A educação básica brasileira avançou significativamente nos últimos 30 anos, especialmente no que diz respeito ao acesso e permanência das crianças e adolescentes no Ensino Fundamental. No entanto, diante do desafio de incluir no sistema milhões de estudantes em tão pouco tempo, optamos por políticas educacionais massificadas, pouco efetivas diante de contextos de profunda desigualdade nas cidades e estados brasileiros e que se traduziram em escolas, muitas vezes, excludentes, pouco conectadas com seus territórios, com as identidades e interesses dos seus estudantes e com as necessidades de aprendizagem da sociedade contemporânea.
Esta realidade se reflete duplamente no Ensino Médio. Tanto em relação ao acesso e permanência quanto aos índices de aprendizagem, esta etapa se mostra um enorme desafio para o Brasil. E são muitos os fatores que contribuem para isso: modelo escolar essencialmente instrucional e fragmentado, conteudista, pobre em interações e pouco interessante para os estudantes; jornada escolar insuficiente; visão de curto prazo na gestão pública traduzida na descontinuidade crônica das políticas; e desarticulação da política educacional com políticas voltadas para a juventude que poderiam apoiar a escola na consecução de seus objetivos.
Neste contexto, a educação integral vem sendo construída pelo movimento brasileiro que ganhou força no final da década de 90, como uma concepção que se propõe a constituir políticas educacionais e práticas educativas inclusivas e emancipatórias. Ao reposicionar o estudante e seu desenvolvimento no centro do processo educativo, reconhecendo-o como sujeito social, histórico, competente e multidimensional, a educação integral tem contribuído para reconectar o sentido da escola e da educação na vida dos estudantes.
Sumário Executivo
Acesse a síntese do processo e resultados deste estudo.
No entanto, é fundamental que esta concepção se reflita na modelagem de políticas públicas, no modelo de gestão das escolas e, em ultima instancia, nas práticas de nossos educadores e educadoras, tendo como horizonte comum a formação de sujeitos capazes de constituir seus projetos de vida com autonomia e responsabilidade pessoal e coletiva.
Para isso, compreendemos que é fundamental buscarmos evidências e referências bem sucedidas, promover o diálogo e a troca entre todos os agentes envolvidos nessa grande teia que é a Educação e oferecer elementos concretos que inspirem e apoiem nossos educadores.
Este trabalho “Políticas públicas e gestão escolar para a equidade: Desenvolvimento integral no ensino médio”, lançado pela Associação Cidade Escola Aprendiz em parceria com o Instituto Unibanco, faz parte deste compromisso. O estudo lançou mão de bases acadêmicas e de experiências de escolas nacionais e estrangeiras para desenhar possibilidades nessa tríade Educação Integral-Equidade-Ensino Médio.
Exemplos de sucesso no Brasil e no mundo nos mostraram que as escolas cuja gestão se voltou para o estudante em sua multidimensionalidade – colocando-o como centro do processo educativo – foram justamente as que conseguiram, com mais efetividade, promover condições para o desenvolvimento integral de todos e todas.
Esperamos que estes exemplos e as reflexões que deles nascerem nos sirvam de inspiração para seguirmos avançando.
Boa leitura!
Natacha Costa
Diretora da Associação Cidade Escola Aprendiz
Como a escola pública brasileira lida com as demandas e especificidades das juventudes no Ensino Médio? Como implementa programas e iniciativas de educação integral? Quais boas práticas curriculares, executadas a partir da gestão, vêm sendo implementadas no país não apenas para ampliar a jornada escolar, mas também para combater a evasão e manter jovens com motivação nos estudos? Como trabalhar com adolescentes de modo a combater desigualdades históricas que os(as) afetam?
Com a proposta de trazer luz a estas perguntas e sistematizar recomendações para uma gestão capaz de construir um ambiente escolar com condições para que todos(as) possam aprender, o estudo Políticas Públicas e Gestão Escolar para a Equidade e Desenvolvimento Integral no Ensino Médio aliou produção acadêmica sobre o tema e práticas validadas de escolas brasileiras e estrangeiras.
O trabalho foi organizado em três etapas complementares. Na primeira, foi realizado um levantamento da produção acadêmica dos últimos dez anos, em periódicos indexados, a partir das palavras-chave “educação integral, equidade e Ensino Médio”, com o objetivo de aferir as contribuições nacionais e estrangeiras da literatura. Ainda nesta primeira etapa, foram mapeadas práticas também nacionais e estrangeiras de escolas que se identificam como de educação integral 1 e desenvolvem ações no âmbito da gestão escolar para fortalecer a equidade no Ensino Médio. As experiências foram identificadas por meio de apuração jornalística e sistematizadas a partir de entrevistas com gestores e materiais complementares: vídeos, projetos políticos pedagógicos e registros de práticas escolares.
De posse dessas informações, foi realizada a segunda etapa – um seminário em dezembro de 2015, no qual especialistas e representantes da sociedade civil experientes no trabalho com jovens analisaram e validaram o relatório (hiperlink para o trecho do texto sobre o seminário), apontando caminhos para a sequência do estudo. Um conjunto de perguntas produzido coletivamente por subgrupos constituídos no seminário serviu de base para um questionário de aprofundamento aplicado nas escolas do Brasil, previamente identificadas pelo levantamento jornalístico. Esta terceira etapa possibilitou verificar estratégias e práticas utilizadas para a promoção do desenvolvimento integral de estudantes e sistematizar modos de atuação das unidades educacionais para fortalecimento da equidade a partir da educação integral.
Oportunidades
O pesquisador e educador Miguel Arroyo (2014, p. 54) afirma que um possível ponto de partida para a transformação do Ensino Médio é conhecer “que práticas inovadoras estão acontecendo nas escolas, nas diversas áreas do conhecimento”.
Após a aplicação do questionário, da tabulação e análise dos dados estes foram cotejados com o levantamento bibliográfico e com a colaboração dos especialistas. Redigiu-se este documento final, cujo objetivo é apresentar recomendações para a gestão escolar na promoção da equidade e desenvolvimento integral no Ensino Médio.
Com isso, busca-se oferecer as bases iniciais para fomentar uma discussão a partir da aproximação de fontes de saber de diferentes setores e campos de atuação em um diálogo colaborativo sobre o Ensino Médio no país. Considerando as suas desigualdades históricas, este estudo leva em conta que a multidimensionalidade e centralidade do(a) estudante são estruturantes para que escolas possam encorajar e apoiar os jovens a permanecerem e concluírem a educação básica.
O conceito de educação integral está presente no Brasil desde o início do século passado e remete diretamente a concepções de educação ainda mais antigas. Teóricos e educadores como Pierre Joseph-Proudhon, Célestin Freinet e Janus Korczak, e, mais recentemente, Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro e Paulo Freire, por exemplo, afirmavam uma perspectiva humanizadora e libertária da educação enfatizando a integralidade dos processos de educacionais.
A partir da Constituição Federal de 1988, e especialmente no final da década de 1990 e início dos anos 2000, com a progressiva universalização do ensino, o Brasil voltou sua atenção à qualidade da educação escolar, discutindo que, para além do acesso à instrução, a educação deveria ter como objetivo o pleno desenvolvimento dos sujeitos, em um processo contínuo, que perpassa a educação escolar e se dá ao longo da vida.
