“Precisaremos construir um vocabulário comum”. Para Maria do Carmo Xavier, consultora do British Council, esse será o próximo passo que secretarias de Educação precisarão dar para implementar novos currículos alinhados à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), aprovada no fim de 2017.
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Maria do Carmo foi a especialista responsável pela formação de técnicos de dez redes de ensino de todo o país promovida pelo British Council, organização do Reino Unido que atua no Brasil nas áreas de artes, educação, esportes e língua inglesa.
Durante os últimos meses, redatores e curriculistas do componente Língua Inglesa estiveram dedicados à tarefa de adaptar para a realidade de suas redes estaduais ou municipais o documento orientador dos objetivos de aprendizagem e desenvolvimento que todas as escolas do país – sejam da rede pública ou particular de ensino – devem atender para a elaboração de seus currículos. O resultado desse trabalho esteve em consulta pública e deve passar pelos conselhos estaduais de Educação para que passem a valer.
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No componente curricular de Língua Inglesa, os desafios não são poucos. “É um avanço a presença do inglês na BNCC e a sua obrigatoriedade desde os anos finais do Ensino Fundamental”, diz Maria do Carmo. Agora, o desafio é garantir que os professores de Inglês sejam capacitados para trabalhar nas salas de aula das escolas públicas, de acordo com o que se estabelece nas diretrizes curriculares. “Toda a linguagem utilizada na BNCC é muito diferente daquela com a qual os docentes estão acostumados. Teremos que fazer um esforço para aproximá-los dos currículos e fazê-los compreender a Base”, afirma a especialista.
Para apoiar técnicos de redes de ensino, o British Council, em parceira com a Embaixada Britânica, organizou um curso híbrido (presencial e online) de dez semanas com especialistas de dez redes públicas do país. O objetivo era fornecer insumos teóricos e momentos para discussão e compartilhamento que os auxiliassem na tarefa de conceber os documentos locais e pensar nos próximos desafios para sua implementação. Além de aulas e fóruns de discussão online, o grupo participou de dois encontros presenciais. O último, de encerramento, aconteceu no início de dezembro, em Brasília.
Ponto de partida
“Não existe componente mais importante de uma política que o currículo. Se a gente não sabe o que vai ensinar, para que vamos organizar as demais políticas?”, diz Ilona Becskeházy, doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) e consultora na implementação de projetos educacionais. Ela foi uma das palestrantes convidadas para o encontro.
A proposta é que, com base nos documentos, políticas de formação de professores e outras iniciativas sejam discutidas e criadas, para garantir que todos os estudantes aprendam o que é determinado nestes documentos. Mas o primeiro passo é garantir uma escrita coerente e clara das diretrizes, ponto em que, segundo a especialista, é necessário avançar em relação à BNCC, como já apontava a Leitura Crítica da 3a versão do documento, elaborada pelo British Council. “Estados e municípios podem fazer normativas até mais ambiciosas do que o documento nacional”, diz.
A maior dificuldade na elaboração dos currículos locais está na escrita das habilidades. “É o parafusinho mais fundamental dessa engrenagem toda”, compara Ilona, que trabalhou na construção dos currículos da cidade de Sobral, no Ceará. Segundo a especialista, em cada texto de habilidade, é necessário compilar desde as aspirações nacionais para a Educação até os conhecimentos, procedimentos e processos que devem ser estabelecidos em sala de aula.
Durante a formação realizada pelo British Council, os participantes puderam ter contato com currículos de referência de outros países e também importantes conceitos teóricos que norteiam as principais referências de ensino e aprendizagem, como a Taxonomia de Bloom, que relaciona verbos a processos cognitivos em níveis de complexidade crescente que devem ser gradualmente desenvolvidos pelos estudantes promovendo a progressão das habilidades.
Vocabulário comum
Outro passo importante é a criação de políticas de formação de professores para permitir que eles se apropriem do documento e possam implementá-lo com autonomia. Durante o workshop realizado em Brasília, algumas metodologias usadas nessas iniciativas foram apresentadas pela professora Rosaura Soligo, pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Continuada (GEPEC) da Universidade de Campinas (Unicamp) e consultora do Instituto Abaporu. “Quando esse tema é abordado, fala-se do ponto de vista das políticas, do ponto de vista das concepções, mas a questão metodológica é bem pouco tratada”, defendeu ela.
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A especialista defende uma abordagem que possibilite uma participação mais ativa dos professores que estão sendo formados e que seja construída com base em um diagnóstico do grupo. “É preciso responder a alguma necessidade do professor, se não, ele sairá [das formações] do jeito que entrou”, diz ela.
Há três abordagens presentes nos momentos de desenvolvimento profissional dos docentes. A primeira é chamada de informativa e se baseia na realização de palestras de temas identificados pelos gestores, mas que não necessariamente dialogam com a realidade dos educadores.
Na segunda abordagem, chamada por Rosaura de propostas formativas, há um diálogo com necessidades reais dos professores. Mais do que isso, estas abordagens muitas vezes convocam os professores para participar ativamente do processo. “Essa é a ideia da homologia dos processos, o conceito de que devemos fazer com os professores aquilo que propomos que eles façam com seus alunos”, defende. Dentro dos desafios atuais, nem sempre é possível que isso aconteça. “Não digo que não pode ser uma formação transmissiva, desde que faça sentido para quem participa”, afirma.
A terceira abordagem são propostas que se pretendem formativas, mas no fim das contas, acabam sendo informativas. Isso acontece, em geral, devido à estrutura disponível para realizar as formações de professores: carga horária pequena e grupos grandes podem dificultar a realização de trabalhos que abordem os educadores como pessoas. Para evitar esse tipo de entrave, Rosaura lembra o que diferencia cada abordagem: “Na informativa, o foco está no que se comunica. Na formativa, o objetivo é a transformação do sujeito”, diz.
Nos próximos meses, criar essas estratégias de formação para os professores de Língua Inglesa e redigir o documento curricular para o Ensino Médio serão os desafios enfrentados pelas equipes das redes estaduais e, em alguns casos, municipais de Educação. A ideia é que essas ações possam transformar a maneira como se ensina o idioma nas escolas brasileiras. “Existe pouca familiaridade dos professores com essa nova perspectiva trazida pela BNCC, que propõe uma aquisição da linguagem para a oralidade, para o uso da língua mesmo. Isso traz um desafio enorme”, finaliza Maria do Carmo.