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Educação decolonial: conheça experiências de escolas que promovem antirracismo e direitos

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A implementação das leis 10.639/03 e 11.645/08 avança no país, mas escolas precisam de condições e apoio para ampliar sua atuação e garantir o desenvolvimento integral dos estudantes.
Por: Ingrid Matuoka | Edição: Tory Helena 

🗒 Resumo: O especial Educação Decolonial: O futuro da escola é ancestral traz um retrato do momento atual do processo de quatro escolas e de uma rede municipal de Educação que vêm se transformando a partir da decolonização de todas as suas dimensões. Ao combater o racismo, também ensinam crianças e adolescentes a respeitar e conviver em diversidade, tão necessário no contexto de ataques extremos às escolas. Conheça suas trajetórias e as condições para que esse trabalho alcance todas as escolas brasileiras.
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Em Salvador (BA), o Colégio Estadual Polivalente de Amaralina, que se afirma como “escola preta” e fica em um “quilombo urbano”, aposta na arte e na literatura para realizar este mesmo trabalho.

Já o CMEI Castro Alves, localizado em um remanescente de quilombo também em Salvador, tem desde o seu projeto arquitetônico até o currículo pautado pelas leis 10.639/03 e 11.645/08, em forte conexão com o território. 

Em São Paulo (SP), a EMEF Espaço de Bitita, em que 37% de seus estudantes são imigrantes e refugiados, encontrou na Educação antirracista e na reforma do trabalho pedagógico – sem provas tradicionais e aulas expositivas – a base para valorizar a diversidade e diminuir conflitos. 

No Rio de Janeiro (RJ), o Ginásio Educacional Tecnológico (GET) Dorcelina Gomes da Costa, se aliou às famílias para decolonizar a Educação e permanecer de portas abertas, mesmo diante das constantes operações policiais em Cidade de Deus. 

Escolas celebram a vida e os talentos de suas crianças e adolescentes. Foto: Matheus de Araújo

E a rede de Diadema (SP) implementou uma hora semanal de Educação das relações étnico-raciais em todas as escolas dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, enquanto progressivamente expande o trabalho para todas as áreas do conhecimento e demais etapas. No contexto dos ataques extremos às escolas, também criou o Observatório de Segurança Escolar.

Estas são algumas das experiências que aqui, ali e por todo o Brasil, despontam e se somam a várias outras iniciativas na luta por combater o racismo, garantir direitos de estudantes e famílias e promover a cultura de paz. 

O movimento é de avanço em direção a um futuro mais justo e equitativo, construindo uma nova Educação – urgente e necessária –, a partir do resgate das ancestralidades africanas, afro-brasileiras e indígenas do país. “Se há futuro a ser cogitado, esse futuro é ancestral, porque já estava aqui”, define o pensador indígena Ailton Krenak em Futuro Ancestral (Companhia das Letras, 2022).

Você sabe o que é o símbolo Adinkra Sankofa? Os Adinkra são um conjunto de símbolos pertencentes ao povo ashanti e sintetizam um conceito ou uma narrativa por meio de uma imagem. O Sankofa é representado como um pássaro mítico que voa para frente, tendo a cabeça voltada para trás e carregando no seu bico um ovo, o futuro. Neste especial, traduz a ideia de futuro ancestral em uma perspectiva decolonial e antirracista da Educação. 

O conjunto de ações promovidas, que envolvem reconstruir a escola inteira junto às(aos) estudantes, educadoras(es), famílias e comunidade, resulta em uma decolonização da Educação, porque deixa de reproduzir um modelo pronto para criar estratégias que fazem sentido para aquelas pessoas e território.

“A escola ganha porque fica mais democrática, os estudantes negros ganham porque a autoestima é fortalecida e os estudantes brancos ganham porque parte dessa Educação racista cria neles uma noção inconsciente de superioridade. É uma oportunidade de ampliar a visão de mundo, pensar de maneira crítica e se relacionar com pessoas diversas”, aponta Gina Vieira Ponte, formadora de professores da educação básica do Distrito Federal e membro do Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos.