Nesta perspectiva, o(a) estudante ocupa lugar central, sua multidimensionalidade torna-se objeto pedagógico e o próprio fim para o qual convergem todas as práticas pedagógicas. Isso significa que, na educação integral, além do desenvolvimento intelectual privilegiado no modelo educacional tradicional, a ação educativa se dirige também às demais dimensões do desenvolvimento humano: física, afetiva, social e simbólica 2.
Nesse sentido, a educação integral como perspectiva para a política educacional se concretiza em propostas que integram diferentes tempos, espaços e agentes educativos para além da sala de aula, das disciplinas e do professor. Essas diferentes interações são fundamentais para que estudantes acessem e experimentem linguagens, contextos e ritmos diversificados que permitem o desenvolvimento de suas diferentes capacidades e habilidades, bem como para que, por meio de articulações intersetoriais, tenham seus direitos (saúde, assistência, mobilidade etc) assegurados.
Nesta construção contemporânea, a educação integral materializa o direito constitucional e se traduz não como uma modalidade da educação, mas uma concepção, uma diretriz de Estado às escolas públicas do país que “orienta a aliança entre os diferentes setores do sistema público e da sociedade em um pacto coletivo pelo desenvolvimento humano e social” 3.
Ao ser apresentada como educação em tempo integral no Plano Nacional de Educação (2014-2024), reitera-se que, no contexto brasileiro, é necessária a progressiva ampliação da jornada escolar. Como esta tem cerca de 4h30, entende-se que a necessidade da ampliação do tempo é importante para que os(as) estudantes possam, sob mediação das unidades de ensino, acessar diferentes oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento. Contudo, a ampliação do tempo sem a reformulação das práticas e espaços educativos e sem alianças intersetoriais não garante que estudantes possam se desenvolver integralmente.
Entendendo-a como concepção, a educação integral se organiza de diferentes formas nas etapas e modalidades educacionais. A organização da educação infantil, conquista histórica dos movimentos sociais, tem como foco o desenvolvimento das crianças, objetivando que possam se aproximar dos saberes escolares ao passo que ampliam suas possibilidades de investigação, respeitando seus tempos de aprendizagem e fases de desenvolvimento. Para tanto, aspectos como a ludicidade, aproximação de temas por contexto e vivência, e interação figuram como estruturantes do processo da aprendizagem. Nessa equação, também são pontos de atenção os espaços da escola e a relação com diferentes agentes educacionais (familiares, agentes da saúde, da assistência etc.), necessários à aprendizagem e desenvolvimento de estudantes.
No ensino fundamental, especialmente com o advento do Programa Mais Educação, criado em 2007 pelo Ministério da Educação, o Brasil avançou significativamente na ampliação da oferta de oportunidades educativas, inserindo outros saberes e formas de aprendizagem no cotidiano das crianças e adolescentes. Mesmo que essa ampliação tenha se apresentado em muitas escolas e redes como algo complementar e não como parte intrínseca do currículo, outras tantas práticas de municípios e escolas revelaram a potência do arranjo escola-comunidade para o desenvolvimento e aprendizagem. Muitos municípios como, por exemplo, Belo Horizonte, Governador Valadares, Betim e Ipatinga (MG), Apucarana (PR), Novo Hamburgo e Canoas (RS), Palmas (TO), São Bernardo (SP) avançaram na construção de políticas robustas com arranjos intersetoriais, ampliando e reformulando o currículo escolar, integrando agentes da comunidade ao cotidiano das escolas e fortalecendo a rede de atenção a crianças e adolescentes.
Na educação de jovens e adultos, especialmente com a crescente demanda de jovens que não conseguiram acesso à escola na idade prevista ou que não se adaptaram ao modelo escolar tradicional, e a partir da práxis proposta por Paulo Freire, fortaleceu-se, como diretriz nacional a ideia da aprendizagem dialogada com o contexto do(a) estudante. Embora seja possível perceber grande falta de atenção para a qualidade da modalidade no país, algumas escolas, redes e sistemas de ensino avançaram na promoção do acesso a oportunidades diversificadas de aprendizagem.
No Ensino Médio, porém, pouco se avançou e pesquisas recentes apresentam números pouco animadores: baixo ingresso de estudantes na etapa, altos índices de evasão, descrença do(a) jovem quanto ao impacto do acesso a esse nível escolar em suas vidas, falta de pertencimento à escola e desconexão do currículo com as demandas das juventudes são alguns dos pontos bastante presentes no Brasil e em muitos outros países.
No Brasil, o nível médio demorou para ser regulamentado e sistematizado, fato que explicita sua “ausência histórica” do rol de direitos garantidos às juventudes. Soma-se ainda a “crise identitária” pela qual atravessa a escola, marcando também um momento do ensino que sempre foi caracterizado pela dualidade de ofertas: qualificação de mão de obra para as classes populares, ou produção da distinção social, com a formação das elites (NASCIMENTO, 2007).
Em relação à educação integral, tentativas importantes como o Programa Ensino Médio Inovador, instituído pelo Ministério da Educação em 2009, estimulou escolas a viabilizarem propostas curriculares mais contemporâneas, atendendo as demandas das juventudes, ampliando o tempo educativo e as oportunidades de desenvolvimento. Contudo, essa diversificação curricular pouco impactou a estrutura-base da oferta educativa e se materializou, muitas vezes, como uma repetição dos saberes escolares convencionais, inovando em alguma medida apenas na forma de apresentá-lo.
Tendo como eixos trabalho, ciência, tecnologia e cultura, a ideia do programa era impulsionar o currículo formal e as atividades diversificadas a se relacionarem como algo único, sem dissociação ou escala de importância. Como uma modalidade específica do programa, criou-se o Ensino Médio Inovador – Jovem de Futuro, que envolvia, além da qualificação da oferta curricular, ações para melhorar a gestão escolar, tendo o(a) jovem estudante como mobilizador dos processos democráticos de decisão.
Mais recentemente, a partir de iniciativas coordenadas entre secretarias de educação e organizações da sociedade civil, ocorreram propostas de ampliação do tempo educativo e educação em tempo integral para jovens, avançando tanto em desenhos diferenciados para a jornada escolar, quanto na diversificação da oferta curricular. Como destaque, os estados do Ceará, Pernambuco e São Paulo, que ampliaram as matrículas em tempo integral no Ensino Médio, incluíram atividades autogestionadas por jovens e tempos de estudo mais livres em sua estrutura programática. Também como tendência, estes programas apostaram na construção de projetos de vida individuais, aproximação com o mundo do trabalho e intervenções coletivas nos territórios como eixos transversais e integrados do currículo.
Contudo, estudo recente coordenado pelo CENPEC, ainda em fase de aprofundamento, indica que programas de educação em tempo integral no Ensino Médio de quatro estados brasileiros 4, embora apresentem esforços importantes para qualificação da oferta educativa, tendem a atender jovens com perfis socioeconômicos mais altos. Os resultados preliminares indicam que jovens com perfil socioeconômico mais baixo tendem a frequentar o nível médio no período noturno e quase um terço dos(as) estudantes deste período afirmam que, se pudessem escolher, mudariam de escola 5, o que possivelmente acarretaria maior iniquidade no sistema, perpetuando a exclusão de parcela das juventudes nos territórios estudados.
