Reportagens

Como ampliar a jornada com equidade

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Especial Educação Integral: mais tempo na escola para que

Fortalecer o financiamento da Educação e as políticas intersetoriais são caminhos para oferecer o tempo integral para todos

Políticas públicas de tempo integral, em sua origem, foram pensadas como uma estratégia de enfrentamento às desigualdades. Nos últimos anos, esse princípio foi invertido e a expansão da jornada não tem favorecido as populações e os territórios mais vulneráveis, tampouco observado as condições das escolas e de permanência dos estudantes.

O balanço dos 9 anos do Plano Nacional de Educação (PNE), apresentado ao Senado Federal pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação em junho deste ano, mostrou que a cobertura de atendimentos em tempo integral nas escolas apresenta “padrões preocupantes em termos das desigualdades entre níveis socioeconômicos, regiões e localização urbana/rural”. 

“Existe um consenso de que ampliar a jornada escolar é ótimo para os estudantes. Mas a ampliação tem sido muito desigual e não chega aos que mais poderiam se beneficiar”, observa Fernando Cássio, professor na Universidade Federal do ABC (UFABC) e membro da Rede Escola Pública e Universidade (Repu).

O programa Mais Educação (2007 – 2016), por exemplo, que foi a principal política indutora da Educação Integral em tempo estendido do Brasil, cruzava a ampliação da jornada com o nível socioeconômico das famílias. 

“A ampliação do tempo para o quartil mais vulnerável da população produz um ganho expressivo para os estudantes”, explica Julia Dietrich, consultora em políticas educacionais, pesquisadora e doutoranda da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). 

Equidade também significa ouvir a diversidade das populações de cada território brasileiro sobre qual escola faz sentido para elas. Para estudantes que percorrem horas de deslocamento para chegar à escola ou que precisam mudar de cidade para seguir os estudos, o tempo integral pode não ser a melhor escolha. 

“Para as populações tradicionais, que têm uma relação forte com o território, se a escola não trabalha isso, se não tem uma escola dentro da comunidade, está desterritorializando essa criança ou adolescente, que não vive nem a integralidade do ensino, nem a do território. A única saída é por meio da escuta a essas populações”, diz Givânia da Silva, quilombola, professora universitária, militante, uma das cofundadoras e coordenadora da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ).

A expansão da jornada também não pode acontecer às custas do fechamento de turmas noturnas e do sucateamento da Educação de Jovens e Adultos (EJA), já que estes são direitos da população.

“A Repu tem dados que mostram que a depressão de matrículas no noturno nos últimos 12 anos não é compensada pela escola de tempo integral. São estudantes excluídos da escola, empurrados para a EJA, que hoje não garante direito à Educação, mas certificação, ou seja, miséria educacional”, pontua Fernando.

A atenção às condições das escolas

Está na Constituição Federal: uma das funções do Estado é combater as desigualdades. Na Educação, isso também tem a ver com implementar políticas que reduzem a distância criada artificialmente entre a rede que atende os mais ricos e os mais pobres, bem como fugir do padrão de criar uma ou outra escola-modelo.

“Esse tipo de distorção vem sendo descrita há alguns anos com, por exemplo, o Programa Ensino Integral em São Paulo (SP) e a Reforma do Ensino Médio. São políticas que desconstroem o projeto distributivo do direito à Educação da Constituição”, afirma Fernando. 

O especialista reforça que não se trata de oferecer uma escola padronizada, igual para todos, mas que tenham as mesmas condições de ofertar uma Educação de qualidade. “A equidade se realiza a partir de escolas com infraestrutura, profissionais valorizados de fato e políticas de permanência”, diz.

Políticas de permanência e uma escola com sentido

O trabalho infantil no Brasil é uma realidade para ao menos 160 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos. O dado é da Unicef, do ano de 2020, e é provável que após a pandemia de Covid-19 essa situação tenha se agravado. Só este ano, entre janeiro e abril, 702 crianças foram resgatadas de trabalho infantil.

Diante deste contexto, é fundamental que as escolas ofereçam políticas de condições de permanência para os estudantes, com bolsas de estudo e acionamento de políticas de distribuição de renda para a família. “Sem políticas de permanência estudantil, esses modelos não vão beneficiar as populações que mais precisariam dessa escola de jornada ampliada”, diz Julia.

Outro fator essencial no combate à exclusão de estudantes é o trabalho pedagógico realizado nas escolas – em tempo integral ou não. Quando ele faz sentido para a vida, a cultura e a identidade dos estudantes, a permanência e a aprendizagem melhoram. Nesta reportagem, abordamos para que precisa servir o tempo a mais na escola a fim de promover direitos. 

“Os meninos pretos são os primeiros a serem excluídos da escola por uma série de fatores. Indígenas, periféricos, meninas também precisam de um olhar atento. A permanência aumenta muito quando o estudante sabe que o que ele está aprendendo ali é potente para a vida dele”, diz Tereza Perez, diretora-presidente da Comunidade Educativa CEDAC.

Financiamento da Educação e atuação intersetorial 

Na contramão do Brasil, a Finlândia, uma das referências mundiais em qualidade educacional, vem reduzindo o tempo que as crianças e adolescentes passam na escola. O que possibilita a eles tal medida é o fortalecimento dos territórios educativos.

“Ao avançarem nessa agenda, perceberam que era importante viabilizar experiências de aprendizagem no espaço público e com as famílias. Então parte do currículo acontece em parques, centros de lazer e esporte. É todo um ecossistema em que a cidade é a protagonista desse processo”, explica Julia.

Por aqui, Almirante Tamandaré (PR) é um dos municípios que vem consolidando a atuação das escolas junto ao território. Parte das atividades do tempo integral acontecem nas quadras públicas da cidade, museus, parques e centros de Saúde. Além de ser um direito das crianças, essa é uma forma de otimizar o Orçamento das pastas, o que é fundamental para municípios de menor receita. 

<box> Saiba mais sobre como financiar o tempo integral.

“A escola não pode estar sozinha. Articulada aos equipamentos sociais do território, organizações comunitárias, famílias, lideranças, outros equipamentos culturais e sistema de garantia de direitos, em uma perspectiva intersetorial, essa rede é capaz de observar todas as condições para o desenvolvimento integral dos sujeitos e para a garantia dos seus direitos”, afirma Natacha Costa, diretora executiva da Associação Cidade Escola Aprendiz.

No plano nacional, o Ministério da Educação também pode atuar em conjunto com outras pastas. A Cultura, por exemplo, oferece a estados e municípios 3,8 bilhões de reais, por meio da Lei Paulo Gustavo, para fortalecer ações culturais.

Já o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação lançou um edital com incentivo financeiro para escolas realizarem eventos de Ciências e Desenvolvimento Sustentável.

Ao mesmo tempo em que estas são formas de promover a equidade de implementação da jornada estendida pelo Brasil, o fortalecimento do financiamento para a Educação deve permanecer no centro. 

“Estamos em um momento do Fundeb em que a complementação da União ainda está aumentando e nós também não regulamentamos o CAQ [Custo Aluno-Qualidade]”, explica Fernando sobre o importante mecanismo que atrela padrão de qualidade a questões basilares, como valorização docente.

“Uma Educação de qualidade passa por financiamento, mas isso depende do que queremos como sociedade”, pontua Julia.

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