Durante as leituras críticas da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), uma questão foi comum a muitas das disciplinas: não estava clara como se dava a progressão das aprendizagens. Em Inglês, não foi diferente. “A progressão existe sim em parte dos eixos e objetos de conhecimento. Mas em alguns casos, ela é sutil”, afirma Andreia Alves, professora de inglês da Escola da Vila.
Uma das dificuldades para compreender como se dá a progressão dentro da BNCC pode ser proveniente da estrutura utilizada para organizá-la, que se vale da listagem de competências e habilidades. Enquanto as competências desenham o que é esperado que os alunos saibam até o fim da Educação Básica de maneira geral e em cada área e componente curricular, as habilidades listam como cada componente curricular pode contribuir para a construção dessas competências a cada ano da escolarização. É nesse acompanhamento ano a ano que a progressão deve ser observada com mais cuidado.
Saiba mais no capítulo O que são as dez Competências Gerais da BNCC?
Competências de Inglês
As competências de linguagem e, mais especificamente, de Língua Inglesa, apontam para uma perspectiva nova para o ensino da disciplina. “A Base propõe um ensino de Inglês voltado para o uso da língua, e desta forma rompendo o senso comum de que não se aprende o idioma na escola pública”, afirma Cíntia Gonçalves, gerente sênior para Inglês do British Council. Por esse motivo, a escrita das habilidades é voltada para listar o que os estudantes devem saber fazer com o idioma. A habilidade EF06LI15, do sexto ano, por exemplo, diz:
Produzir textos escritos em língua inglesa (histórias em quadrinhos, cartazes, chats, blogues, agendas, fotolegendas, entre outros), sobre si mesmo, sua família, seus amigos, gostos, preferências e rotinas, sua comunidade e seu contexto escolar.
Essa nova orientação pode ser desafiante por estar menos próxima do que os professores estão habituados, isto é, do foco no ensino (frequentemente descontextualizado) da gramática. Em modelos antigos, as habilidades estavam relacionadas a tópicos linguísticos que deveriam ser abordados a cada ano: primeiro o Simple Present, depois o Present Continuous, e assim por diante. Essa listagem ainda permanece dentro do eixo de Conhecimentos Linguísticos, mas não deve ser a prioridade. “O foco nesses aspectos pode fazer com que não avancemos para um novo modelo de ensino”, afirma Telma Gimenez, professora da Universidade Estadual de Londrina (UEL), no Paraná.
O que os alunos devem fazer
Marieli Pereira é professora da rede estadual baiana e foi uma das redatoras do currículo estadual. Durante o trabalho, a progressão foi um dos pontos de maior atenção dela e da colega Rita Portela. “Tentamos ficar atentas para usar a taxonomia de Bloom e deixar claros os processos cognitivos que os alunos precisam desempenhar”, afirma.
A Taxonomia dos Objetivos Educacionais citada por Marieli foi criada na década de 1950 por um grupo de pesquisadores norte-americanos liderado pelo psicólogo Benjamin Bloom (1913-1999). Ela diz respeito a uma maneira de organizar currículos estudada e utilizada mundo afora. Segundo esse instrumento, os objetivos de aprendizagem – no caso da BNCC e dos currículos, as habilidades – podem ser escritos com o auxílio de verbos que descrevem processos cognitivos cada vez mais complexos. Nesse sentido, “nomear” é uma ação menos complexa do que “descrever” que, por sua vez, é menos complexo do que “aplicar”, e assim por diante.
Na BNCC, no entanto, essa progressão de habilidades não é tão clara. “A taxonomia de Bloom é uma referência importante para a leitura da Base, mas nem sempre os verbos usados são aqueles listados por ela”, afirma Andreia. A fim de contornar esta questão, alguns currículos estaduais, como é o caso da Bahia, tentaram incorporá-la de maneira mais clara. De qualquer maneira, a taxonomia pode ser uma referência importante para que o professor leia os documentos e elabore seu próprio planejamento.
Complexidade dos materiais
Outro ponto de atenção diz respeito aos textos e vídeos selecionados como material para uso nas aulas. “Nessa perspectiva de pensar a língua inglesa para o uso, é importante que sejam materiais autênticos, ou seja, textos escritos originalmente em inglês e não artificiais, como podem aparecer em alguns materiais escolares antigos”, afirma Telma.. É pouco provável, por exemplo, encontrar textos ou vídeos apenas com verbos no presente ou no passado, o que é uma característica de materiais autênticos.
Saiba mais no capítulo O livro didático é necessário? Como adaptar o material didático
Como resolver essa questão? “A complexidade está nas exigências feitas aos estudantes ao longo dos anos”, esclarece Andreia. Ao longo do processo de escolarização, os alunos devem se tornar capazes de entender textos e comunicações orais de maneira cada vez mais aprofundada e se comunicar por meio da fala e da escrita também em complexidade crescente.
Um exercício interessante para observar essa progressão pode ser comparar as habilidades de cada unidade temática e ver como elas se desdobram ao longo dos anos. Leia, abaixo, como a unidade temática “Estratégias de Leitura” se desdobra ao longo do Ensino Fundamental 2:
6o ano:
Formular hipóteses sobre a finalidade de um texto em língua inglesa, com base em sua estrutura, organização textual e pistas gráficas. (Habilidade EF06LI07)
7o ano:
Antecipar o sentido global de textos em língua inglesa por inferências, com base em leitura rápida, observando títulos, primeiras e últimas frases de parágrafos e palavras-chave repetidas. (Habilidade EF07LI06)
Identificar a(s) informação(ões)-chave de partes de um texto em língua inglesa (parágrafos). (Habilidade EF07LI07)
8o ano:
Inferir informações e relações que não aparecem de modo explícito no texto para construção de sentidos. (Habilidade EF08LI05)
9o ano:
Identificar recursos de persuasão (escolha e jogo de palavras, uso de cores e imagens, tamanho de letras), utilizados nos textos publicitários e de propaganda, como elementos de convencimento. (Habilidade EF09LI05)
Apesar da progressão, em alguns eixos e unidades temáticas, a listagem de habilidades diz respeito a um acúmulo de conhecimento ou jogam luz sobre um aspecto que pode ser sistematizado naquele momento. As estratégias de leitura listadas acima, por exemplo, podem ser trabalhadas em todos os anos, mas com focos diferentes em cada um.