A Constituição Federal 6 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação 7 estabelecem o desenvolvimento integral como um dos objetivos da educação, concebida como direito de toda pessoa. Em consequência, requerem condições de igualdade para que toda cidadã e todo cidadão possa se desenvolver e aprender, independentemente de sua origem, raça, etnia, gênero, sexualidade, condição econômica e social e deficiência.
Paralelamente, as redes e sistemas escolares, em articulação com as demais políticas e serviços de Estado, têm o dever de salvaguardar esse direito em suas ações educativas:
“Para a sociedade que nos toca a viver, uma política de educação fechada em si mesma perdeu seu sentido transformador. Não se quer mais uma política de educação centrada apenas em sistemas formais de ensino (escolas). A educação tem presença e investimento em outras políticas setoriais (cultura, esporte, meio ambiente…). Ela ganha efetividade quando integrada a um projeto retotalizador da política social”, afirma a pesquisadora Maria do Carmo Brant de Carvalho, em publicação do Cenpec sobre o tema.
Contudo, o Brasil segue com enorme desigualdade nos processos educativos: da diferença da cobertura e oferta de matrículas à qualidade dos processos educativos. Via de regra, enquanto estudantes de classes sociais favorecidas contam com variadas oportunidades de desenvolvimento, os das classes populares, quando chegam à escola, são objeto de políticas fragmentadas que reforçam sua condição de vulnerabilidade.
Considerando apenas a aprendizagem de português e matemática, com base nos resultados da Prova Brasil, apenas 23% dos(as) estudantes no 9º ano do ensino fundamental têm domínio adequado de leitura e interpretação de textos; e 11% conseguem resolver problemas de matemática. Paralelamente, olhando para o fluxo escolar e resultados de aprendizagem, o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) dos anos iniciais da rede particular de ensino é 1,8 pontos maior do que na rede pública. No Ensino Médio, essa diferença chega a dois pontos. As diferenças regionais também são muito acentuadas, tanto entre estados e entre municípios, quanto entre escolas de uma mesma região.
Além disso, como indicado no documento de referência “Educação integral: um caminho para a qualidade e a equidade na educação”, do Todos pela Educação e da Fundação Itaú Social, “desigualdades de gênero, raciais, sociais, econômicas, assim como aquelas impostas pela falta de opções para as pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades ou superdotação restringem as oportunidades, privando os indivíduos de escolhas autônomas e do desenvolvimento pleno do potencial de cada um.”
Frente a este cenário de extrema complexidade, como indicado no mesmo documento, “a expectativa em torno de bons resultados proporcionados pela educação integral é reforçada por pesquisas que evidenciam um papel estratégico na promoção da qualidade com equidade em diferentes sistemas educacionais do mundo.”
Dessa forma, a educação integral, enquanto conceito orientador, refletido em práticas de gestão, incluindo a reorganização da proposta curricular, condições de infraestrutura, articulação da rede intersetorial, investimento na formação docente e em recursos pedagógicos, mostra-se como um caminho concreto para redução das desigualdades.
Como apresentado por Alejandra Meraz Velasco e Patrícia Mota Guedes em artigo para o jornal o Estado de S. Paulo, não existe um único modelo ou uma única política educacional para que este arranjo seja implementado. “Cada localidade e, no limite, cada escola deve encontrar o seu.”
Justamente nessa perspectiva que a gestão escolar se torna fundamental. Para além da política do município ou estado, a gestão escolar – enquanto conjunto de agentes que organizam e coordenam a implementação do Projeto Político Pedagógico -, quando em diálogo com a perspectiva da educação integral, deve assumir a centralidade do(a) estudante e incorporar suas demandas ao desenho curricular e na organização dos tempos, espaços e agentes envolvidos(as) na sua aprendizagem e desenvolvimento.
Ao mesmo tempo em que o Estado deve desenvolver políticas que promovam o desenvolvimento integral das pessoas e a progressiva ampliação do tempo educativo ofertado, a gestão escolar deve assumir os processos pedagógicos como estruturantes das outras atividades. Isto é, as escolhas para investimento dos recursos, a organização das salas de aula, a relação com as famílias e territórios, a organização dos horários de planejamento de professores(as) e a escuta dos(as) alunos(as) – tudo deve estar em função de atender à multidimensionalidade do(a) estudante.
Com tais pressupostos, este estudo dedicou-se a elaborar recomendações para a gestão escolar no Ensino Médio, com vistas à promoção do desenvolvimento integral, tendo em vista a inexistência de trabalhos sistematizados sobre o tema e a pequena atenção dada, em geral, para a educação integral nesta etapa da escolarização.
Por conta deste dado, a articulação de três frentes de estudo (bibliográfica, contribuição da sociedade civil e experiências em andamento) nos permitiu apontar alguns caminhos que possam contribuir, ainda que de forma geral, a atuação da gestão escolar.
Sem a pretensão de esgotar todas as possibilidades, estas recomendações foram construídas com base no que as escolas pesquisadas já fazem, mas também no que suas experiências indicam precisar fazer. Decorrem também da reflexão apresentada pela literatura sobre o tema e a partir de referências de outros países, as quais dialogam com as ideias apresentadas e com o repertório acumulado pelo Centro de Referência em educação integral.
Como ponto comum em todas as experiências selecionadas e na literatura, o papel da gestão escolar como a articuladora de ações e a importância da ampliação do respeito a direitos básicos ganharam destaque. A relevância do princípio da gestão democrática despontou como essencial para a ligação entre escola e comunidade, famílias e poder público, tanto no sentido de exigir melhorias da própria política educacional quanto no de realizar mudanças operacionais não compartilhadas com todo o sistema ao qual a escola pertence.
A atenção à diversidade é um tema que sintetiza parte das ações necessárias para o desenvolvimento integral do(a) estudante. Para além das diferenças já estabelecidas em maior ou menor grau (diversidade étnico-racial, de gênero ou a inclusão de deficientes), a serem consideradas para diminuir as desvantagens e reduzir prejuízos causados pelo racismo, machismo e discriminação, o tema da diversidade de interesses e percursos formativos emergiu da pesquisa como uma necessidade fundamental a ser levada em conta. Como este estudo não se propôs a agregar pesquisas e atuações específicas sobre as diferentes questões que compõem a diversidade, estas recomendações tratam da multidimensionalidade dos sujeitos, dialogando diretamente com estes pontos sem a pretensão de esgotá-los.
Na mesma perspectiva, figurou a valorização da autonomia dos(as) estudantes. A atuação de representantes ou “líderes” de sala na mediação do diálogo entre a gestão, demais estudantes e os espaços culturais, artísticos e políticos criados e geridos por alunos(as) foi um dos exemplos citados nas experiências levantadas. Em outros casos, a necessidade de se valorizar o estudo autônomo individual ou em grupo, as monitorias, a auto-avaliação ou a avaliação sistemática da escola por estudantes, as disciplinas eletivas e o “compartilhamento” da gestão escolar com corpos discentes foram salientados como caminhos possíveis de exercício de protagonismo por parte de jovens.