Escola no Rio de Janeiro (RJ) cria grupo de estudantes trancistas. Foto: Patrick Silva/Alma Preta

A Educação antirracista também defende um enfrentamento ao “epistemicídio”, ou seja, ao apagamento da história, cultura e identidade dos povos indígenas, africanos e afro-brasileiros. 

“As crianças, todas elas, crianças negras, crianças indígenas, crianças brancas, crianças todas, elas precisam ser educadas para o respeito ao outro, para o respeito às memórias ancestrais do mundo, para o respeito à existência do outro. A Educação antirracista pauta isso no âmbito do enfrentamento à hierarquização de pessoas por meio do artefato da raça”, explica Bárbara Carine Soares Pinheiro, professora doutora na UFBA, diretora da Maria Felipa e autora da obra Como ser um educador antirracista (Editora Planeta, 2023)

Condições de trabalho e ampliação da Educação decolonial

Para realizar esse trabalho, as escolas e rede mostram a necessidade de ir além de atividades e datas pontuais. As experiências envolveram repensar várias dimensões, como relacionamentos, currículo, recursos didático-pedagógicos, acesso, permanência e sucesso na escola, a atuação e formação das/os profissionais de Educação, gestão democrática e território. 

Mudar o trabalho pedagógico também faz parte da Educação decolonial. Foto: Patrick Silva/Alma Preta

Estes são pontos essenciais para qualquer trabalho desta natureza, de acordo com os “Indicadores da Qualidade na Educação: Relações Raciais na Escola”, da Ação Educativa, que devem se somar à garantia de condições de trabalho para todas(os), infraestrutura, formação inicial e continuada e apoio da Secretaria de Educação. Sem isso, será difícil que a Educação antirracista alcance todas as escolas, conforme é direito de todos e todas, e determinam as legislações.

“É realidade comum a precarização do trabalho docente, submetidos a turmas lotadas e carga horária de três turnos, sem infraestrutura mínima. Como esse professor vai ser acolhedor se as estruturas não são acolhedoras com ele?”, questiona Gina.

Apesar dos avanços, as barreiras

As iniciativas que se espalham pelo Brasil são potentes e já transformam muitas realidades. Contudo, sete em cada dez secretarias municipais de educação não realizaram nenhuma ação ou poucas ações para implementação do ensino da história e da cultura afro-brasileira nas escolas, conforme a Lei 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino para o combate ao racismo nas escolas há 20 anos. Os dados são da pesquisa do Instituto Alana e Geledés Instituto da Mulher Negra.  

O trabalho é essencial diante da escola ser um dos principais espaços de violência racial no país, de acordo com a pesquisa “Percepções sobre o racismo no Brasil”, do Projeto Seta. O estudo de 2023 mostra que 38% das vítimas de racismo apontam que a escola ou faculdade foi o local da ocorrência e que 63% das mulheres negras percebem a raça como o principal motivo da violência que acontece no ambiente escolar. 

Respeitar e valorizar as diversidades está no centro das experiências. Foto: Patrick Silva/Alma Preta

Ensinar crianças e adolescentes a reconhecer e celebrar as diversidades humanas também é importante no contexto dos crescentes casos de ataques extremos às escolas e propagação de discursos de ódio. 

Só em 2023 foram registrados 11 ataques à escola cometidos por estudantes e ex-estudantes. Do total de casos registrados desde que o primeiro aconteceu na Bahia em 2001, 20 (57%) ocorreram entre 2022 e 2023, segundo relatório do Dados para um Debate Democrático na Educação (D³e). 

A Educação, contudo, não pode ficar sozinha nessa luta. Ela depende da atuação de todos os demais setores da sociedade e de condições para atuar com qualidade. “O Estado não pode violentar os sujeitos todos os dias e achar que a escola vai construir cultura de paz. Ou a gente constrói paz, justiça e equidade na, fora, dentro, com e apesar da escola, ou não vai ter cultura de paz na escola”, alerta Catarina de Almeida Santos, pós-doutora em Educação pela Unicamp, professora associada da UnB, integrante do Comitê DF e do Comitê Diretivo da Rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Comentário:

  1. Presizo apreender atraves do conceito de educacao popular, mas tambem educacao um papel importante para sociedade,juventude, estudantil e juventude em geral.

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