É possível ensinar inglês dentro da escola pública brasileira? A questão, por muito tempo, pareceu polêmica e gerou discussões entre os especialistas. Durante a concepção dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), lançados em 1996, ganhou espaço a versão da impossibilidade: não havendo condições de ensinar plenamente o uso do idioma para a fala, optou-se pelo foco no ensino de Língua Estrangeira (na época, não necessariamente o Inglês) nas habilidades de leitura.
Com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), no entanto, um novo norte começa a se desenhar. Primeiro, pela determinação da Língua Inglesa como obrigatória a partir do 6º ano e, em segundo lugar, porque “há uma defesa do ensino do inglês para a oralidade e para o seu uso”, explica Maria do Carmo Xavier, consultora do British Council. O esquema curricular proposto pelo documento organiza as habilidades da área em cinco eixos:
- ORALIDADE – Práticas de compreensão e produção oral de língua inglesa, em diferentes contextos discursivos presenciais ou simulados, com repertório de falas diversas, incluída a fala do professor.
- LEITURA – Práticas de leitura de textos diversos em língua inglesa (verbais, verbo-visuais, multimodais) presentes em diferentes suportes e esferas de circulação. Tais práticas envolvem articulação com os conhecimentos prévios dos alunos em língua materna e/ou outras línguas.
- ESCRITA – Práticas de produção de textos em língua inglesa relacionados ao cotidiano dos alunos, em diferentes suportes e esferas de circulação. Tais práticas envolvem a escrita mediada pelo professor ou colegas e articulada com os conhecimentos prévios dos alunos em língua materna e/ou outras línguas.
- CONHECIMENTOS LINGUÍSTICOS – Práticas de análise linguística para a reflexão sobre o funcionamento da língua inglesa, com base nos usos de linguagem trabalhados nos eixos Oralidade, Leitura, Escrita e Dimensão intercultural.
- DIMENSÃO INTERCULTURAL – Reflexão sobre aspectos relativos à interação entre culturas (dos alunos e aquelas relacionadas a demais falantes de língua inglesa), de modo a favorecer o convívio, o respeito, a superação de conflitos e a valorização da diversidade entre os povos.
Saiba mais em Caminhos para BNCC de Língua Inglesa
A abordagem de todos esses eixos implica em encarar de frente velhos desafios relacionados ao ensino do idioma. Alguns deles foram mostrados pelo estudo O Ensino de Inglês na Educação Pública Brasileira, realizado pelo British Council em 2015. Segundo ele, há desafios de estrutura, como turmas muito numerosas e heterogêneas, sobrecarga de trabalho dos docentes — 69% lecionam para mais de cinco turmas ao mesmo tempo — e falta de recursos didáticos como recursos tecnológicos e livros didáticos adequados ao conhecimento dos estudantes — 81% dos entrevistados disseram ser esse o seu maior desafio.
Experiências que mostram caminhos
Para contornar algumas destas dificuldades, as redes apostam em diferentes iniciativas. No estado de Pernambuco, escolas podem se inscrever para abrir núcleos de estudos de línguas. Após receber uma solicitação da região, a secretaria estadual de Educação autoriza a abertura do núcleo, que funciona dentro da escola, com um professor da própria unidade, durante o contraturno e pode atender tanto os estudantes da instituição quanto pessoas da comunidade local. “Notamos que a aprendizagem de inglês é muito maior nos núcleos do que nas salas de aula regulares. O desafio, agora, é ver como podemos aproveitar essa experiência para melhorar nosso trabalho”, afirma Carolina Ferreira, chefe da gerência de políticas educacionais para o Ensino Médio no estado.
A rede pernambucana também aposta na articulação de parcerias para garantir a formação dos professores. Em anos passados, a Embaixada Americana forneceu bolsistas que se concentraram em pontos estratégicos do estado e lideraram formações. “Agora, identificamos professores que têm potencial para liderar estratégias de formação e eles são responsáveis por multiplicar esse conhecimento”, conta Carolina.
Saiba mais no capítulo Professores em Desenvolvimento
No município de Londrina, no interior do Paraná, a alternativa para lidar com a heterogeneidade dos estudantes que chegam aos anos finais do Ensino Fundamental tem sido trazer o trabalho com o Inglês para os anos iniciais.
Lá, professoras com licenciatura em Letras que já estejam na rede são convidadas a participar do projeto, que institui uma hora-aula por semana em algumas escolas do município. As equipes se reúnem mensalmente — ora todas as educadoras e a equipe da secretaria, ora as educadoras com suas coordenadoras regionais, eleitas pelo grupo. Nesses fóruns, compartilham experiências, desafios e constroem juntas propostas para as aulas. “Nosso próximo passo é ampliar o atendimento e construir um currículo para essa etapa, que não está abarcada pela BNCC”, conta Josélia Tanaca, do apoio pedagógico de Língua Inglesa e Língua Portuguesa na rede.