Para facilitar a leitura, as recomendações foram divididas por temáticas, novamente com base nas referências bibliográficas, na bibliografia examinada e nas experiências das escolas estudadas, que vão de compreensões mais gerais a mais específicas. As temáticas são: multidimensionalidade, personalização do ensino, participação de estudantes, relação com o território, inclusão social, trabalho e renda, inclusão de estudantes com deficiência, raça e etnia e gênero e sexualidade.
Adotar a concepção de desenvolvimento integral no Ensino Médio implica reconhecer a educação para além da instrução e buscar “equilibrar e articular a formação científica e técnica, ético-moral e estético-expressiva” (TEIXEIRA, 2014, p. 21) e respeitar a diversidade implica levar em conta diferentes inclinações pessoais. É uma concepção que leva em conta todas as dimensões – física, intelectual, social, afetiva e simbólica – dos(as) estudantes e entende que o desenvolvimento pleno dos indivíduos só é possível quando tais dimensões são intencionalmente trabalhadas no currículo, ou seja, nas práticas pedagógicas, as quais incluem a gestão e as relações que se estabelecem entre as pessoas no processo educacional. Dessa forma, a centralidade do(a) estudante torna-se o ponto de partida e o fim para o qual convergem todas as atividades.
1. Valorizar o(a) estudante como o ator ou a atriz principal do processo pedagógico, estimulando o seu protagonismo e a perspectiva colaborativa da gestão escolar;
2. Garantir e promover opções variadas de percursos formativos, ao contrário das convencionais ofertas homogêneas.
3. Valorizar a diversidade social, levando em conta identidades individuais e coletivas, e a inclusão de pessoas com deficiência buscando fazê-lo de modo articulado;
4. Integrar o currículo ao distribuir disciplinas da parte comum e da diversificada, estimulando que os estudantes e docentes a dar a ambas as partes a mesma importância para o seu desenvolvimento integral;
5. Reivindicar e participar da elaboração de políticas governamentais que promovam a abordagem das identidades individuais e coletivas no ambiente escolar.
6. Investir na formação docente interna à escola, tanto nos horários de planejamento quanto na oferta de atividades em parceria com a comunidade, em especial, com as universidades, para que ocorram práticas adequadas às múltiplas dimensões do desenvolvimento que dialoguem com as demandas e características da comunidade escolar;
7. Abolir qualquer forma de seleção de estudantes, incluindo os(as) com deficiência, tanto durante a matrícula quanto na composição das salas de aula;
8. Promover parcerias entre a escola e órgãos do primeiro, segundo e terceiro setor: universidades, órgãos públicos e Organizações Não Governamentais (ONGs), além da rede de proteção a estudantes e suas famílias.
9. Criar espaços e estratégias para estimular que estudantes se ajudem mutuamente no aprendizado bem como aprendam a aprender também sem ajuda.
10. Valorizar as diferenças étnicas, sociais e culturais e os conhecimentos próprios, planejando os saberes a tratar, orientados pelas necessidades dos(as) educandos(as).
11. Promover a reorganização do tempo e do espaço escolar tradicional em função de uma proposta pedagógica com foco nas demandas das juventudes, buscando estratégias que fortaleçam o trabalho coletivo e a aprendizagem prática, conectando as propostas curriculares às necessidades de aprendizagem e projetos de interesse dos(as) estudantes;
12. Apoiar a organização da vida escolar de estudantes com a atenção aos prazos e à qualidade acadêmica, instituindo formas de acompanhamento individualizado ou tutoria e aproximando docentes e estudantes em uma perspectiva de mediação do conhecimento e da construção de vínculos;
13. Apoiar diretamente estudantes com dificuldades de aprendizagem e desenvolvimento e docentes no planejamento a partir das necessidades específicas dos alunos, identificadas por tutoria ou acompanhamento individualizado;
14. Formar e incentivar docentes a acompanharem individualmente jovens, dando retorno sobre as atividades realizadas, pactuando expectativas de aprendizagem e implementando novas formas de avaliação sobre o desenvolvimento de estudantes para além de testes padronizados, substituindo notas e conceitos por análises dialogadas, construção e análise de portfólios e autoavaliação.
15. Estimular e formar o corpo docente e demais profissionais da escola, familiares e agentes do entorno a atuarem como mentores(as) de referência para estudantes, influindo em sua performance escolar e em seu desenvolvimento, inclusive em aspectos que afetem sua inclusão social, participação no coletivo e permanência na escola.
16. Incluir no tempo e currículo escolar atividades autogestionadas, ofertando referências de práticas que possam apoiar estudantes a “aprender a aprender” e a estudar individual e coletivamente sem mediação de docentes;
17. Incluir nas aulas ou atividades voltadas à construção do projeto de vida, exercícios de projeção para o futuro para além da inserção no mundo do trabalho, tais como reflexões sobre as relações pessoais e familiares, bem como sobre as próprias juventudes;
18. Viabilizar espaço e tempo para que estudantes possam promover atividades consideradas culturais, lúdicas e esportivas para abordar aspectos do seu interesse, inclusive para que consigam financiamento para seus projetos pessoais.
19. Envolver ativamente a comunidade escolar, incluindo familiares e estudantes nos processos de gestão da escola, compartilhando decisões e questões tanto pedagógicas quanto administrativas;
20. Promover o envolvimento de estudantes na gestão pedagógica da escola, abrindo espaço para que, inclusive, proponham reformulações curriculares;
21. Apoiar eleição de representantes ou “líderes de classe” garantindo sua interlocução com demais gestores(as), docentes, conselhos de classe e conselhos de escola;
22. Implementar processos democráticos tais como eleição direta de representantes do conselho escolar por parte de estudantes e pais, docentes e demais funcionários(as) garantindo participação mais efetiva da comunidade na dinâmica da escola;
23. Promover liberdade de participação entre estudantes para expressarem suas demandas, criarem regras e tomarem outras decisões conjuntas com os demais grupos que compõem a instituição.
24. Incorporar projetos de estudantes às práticas escolares e integrá-los ao projeto político pedagógico;
25. Manter os(as) jovens informados(as) sobre seus espaços participativos para que os ocupem, aprendendo, inclusive, a administrar as suas próprias regras de convivência e processos democráticos de decisão;
26. Desenvolver procedimentos de avaliação de todas as instâncias escolares, não apenas da aprendizagem de estudantes, incluindo a atuação docente, a infraestrutura e os projetos desenvolvidos na escola, garantindo que a análise dos resultados das avaliações embasem o desenho colaborativo de estratégias e encaminhamentos;
27. Estabelecer canais de comunicação entre profissionais da escola, familiares e estudantes, estimulando a participação em assembleias e discussões sobre a realidade da escola e do entorno;
28. Planejar as ações escolares em diálogo com outras escolas da mesma área, promovendo a tomada de decisões de maneira coletiva e a troca de experiências, modos de fazer e desafios.
