A Educação vem sendo alvo de cortes de investimentos, além de enfrentar questões de gestão política e de transparência, sobretudo nos últimos anos. O problema preocupa pela estreita relação entre financiamento e qualidade da educação: com menos dinheiro, quem paga o preço são os profissionais da Educação e os estudantes.
Para enfrentar este cenário, a proposta 4 do Plano País Para a Infância e Adolescência, criado pela Agenda 227, estipula “Definir critérios objetivos e transparentes para formulação e aplicação do orçamento público em educação nos três níveis de gestão (União, Estados, Municípios e Distrito Federal), com o objetivo de assegurar a consignação de dotações orçamentárias adequadas às diretrizes, metas e estratégias do Plano Nacional de Educação (Artigo 10, PNE).”.
O especial Educação no Centro do Debate — Eleições 2022 analisa em profundidade as 10 propostas para a Educação do Plano País Para a Infância e Adolescência com a participação de membros da Agenda 227, movimento apartidário que elaborou o documento. A Agenda 227 é composta por mais de 300 organizações da sociedade civil que vislumbram no processo eleitoral a oportunidade de colocar os direitos de crianças e adolescentes em foco no debate público e nos planos de governo.
Só entre 2019 e 2021, foram investidos 8 bilhões de reais a menos em Educação, o menor patamar desde 2012, de acordo com estudo do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). O cenário se agrava com a Emenda Constitucional 95 (EC 95), aprovada em 2016 durante o governo de Michel Temer e que limita os investimentos públicos nas áreas sociais por 20 anos. O dinheiro economizado pelo Teto de Gastos, como também é conhecida a Emenda, será destinado a pagar a dívida pública.
Impactos no Plano Nacional de Educação (PNE)
Um relatório do Grupo de Trabalho da Agenda 2030, que monitora os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU) no Brasil, aponta a EC 95 como principal entrave para a efetivação do direito à educação – entre as políticas mais afetadas, notoriamente o Plano Nacional de Educação (PNE).
“A perspectiva do PNE, quando aprovado, era de aumento do investimento em educação dos atuais cerca de 5% do PIB para 10% em dez anos de vigência da lei, de forma a expandir matrículas na educação básica – sobretudo em creches – e no Ensino Superior – superando definitivamente a exclusão social e racial histórica –, e melhorar substancialmente a qualidade da educação, que ainda é muito aquém do mínimo de dignidade”, explica Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação.
Após 8 anos de vigência, o cumprimento desses objetivos do PNE está distante. O último balanço do Plano, divulgado em junho de 2022, indica 45% das metas em retrocesso e seu descumprimento chega a 86%. “Se a EC 95 seguir vigente, não somente este Plano será impedido de se realizar, pelo impedimento de aumentos reais nos gastos com educação sem que outra área tenha redução de gastos, como também um próximo, que deverá viger entre 2025 e 2035, já que a EC 95 tem vigência até 2036.”, destaca Andressa.
O contexto deve ainda ser agravado pela pandemia da Covid-19 e a gestão que foi feita da crise sanitária. Um estudo da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), apresentado em Nota Técnica conjunta com a Campanha em 2022, demonstrou cenários de quedas de receitas para a área, fruto das crises que se sobrepõem.
O resultado demonstra que a receita líquida de impostos pode encolher entre 7% e 21%, entre R$ 63,2 bilhões e R$ 189,6 bilhões a menos, de um ano para o outro. No caso do financiamento da Educação Básica, a redução de receitas destinadas ao setor seria de até R$ 52,4 bilhões. O impacto no financiamento por estudante pode chegar a uma redução de R$ 519 para R$ 411, na pior das hipóteses.
“Vale lembrar que hoje já investimos de três a cinco vezes menos do que deveríamos investir por aluno se fossem tomados como base os valores do Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi), que garante condições mínimas de oferta na educação básica.”, complementa Andressa.
Gestão (e transparência) do orçamento para a Educação
Para além das políticas de austeridade, o financiamento da Educação brasileira também é amplamente prejudicado por questões envolvendo a gestão e a transparência. O MEC não executa seu Orçamento, isto é, não investe todo o recurso disponível na área, ao menos desde 2017, último ano a constar no Portal da Transparência.
“Muitos Estados e municípios também não aplicam o investimento mínimo em Educação e não efetivam os 60% para pagamento de profissionais da Educação. Enquanto isso, o Orçamento Secreto do Congresso Nacional aprova investimentos bilionários em ações desconhecidas da população. Então o problema não é só o dinheiro, mas uma questão de gestão, de transparência, de interesses políticos que se sobrepõem aos critérios do financiamento – um problema que, infelizmente, não é exclusivo da área da Educação, mas estrutural do nosso país. Os Orçamentos não são executados, ou são burlados ou cortados”, explica Rita Coelho, professora, pesquisadora, uma das articuladoras do Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (MIEIB) e ex-coordenadora de Educação Infantil na Secretaria de Educação Básica do MEC.
A especialista indica, portanto, a necessidade de gerir melhor os recursos e garantir transparência. “O financiamento envolve transparência e obediência ao Marco Regulatório do Financiamento da Educação Básica. Se fizer isso, já vamos avançar muito”, afirma Rita.
Andressa aponta ainda a necessidade de revogar a EC 95 e lembra a importância do Novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação, o Novo Fundeb, no enfrentamento ao contexto, já que o Fundo está fora dos limites da EC 95. Ainda assim, ele não dará conta da crise sozinho.
“Isso acontece não somente porque há demanda maior na área que o Fundo pode aportar – e para além da Educação Básica – como também pelo aumento mínimo de complementação de 10% para 23% ser realizado de forma lenta e gradativa. Vale lembrar que a relatora especial da ONU para o Direito à Educação, Koumbou Boly Barry, recomenda que os países “dediquem o máximo de seus recursos disponíveis” para alcançar com plenitude o direito à educação. Tais políticas de austeridade têm ceifado não somente vidas, como também condições dignas de trabalho para milhões de profissionais da educação e o futuro de milhões de estudantes brasileiros”, diz Andressa.
Rita concorda, lembrando que este ano o Brasil voltou ao Mapa da Fome e é na escola que muitas crianças, jovens e adultos fazem sua única refeição do dia. De acordo com a Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional), mais de 33 milhões de brasileiros convivem com algum grau de insegurança alimentar. Para as crianças, apenas 26% delas fazem três refeições por dia – em 2015 essa taxa era de 76%, segundo o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional do Ministério da Saúde.
“Enfrentamento à fome tem que ser a prioridade do próximo governo, e isso passa pelo financiamento. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) garante a distribuição diária de alimentação com cobertura nutricional para milhares de crianças e se tornou referência no mundo. O Brasil sabe como fazer isso, mas o atual governo não quer fazer. Então o processo de reconstrução do país é uma das questões mais imediatas”, reforça Rita.
Confira abaixo as reportagens que analisam em profundidade cada uma das 10 propostas para a Educação do Plano País para a Infância e a Adolescência da Agenda 227:
Proposta 1: Pacto Federativo no Sistema Nacional de Educação (SNE)
Proposta 2: Direito à Educação e ao Desenvolvimento Pleno
Proposta 3: Oferta de matrículas, acesso e permanência
Proposta 5: Valorização dos profissionais da Educação
Proposta 6: Gestão democrática e participativa
Proposta 7: Educação inclusiva