Em 2019, o Plano Nacional de Educação (PNE), política que determina as diretrizes, metas e estratégias para a política educacional até 2024, chegou a metade de seu prazo de implementação.
Das 20 metas estipuladas para garantir a qualidade da educação no país, apenas quatro tiveram avanços parciais. O restante caminha a passos lentos, o que torna o PNE uma realidade cada dia mais improvável. Mas, afinal, quais são os obstáculos que têm inviabilizado sua efetivação?
Roberto Catelli Jr., coordenador-executivo da Ação Educativa, destaca, primeiramente, o que não foi um impeditivo: “o documento foi construído com base na realidade brasileira, com amplo diálogo, envolvendo milhares de educadores e organizações da sociedade civil de todo o país.”
Para Catelli, o ponto-chave reside nas mudanças do cenário político dos últimos anos. O PNE começou a ser desenhado em 2008, ainda no último governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e só foi aprovado em 2014, já sob o comando de Dilma Rousseff (PT).
“O Plano foi tardiamente implementado e, quando vira lei, há uma virada de contexto, que se torna desfavorável ao governo federal. Além disso, tínhamos uma crise econômica se configurando, então a proposta de ampliação de recursos já começa a não ser realizada no governo Dilma.”
Nos anos seguintes, durante o governo de Michel Temer, houve o desmonte de uma série de políticas públicas, como o Mais Educação, o Ciência Sem Fronteiras para graduação, o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb), o programa Brasil Alfabetizado e o Fórum Nacional de Educação (FNE), importante instância de participação da sociedade civil.
“Temer avançou com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), mas retrocedeu com as políticas de participação, diversidade, ampliação de investimento e valorização do professor”, diz Roberto Catelli.
Foi também sob o comando de Temer que ocorreu a aprovação da Emenda Constitucional 95, que congela os investimentos em educação por 20 anos. “Esse é um dos principais ataques, porque sem financiamento adequado, se esvazia por completo o PNE”, afirma Cláudia Bandeira, assessora da iniciativa De Olho nos Planos.
Já no governo Bolsonaro, uma das primeiras medidas do presidente foi a de extinguir a Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino (SASE), órgão responsável por articular a implementação do PNE e monitorar os planos de educação de estados e municípios.
Das 20 metas estipuladas pelo Plano Nacional de Educação, apenas 4 tiveram avanços parciais
“Processos participativos e de controle social vem sendo atacados”, diz Cláudia. Ela também conta que, ao dialogar com municípios, eles relatam dificuldade e falta de apoio para a implementação dos planos em decorrência da extinção da secretaria.
E, embora políticas públicas de grande impacto para a educação brasileira precisem ser debatidas este ano, como o próprio PNE e o Fundeb, os primeiros meses do governo Bolsonaro foram permeados por disputas ideológicas, declarações e medidas polêmicas.
“Esse tipo de discurso, que alimenta a situação polarizada do país, tem sido muito mais relevante do que retomar os debates sobre essas políticas estruturais para a educação”, avalia Roberto Catelli.
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E garantir a centralidade dos debates sobre políticas públicas de educação é crucial para engajar a população no acompanhamento e monitoramento das discussões.
“A educação precisa ser pensada de forma ampla, como um processo central para a cidadania e para o desenvolvimento do país e das pessoas. E o PNE é o documento base para isso, porque não é partidário, não pertence a um governo, mas vem de um movimento ligado a diferentes princípios”, diz Juliana Yade, especialista em educação do Itaú Social.
Cenários e desafios
As metas 1, 2 e 3, referentes à universalização do acesso à educação básica seguem estagnadas após cinco anos da aprovação do PNE. Os dados são do relatório “Plano Nacional de Educação – 5 anos de descumprimento” elaborado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Em 2017, de acordo com a PNAD Contínua, apenas 34,1% das crianças de até 3 anos estavam matriculadas, bem abaixo da meta, de 50%.
Já o dispositivo da meta 1 que prevê a universalização da educação infantil na pré-escola até 2016 encontra-se em atraso, pois 7% das crianças brasileiras ainda estavam fora da escola em 2017.
Situação semelhante acontece com os jovens do Ensino Médio, que ainda têm 8% de sua parcela fora da escola – outro dispositivo que previa a universalização do acesso até 2016.
Entre os desafios do PNE está incluir 1,5 milhão de crianças e jovens que ainda estão fora da escola, segundo dados do Anuário da Educação Básica Brasileira.
Em relação à necessidade de redução das desigualdades por localização, região, classe social, previstas pela meta 8, pouco se avançou para chegar à meta de 12 anos de estudo para a população do campo, com 9,6 anos de escolaridade média; da região Nordeste, com 10,6; e dos 25% mais pobres do país, que passam, no máximo, 9,8 anos convivendo com a realidade escolar.
Oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% dos alunos da educação básica é o objetivo da meta 6 – que também está longe de sua efetivação.
Os dados apontam queda nas matrículas em tempo integral. Em 2017, 28,6% das crianças estavam matriculadas. Em 2018, a porcentagem caiu para 23,2%.
De acordo com o balanço, há dificuldade da gestão pública em lidar com a implementação dos programas de educação integral, que demandam, além de investimentos em infraestrutura, contratação de profissionais com formação adequada, e o desenvolvimento de projetos pedagógicos que ampliem a jornada escolar em todas as etapas.
O texto acima é esclarecedor e trás desafios a serem enfrentados para mudar este cenário. Fiz parte do grupo que fez os primeiros acompanhamento do PNE e dos PMEs nos municípios. Com a desarticulação da SASE e do SAE fomos impedidas de fazermos o monitoramento e a avaliação do Plano. Uma pena o atual gestor do país não ter uma visão mais apurada da Educação Nacional.