29. Mapear a vida e o repertório sociocultural do território de atuação da escola para considerá-los no Projeto Político Pedagógico, gerando e utilizando informações como insumo da aprendizagem, inclusive promovendo a participação da comunidade local em atividades educativas com jovens;
30. Em especial com as comunidades do campo, dos povos da água, quilombolas, ciganas e indígenas, adaptar o currículo às características da região, promovendo um planejamento flexível, a união entre a teoria educacional e a prática social regional, em diálogo com os estudantes e comunidades locais;
31. Identificar a existência de população jovem migrante ou de famílias migrantes, adaptando as atividades escolares a fim de conhecer e propor interlocuções com as culturas de origem dos(as) estudantes;
32. Adequar os tempos e espaços escolares para atender as necessidades das comunidades e jovens de comunidades do campo, da água e de outros povos tradicionais, propondo sistemas de alternância ou maleabilidade da jornada escolar que garantam a participação nas atividades familiares e comunitárias;
33. Reformular o Projeto Político Pedagógico da escola envolvendo estudantes, famílias, profissionais docentes e não-docentes e agentes das comunidades na elaboração de conceitos, atividades e metas para garantir a permanência de jovens, bem como estratégias para ampliar as oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento de estudantes, em parcerias estabelecidas com agentes, organizações e serviços do território.
34. Estimular o pertencimento de jovens ao local em que vivem, encorajando práticas de cuidado e preservação ambiental e social, assim como planejando o currículo de forma a fortalecer o vínculo dos(as) estudantes com a história da comunidade, tematizando sua identidade.
35. Conhecer, juntamente com o corpo docente, a realidade dos(as) estudantes, aproximando a escola das famílias, inclusive realizando visitas às suas casas, convidando-os a buscar soluções conjuntas para atender demandas específicas e individuais de estudantes;
36. Estabelecer parcerias com centros educativos para complementação ou ampliação das oportunidades formativas, inclusive articulando bolsas ou outras formas de financiamento que auxiliem a permanência de jovens nestas iniciativas;
37. Organizar, estimulando o protagonismo discente, exposições e/ou apresentações periódicas dos trabalhos elaborados por estudantes para familiares e comunidades do entorno, abordando com as pessoas envolvidas as diferentes dimensões do desenvolvimento do(a) estudante no processo;
38. Viabilizar a participação de pessoas das comunidades e docentes de outras escolas em reuniões pedagógicas, presenciando aulas e outras atividades, trazendo suas impressões e sugestões para qualificar a gestão e as ações da unidade;
39. Interagir com o território buscando realizar intercâmbios com instituições de ensino das comunidades vizinhas, facilitando a troca de experiências e o aprendizado mútuo;
40. Estimular o diálogo com as comunidades do entorno, convidando pessoas que as integram para atuarem como educadoras, valorizando-as e as incorporando à unidade escolar;
41. Reconhecer os espaços de mobilização já existentes no lugar onde a escola se situa, aproximando-se da comunidade local e alinhando as iniciativas escolares com as que já estão em curso no território.
42. Identificar jovens em situação de vulnerabilidade social, usando e apurando as informações das matrículas, aplicando questionários e entrevistando tanto jovens quanto familiares e/ou responsáveis;
43. Compor e participar ativamente da rede de atenção a jovens, estimulando a presença da comunidade escolar e dos(as) próprios(as) jovens nas discussões da rede;
44. Envolver familiares de estudantes em vulnerabilidade no desenho de estratégias conjuntas e acesso às comunidades do entorno para apoiar jovens no mundo do trabalho, sem prejudicar seu desenvolvimento e aprendizagem;
45. Reivindicar políticas intersetoriais para apoiar jovens em situação de vulnerabilidade econômica e social, ao mesmo tempo em que se realizam parcerias para apoiar estudantes a permanecerem na escola e concluírem os estudos;
46. Realizar, em colaboração com demais agentes da comunidade escolar e da rede de saúde e assistência, busca ativa de jovens que evadem, identificando com os(as) próprios(as) jovens os motivos pelos quais deixam a escola e desenvolvendo estratégias em rede para apoiar seu retorno e permanência nos estudos;
47. Estimular que jovens estejam à frente de campanhas e atividades de sensibilização sobre temas de interesse das juventudes, correlacionando-os com a permanência escolar;
48. Acionar a rede de proteção a jovens para apoiar estudantes grávidas ou mães a não abandonarem os estudos, inclusive com a matrícula das crianças em centros e escolas de educação infantil.
49. Formular estratégias de acolhimento de bebês e mães pela escola, para que a amamentação exclusiva seja garantida, pelo menos, nos primeiros seis meses de vida das crianças;
50. Estabelecer colaboração entre serviços públicos e privados locais para que incentivem a matrícula e permanência de travestis e transexuais.
51. Identificar atividades laborais de estudantes a fim de conectar saberes escolares com os relativos à inserção qualificada no mundo do trabalho;
52. Flexibilizar horários das atividades escolares ou o limite de faltas, manter diálogo com empregadores(as) e tomar outras medidas para apoiar jovens a compatibilizar estudo e trabalho;
53. Fornecer informações e debater necessidades e alternativas relativas às diferentes profissões e possibilidades de se inserirem de forma qualificada no mundo do trabalho, incluindo discussões sobre empreendedorismo, ativismo e expressões artísticas;
54. Criar mecanismos de estímulo à permanência dos(as) alunos(as) na escola através de alianças com instituições que possam oferecer estágios e cursos em horários diferentes ao da jornada escolar, afirmando o papel a escola a serviço de uma formação cidadã, comprometida com a inserção qualificada dos jovens no mundo do trabalho;
55. Planejar uma estrutura escolar que incentive a criatividade e iniciativas por parte de estudantes, estimulando a conexão destas com o mundo do trabalho;
56. Promover a formação e discussão do corpo docente sobre o tema e sobre como incluí-lo de forma transversal em suas disciplinas;
57. Promover experiências de estágio e/ou formação para o mundo do trabalho nas comunidades a partir dos interesses de estudantes, atrelando-as à matriz curricular da escola e aproximando saberes locais e agentes do território na oferta formativa relacionada ao mundo do trabalho, inclusive na formação técnica e/ou profissionalizante;
58. Reivindicar que a oferta de formação técnica responda aos interesses de estudantes, bem como as demandas do território;
59. Em escolas com ensino técnico e profissionalizante, reivindicar e garantir que o currículo de formação técnica seja compatível com o desenvolvimento integral dos(as) estudantes, incluindo temáticas e abordagens humanistas e que promovam a reflexão crítica sobre o mundo do trabalho, espaço para fruição e apreciação simbólica e cultural, para prática esportiva e físico-corporal;
60. Em escolas com programas de ensino técnico ou profissionalizante, reivindicar e buscar que o currículo seja flexível, de forma que cada estudante possa segui-lo de acordo com seus desejos profissionais;
61. Acompanhar a inserção laboral dos jovens em oportunidades de trabalho decente e cumprimento da Lei de Aprendizagem (Lei 10.097) e acionar a rede de proteção em caso de violação destes direitos.
