os profissionais que estão no chão da escola têm um papel extremamente importante na sociedade porque, como diz Paulo Freire, nós nos educamos nas relações humanas e essas pessoas são referências e influências para além da família. Sempre tem um professor, uma merendeira, com quem o estudante cria uma relação mais próxima. Isso é fundamental para que o estudante se desenvolva e tenha uma atuação mais democrática, cidadã e de respeito às diversidades”, diz Guelda Andrade, secretária de assuntos educacionais (CNTE).
Apesar do consenso sobre a centralidade do papel dos profissionais da educação para a sociedade, muitos deles são hoje terceirizados, mal remunerados e com alta rotatividade entre as unidades. Professores brasileiros também têm o piso salarial mais baixo entre 40 países da Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE) e, no Brasil, educadores com nível superior ganham o equivalente a 54,5% do que ganham outros profissionais com o mesmo nível de formação.
Além da questão da remuneração, estes profissionais enfrentam condições precárias de trabalho, tanto do ponto de vista da infraestrutura, com falta de recursos e superlotação das turmas, quanto do tom de vigilância e punição que se instaurou com movimentos como o Escola Sem Partido, que afeta a liberdade de cátedra e a concepção da escola enquanto espaço de encontro e debate entre as várias diversidades presentes na sociedade.
Como valorizar os profissionais da Educação?
Pensando em todo esse contexto, a Agenda 227 traz entre as propostas para a área da Educação a valorização dos profissionais da Educação. O documento orienta: “Instituir e implementar políticas nacionais de valorização dos profissionais de educação, com o objetivo de assegurar condições necessárias ao cumprimento do Piso Salarial Profissional Nacional para os Profissionais do Magistério Público da Educação Básica, à definição de planos de carreira, e à oferta de formação inicial e continuada, a fim de efetivar as metas 15, 16, 17 e 18 do Plano Nacional de Educação”.
Como indica a proposta, a valorização dos profissionais da Educação vai além da remuneração adequada. “Gestores e a classe política precisam criar condições para que os educadores possam ter um plano de carreira e formação, o que vai dar qualidade técnica a esse educador e garantir adequação à área em que lecionam, em todas as etapas da Educação Básica”, reforça Alessio Costa Lima, vice-presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e dirigente municipal de Educação de Ibaretama (CE).
Mas o desafio é grande. Segundo o Censo Escolar 2021, 13,3% dos professores da Educação Básica não possuem nível superior. Na Educação Infantil, uma em cada cinco professoras não têm curso superior. No Ensino Fundamental 1, 80,1% são graduados com licenciatura. No Fundamental 2, 46,8% não têm formação adequada na área que lecionam. No Ensino Médio, cerca de 40% não têm formação adequada. Já a formação continuada, com no mínimo 80 horas, não alcança 50% dos docentes de nenhuma das etapas.
Guelda complementa afirmando que para todos os profissionais da educação é preciso pensar em um tripé: carreira, piso e jornada. “Esse piso é para qual carreira e qual jornada de trabalho? Porque tudo que ultrapassa 20 horas com o estudante traz prejuízo para a saúde do trabalhador”, explica.
Tudo isso é central para garantir, além de condições dignas de trabalho, a qualidade da educação. “Se o foco é formar estudantes capazes de construir a própria história e uma sociedade diferente da que temos hoje, precisamos de profissionais com jornada de trabalho e salário digno para se manter com dignidade, pesquisar, estudar, conhecer a comunidade e descansar. Como indica o PNE [Plano Nacional de Educação], também precisamos de financiamento para ter profissionais com dedicação exclusiva em uma única escola que vão poder pensar o PPP, fazer um planejamento adequado e garantir continuidade pedagógica”, ressalta Guelda.
Além dos desafios do ponto de vista da remuneração salarial e de melhores condições de trabalho, no Congresso Nacional, tramita ainda a regulamentação da educação domiciliar, também conhecida como homeschooling. Para Beatriz Benedito, analista de políticas educacionais do Instituto Alana, a pauta desvaloriza a escola e os profissionais da Educação, por desqualificar o preparo necessário para atuar em uma escola, bem como tira o foco do debate mais urgente: “É preciso garantir remuneração adequada, condições e recursos para os professores poderem trabalhar”.
Ela explica que o debate em torno da educação domiciliar costuma sobrepor as vontades e escolhas das famílias sobre os direitos constitucionais garantidos a todas as crianças e adolescentes.
“As famílias já têm liberdade de escolha diante das várias abordagens educacionais disponíveis no Brasil, então, na verdade, é uma violação de direitos das crianças e adolescentes de poder socializar e ter contato com pessoas diferentes de seu ciclo social. É na escola que eles aprendem uns com os outros e podem exercitar o trocar, interagir e entrar em conflito de maneira democrática e respeitosa. Também é na escola que podem contar com uma rede de apoio e proteção para além da família e acesso a uma educação qualificada, com professores formados e especializados. Escola e família têm papéis importantes e distintos que devem ser preservados em seus espaços de atuação”, pontua Beatriz.
Valorização dos professores e pandemia
Para os especialistas, o período de fechamento das escolas para atividades presenciais foi fundamental para evidenciar a importância que as escolas e os profissionais da Educação têm na formação das crianças e adolescentes, que expressaram de diferentes formas a falta que fez esse espaço e relações.
“Foi uma das maiores lições esse reconhecimento da importância da escola e do profissional da educação. Clareza da real importância que esses profissionais têm para a educação e a impossibilidade de substituí-los por pessoas sem formação ou por tecnologias”, afirma Alessio.
Os professores também merecem reconhecimento pelo esforço em se reinventar, mesmo nas condições mais adversas, a fim de garantir algum vínculo e aprendizagem para os estudantes. “A sociedade como um todo percebeu os esforços que os profissionais da educação fizeram para atender as crianças e adolescentes, mas houve desrespeito grande por parte dos governos em relação a entender que não havia condições de trabalho para desenvolver, de fato, suas funções de forma qualificada”, observa Guelda.
Confira abaixo as reportagens que analisam em profundidade cada uma das 10 propostas para a Educação do Plano País para a Infância e a Adolescência da Agenda 227:
Proposta 1: Pacto Federativo no Sistema Nacional de Educação (SNE)
Proposta 2: Direito à Educação e ao Desenvolvimento Pleno
Proposta 3: Oferta de matrículas, acesso e permanência
Proposta 6: Gestão democrática e participativa
Proposta 7: Educação inclusiva