62. Promover o cumprimento da Lei 10639/03, alterada pela Lei 11645/08, que estabelece a obrigatoriedade do ensino da História e Cultura afro-brasileira e indígena, tendo por base as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana;
63. Realizar ações tanto em projetos específicos quanto cotidianamente, nas disciplinas (inclusive das exatas e ciências naturais) e por meio de atividades artísticas, gincanas, saraus, debates, concursos e intercâmbio entre escolas para fortalecer a memória, a cultura e a história do povo negro, valorizar a identidade de estudantes negros(as) e a diversidade religiosa, assim como para conhecer a diversidade étnica dos povos indígenas e suas lutas pelo reconhecimento étnico e pela posse dos territórios;
64. Reivindicar e providenciar atividades e materiais de formação sobre educação antirracista para todas as equipes das escolas;
65. Realizar diagnóstico periódico da escola para entender a diferença de desempenho, fluxo e abandono de estudantes negros(as) e brancos(as).
66. Com respeito à educação dos povos indígenas, utilizar e ensinar suas línguas no ambiente escolar, abordar teórica e praticamente aspectos de suas culturas e definir atividades com participação constante das comunidades;
67. Valorizar e resgatar as culturas indígenas promovendo o intercâmbio com pessoas mais velhas e conhecendo locais e histórias que marcam e caracterizam o lugar, de forma a fortalecer os laços comunitários e valorizar traços identitários;
68. Em comunidades tradicionais, apoiar os(as) alunos(as) na definição de suas identidades, viabilizando também a presença da tradição e repertórios locais.
69. Promover o cumprimento dos compromissos por uma educação não-sexista e não discriminatória, dos quais o Brasil foi signatário;
70. Coibir toda e qualquer forma de discriminação de gênero na escola, garantindo a formação dos corpos docentes e o diálogo aberto com familiares sobre o direito à educação de jovens independentemente do gênero;
71. Realizar diagnóstico periódico da escola para entender a diferença de desempenho, fluxo e abandono de estudantes mulheres, homens e LGBT.
72. Criar um ambiente de acolhimento e respeito à diversidade na comunidade escolar, envolvendo estudantes como protagonistas desse processo;
73. Incluir a temática de gênero e diversidade sexual no Projeto Político Pedagógico da escola e abordá-la de forma transversal nas várias disciplinas (incluindo as de exatas) e nas demais atividades escolares, garantindo que temas que tocam a vida privada e os relacionamentos interpessoais, tais como o dos afetos e o das emoções, ganhem a centralidade equivalente à dos temas das disciplinas curriculares convencionais;
74. Garantir em todas as reuniões escolares espaço para que docentes discutam questões de gênero, compartilhem e pensem em soluções coletivas para problemas identificados no cotidiano escolar, inclusive acionando integrantes das comunidades locais, centros de pesquisa e universidades neste processo;
75. Criar um glossário comum sobre o tema da diversidade através de atividades, estudos e leituras sobre os conceitos de sexismo, homofobia, transgênero, homossexual, heterossexual, entre outros e garanti-lo tanto nas atividades docentes, quanto no diálogo da comunidade escolar;
76. Adequar a linguagem utilizada nos encontros formativos para as diferentes faixas etárias de estudantes e às formas de compreensão e apropriação do debate, incluindo estudantes com deficiência;
77. Incluir as famílias e responsáveis nas atividades escolares que abordem gênero e diversidade sexual, promovendo o diálogo entre partes envolvidas em conflitos, a família e, quando necessário, o Conselho Tutelar;
78. Monitorar as faltas e evasão das jovens mulheres ou transgêneros, identificando se estão em situação de trabalho doméstico e/ou sofrendo violências que impeçam seu acesso e permanência com qualidade na escola e, em caso afirmativo, acionar e acompanhar a rede de proteção de jovens na resolução do problema apresentado;
79. Promover a integração de estudantes transexuais e travestis com os(as) demais alunos(as), impedindo a segregação
80. Acionar a gestão pública e integrantes da comunidade e da própria escola para elaborar e implementar estratégias que garantam a segurança das jovens mulheres e transgêneros no deslocamento da e para unidade escolar;
81. Promover o cumprimento da Lei da Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/15).
82. Integrar estudantes com deficiência com os(as) demais, sem separar classes especiais e garantir sua participação em todas as atividades da escola, incluindo as realizadas fora do espaço escolar;
83. Abolir a reprovação de estudantes com deficiência;
84. Realizar ou reivindicar medidas de adaptação e acessibilidade das instalações (banheiros, rampas ou sinalização)
85. Reivindicar e providenciar recursos educativos em Libras, em Braile e em outras formas de tecnologia assistiva, bem como em Desenho Universal para Aprendizagem para estudantes, docentes e pessoal técnico-administrativo;
86. Apoiar docentes e assegurar que contem com formação para adaptar recursos e modos de fazer para abordar os saberes escolares para estudantes com deficiência, realizando avaliações individualizadas e adotando ajustes de horário para adequar a proposta curricular à disponibilidade desses(as) estudantes;
87. Criar condições para que os(as) mesmos(as) docentes consigam acompanhar estudantes com algum tipo de deficiência ao longo dos anos, o que possibilita uma visão de conjunto sobre o seu desenvolvimento integral e de maneira personalizada;
88. Formar docentes tanto com métodos teóricos (leituras, estudos sobre o tema) como com atividades de sensibilização e práticas em que a equipe escolar procure se debruçar sobre as especificidades de cada estudante;
89. Oferecer acompanhamento periódico a estudantes com deficiência por um(a) professor(a) que trabalhe as necessidades básicas de estudantes (AEE-Atendimento Educacional Especializado individualmente ou em grupo e em horários flexíveis (para melhor atender também suas famílias)
90. Registrar o desenvolvimento de estudantes com deficiência evidenciando as habilidades de cada pessoa, as deficiências e sugestões de possíveis recursos adaptados e debater os registros com os especialistas que já acompanham tais estudantes fora da escola;
91. Aproximar a rede de saúde e assistência do território para debater estratégias e questões apresentadas por estudantes com deficiência;
92. Trabalhar com a afetividade e com o fortalecimento do vínculo social entre os estudantes, favorecendo práticas em que estudantes com deficiência se sintam acolhidos(as) e pertencentes à comunidade escolar;
93. Alinhar a atuação do(a) professor(a) de sala de aula e do(a) professor(a) de AEE com a de familiares, buscando a integração e diálogo sobre as especificidades de estudantes com deficiência;
94. Reivindicar e providenciar atenção domiciliar a estudantes com deficiência temporária.
Revisão bibliográfica
Metodologia: como foram selecionados os artigos
O levantamento bibliográfico para esta pesquisa foi realizado nas bases de dados Scielo (Scientific Library Online) e no Portal de Periódicos da CAPES , na perspectiva de que a primeira trouxesse mais resultados de artigos em escala nacional e a segunda, internacional. Na base de Periódicos da CAPES, por sua extensão, ainda foi realizado um recorte temporal (últimos 10 anos, entre 2005 e 2015) e qualitativo (apenas periódicos revisados por pares). A escolha por artigos (descartando livros e teses) se deveu à crença de que esta pesquisa deveria priorizar obras publicadas em periódicos científicos arbitrados, que difundem com maior velocidade, amplitude e concisão. Esta pesquisa ainda se debruçou sobre artigos em português, inglês, espanhol e francês, atentando para a integralidade do texto, não apenas o resumo.
As buscas utilizaram palavras-chave escolhidas em diálogo com o Centro de Referências em Educação Integral 8. Deve-se levar em conta que algumas expressões em inglês “desorientam” as buscas, como é o caso de “integral part of the curriculum”, o que explica a diferença drástica entre o número de artigos encontrados originalmente e os selecionados para análise. Isso se mostra nos quadros abaixo (Figs. 1, 2 e 3).
Outro ponto que contribuiu para o recorte foi o aparecimento de centenas de registros que abordavam a saúde física do jovem na escola e, para isso, o termo integral é frequentemente usado, já que pensar sobre o corpo é pensar “o ser humano de forma integral.” Da mesma forma, “problemas” relacionados à juventude (drogas, violência, gravidez precoce) inspiram estudos (school-based studies) ou programas “aplicados” (implemented programs) que apenas fazem da escola um lugar conveniente de testagem, diferindo de ações educacionais ou escolares. Ou ainda, registros que propunham abordagens na perspectiva da psicologia (desenvolvimento emocional ou comportamental), em artigos que não necessariamente partilhavam das concepções de educação integral que direcionam esta pesquisa. O foco esteve nas publicações que trouxessem ensaios, pesquisas ou experiências relacionadas com escolas públicas ou gratuitas, não seletivas, de ensino médio (ou similares) ou no período de transição para o ensino médio (últimos anos do ensino fundamental), momento crucial em que se notam expressivos índices de evasão escolar.
De maneira geral, o levantamento resultou em pouquíssimos registros, tanto no âmbito nacional quanto internacional. Alguns dos quais exprimem questões candentes para diferentes sociedades, tais como gênero, evasão, violência ou saúde. Levemos em conta que, para determinados países, a ideia de educação já contempla a perspectiva integral, portanto, infelizmente pesquisas sobre essas realidades não deverão aparecer no recorte escolhido, como é o caso da Finlândia. Em geral, são países ou realidades que praticam a educação apenas como instrução que necessitam reafirmar a integralidade da educação.
Esta pesquisa, enfim, está proposta como um levantamento bibliográfico realizado com rigor e critério sobre a produção acadêmica a respeito da educação integral no ensino médio, mas, sem a pretensão de ser exaustiva. Procurou retratar algumas linhas mais pronunciadas no conjunto do que é publicado.
Após a leitura e sistematização, restaram 15 artigos sob as formas de ensaio, comunicação de pesquisa ou relato de experiência. Esses textos compartilham da perspectiva de educação integral do Centro de Referência e, ao mesmo tempo, trazem reflexões sobre aspectos do ensino médio que poderiam ser incorporados às propostas do projeto Políticas Públicas e Gestão Escolar para a Equidade e Desenvolvimento Integral no Ensino Médio. Em suma, apresentam potencial de contribuir para elaborar marcos referenciais sobre gestão escolar voltada para equidade no ensino médio a partir de práticas nacionais e estrangeiras.
Ensaios
Como ensaios, foram considerados aqueles artigos que não são fruto de uma determinada pesquisa empírica e que, por isso, podem ter uma dedicação mais concentrada em aspectos conceituais. Foram selecionados 3 ensaios, dos quais se destacaram dois importantes temas, que serão, a partir de agora, considerados como eixos temáticos.
Eixo 1 – Percursos formativos e diversidade de interesses
Dois ensaios estiveram dedicados a este eixo temático. Noddings (2011) sustenta a ideia de que a uma educação verdadeiramente compatível com a democracia é aquela que favorece percursos distintos; mais especificamente na educação secundária, a pesquisadora combate a premissa de que preparar a todos para a universidade está baseado em ideais democráticos e chega a entender que isso é colocar a democracia em risco.
A autora defende a estratégia do tracking, ou percurso curricular, por meio do qual os alunos selecionam seus caminhos de estudo segundo interesses próprios e que existiriam duas formas de realizar esse percurso. A primeira seria a de propiciar diferentes programas na educação secundária, como acadêmicos (preparo para a universidade), vocacional/industrial e comercial. E em um segundo sentido, seria a prática de inscrever os alunos em classes compostas por grupos por habilidades e interesses.
Dessa forma, prover diferentes programas para diferentes talentos ou interesses seria totalmente compatível com a justiça social, cuidando para que, na implementação de tais programas, não ocorram as usuais diferenças de qualidade entre os técnico/vocacionais (dirigidos a pobres e minorias) e os acadêmicos. A autora sustenta ainda, apoiada em John Dewey, que nenhum assunto é menos intelectual que outro e que, em defesa do futuro da escola secundária, seria necessário abandonar a noção de que os cursos em educação profissional ou comercial são intelectualmente inferiores aos assuntos acadêmicos. Para ela, todos os cursos deverão ser ricos em conteúdos intelectuais, morais e estéticos.
Na mesma direção está a reflexão de Barrow (2007). O autor considera que, em alguns aspectos, a defesa das escolas comuns (o mesmo tipo de escola para todos) ocorre à custa da própria educação. Ainda que ele acredite ser valioso o convívio entre diferentes (para promover a compreensão mútua e o respeito) e partilhe dos ideais da comprehensive schooling, ele sustenta que a escola deva ser diferenciada nos últimos anos do nível secundário. De acordo com ele, a mesma escola para todos pode ser feita no início da escolarização, mas, não necessariamente até o fim do secundário. Ele defende que, em determinado estágio, os alunos devem ser divididos, não por notas ou conceitos, mas por “afinidade”, “adequação” a um tema de estudo, ligado a seu nível de compreensão, conhecimento e interesse. Barrow enfatiza, então, que os estudantes têm interesses e habilidades diferentes. Assim sendo, não reconhecer isso formalmente e não abrir a possibilidade de diferentes tipos de conhecimentos, vida e carreira é, por omissão, desvalorizá-los. Para ele, é uma conclusão paradoxal quando se está tentando ensinar às pessoas o respeito pela diferença.
Eixo 2 – Tutoria e “cuidados pastorais”
Em estreita ligação com o eixo anterior, Noddings (2011) defende que a escolha de diferentes processos formativos na educação secundária não deve ocorrer sem o suporte e o aconselhamento de um mentor, para auxiliar os jovens a fazerem “escolhas inteligentes”.
É nessa figura do mentor, tutor ou na ideia de “cuidado pastoral” realizado pelas escolas secundárias que reside o segundo eixo temático. Tucker (2013) se debruçou sobre o tema defendendo a prática como a melhor forma de apoiar os estudantes de ensino médio que estejam em risco de exclusão temporária ou permanente, bem como jovens em situação de vulnerabilidade. Tucker considera o estabelecimento do Pupil premium (Prêmio aluno) pelo Reino Unido em 2012 – que oferece uma recompensa financeira a escolas que apoiam estudantes de famílias de baixa renda – como um marco no incentivo à promoção e ao desenvolvimento destas práticas, baseadas na escola, de acolhimento e cuidados com os alunos.
Diversas escolas no Reino Unido implantaram políticas inovadoras de cuidados com seus estudantes para, por exemplo, evitar a evasão. Tais ações visam a não depender da boa vontade do cuidador, e sim tornar-se uma prática instituída dentro da unidade escolar. Tem por objetivo responder diretamente à necessidade dos jovens em situação de vulnerabilidade; segundo Smyth, Down e McInerney (2010 apud TUCKER, 2013, p. 281), os tutores almejam o bem-estar dos estudantes, sendo que “aconselhamento e educação são mais propensos a auxiliar estudantes a permanecer nas escolas que as inflexíveis e punitivas medidas contidas em muitas políticas de gerenciamento do comportamento de estudantes.”
Os “cuidados pastorais” são implantados por meio da figura dos não-professores na escola (trabalhadores de suporte pastoral, mentores, assistentes de intervenção focal, assistentes de professor ou advocacy workers são os nomes dados a essa equipe de apoio). Como as necessidades são complexas e multi-facetadas, um trabalho multidisciplinar e especializado é exigido, já que poderão estar focadas em, por exemplo, “gerenciamento da raiva, gerenciamento de habilidades comunicativas, compreensão do impacto de formas específicas de comportamento…” (TUCKER, 2013, p. 289)
O trabalho se dá, inicialmente, por meio da identificação das necessidades, momento em que a contribuição dos jovens é apontada por Tucker como essencial; por conta disso, foram criados espaços onde os jovens podem “‘sentar e falar’ sem se sentirem ameaçados ou julgados.” Após essa etapa, a intervenção é feita, individualmente ou em grupo; o autor defende ainda que a “intervenção pastoral focada é mais bem sucedida se possui um alto nível de consistência entre a casa [do estudante] e a escola”. Relata que, em alguns casos, foi necessária a intervenção escolar nas residências e o apoio dos pais.
Pesquisas
Foram encontrados quatro artigos com divulgação de pesquisas, três dos quais podem ser também agrupados no Eixo 1 – Percursos formativos e diversidade de interesses. O último artigo é uma pesquisa que também oferece contribuições para o projeto Políticas Públicas e Gestão Escolar para a Equidade e Desenvolvimento Integral no Ensino Médio, mas que, por sua especificidade, será apresentada individualmente.
As três primeiras pesquisas também fazem referência às peculiaridades e disposições pessoais de estudantes. Del Río et al (2014) verificam a relação entre estratégias de aprendizagem e padrões de motivação de estudantes da escola secundária, partindo da premissa de que quanto maior atenção à diversidade dada pelas escolas, maior é a competência de aprendizagem autônoma dos estudantes. Como diversidade, as autoras entendem a composição dos estudantes em diferentes aspectos de relacionamento com a escola, como “estudantes com necessidades específicas de apoio educativo, alunos com problemas escolares vinculados a baixo rendimento, estudantes com defasagem curricular e desmotivação, alunos imigrantes” (DEL RÍO et al, 2014, p. 66). O trabalho comparou três modelos de escola em Madri: Centro de Intervenção Adaptativa, Centro de Não-intervenção e Centro Inclusivo Integral. Este último mostrou os melhores resultados nos quesitos motivação intrínseca e auto atribuição de êxito. Os dados apontaram os benefícios do enfoque inclusivo nos resultados educativos relacionados com competências de aprender a aprender, importantes para o desenvolvimento acadêmico e pessoal dos estudantes na etapa secundária.
É nesta ideia de autonomia no aprendizado que está baseada a segunda pesquisa. Vázquez e Daura (2013) descrevem a importância da auto regulação para a aprendizagem nas escolas secundárias e relacionam esta prática com os critérios para o estabelecimento de uma educação integral. Para as autoras, a Aprendizagem Auto Regulada (AAR) é um conceito que se refere ao gerenciamento da própria trajetória acadêmica; citando Paul Pintrich (2000 apud VÁSQUEZ; DAURA, 2013) e Pintrich e Zusho (2002 apud VÁSQUEZ; DAURA, 2013), as autoras definem AAR como “um processo ativo-construtivo por meio do qual o aluno fixa suas próprias metas de aprendizagem, monitora, regula e controla sua aquisição de conhecimentos, motivação, conduta, guiado por metas e por características do contexto do entorno” (VÁSQUEZ; DAURA, 2013, p. 306).
A hipótese que orientou a pesquisa de Vásquez e Daura é a de que o baixo rendimento escolar nas escolas secundárias se dá pela pouca capacidade de estudo de forma autônoma pelos alunos, tanto devido a fatores de ordem motivacional quanto pelo baixo conhecimento de estratégias específicas para lidar com atividades acadêmicas. A conclusão indica que, das relações encontradas entre o rendimento acadêmico e os modos de aprendizagem, pode-se desdobrar que os alunos que regulam seu esforço de acordo com as exigências escolares e com independência são os que obtêm melhores qualificações. As autoras defendem que a formação de um aluno por meio da AAR exige que os docentes sejam capazes de modelar as condutas, apresentar objetivos e de assumir um compromisso de formação integral, entendendo o rendimento acadêmico como uma consequência e não uma meta.
Por fim, a investigação de Plank et al (2008) demonstra como a evasão na etapa secundária da educação é fruto de um longo processo de desmotivação com escola, e atribui este desengajamento ao currículo. Os autores propõem verificar esta relação, em particular em que medida (proporção) a combinação entre educação profissional (CTE – Carrier and Technical Education) e acadêmica influencia a probabilidade de deixar a escola. Os achados sugerem que uma mescla de “exposição” à educação profissional e acadêmica pode fortalecer a educação do jovem e a motivação na escola, se considerarmos adolescentes até 14 anos. Aqueles que estão em defasagem idade/série (maiores de 15 anos) não mostraram os mesmos resultados.
Uma última pesquisa chegou a resultados que oferecem contribuições para os propósitos deste projeto ao enfocar o ponto de vista de estudantes sobre educação integral. Meneses e Sánchez (2013) realizaram uma avaliação de três escolas secundárias rurais na Costa Rica, recolhendo as opiniões e interpretações dos jovens que as frequentavam. As autoras apontam que a perspectiva da educação integral é um princípio fundamental da educação no país, desde 2007, por isso, solicitam que os estudantes avaliem também este aspecto em relação a seu projeto de vida. As contribuições para esta pesquisa estão nos tópicos avaliados pelos estudantes, que oferecem possibilidades de implementação de estratégias na educação secundária rumo à educação integral. São as seguintes: “preparar para ter êxito na vida”, “oferecer orientação vocacional”, “professores ensinam a aprender a aprender”, “a aprendizagem ensina a pensar”, “ensinar a enfrentar e dizer não às drogas e ao álcool”, “aprender conhecimentos sobre educação sexual”. Todos os critérios foram avaliados como positivos.
Experiências
Os oito artigos com relatos de experiências em educação integral mostram que a atuação é, na maioria das vezes, parcial ou segmentada, mesmo que o objetivo seja atingir outros aspectos do desenvolvimento do jovem para além do instrucional. Os achados foram divididos em quatro eixos, indicados abaixo.
Eixo 3 – Envolvimento das famílias e comunidades
Dois artigos trataram de experiências de engajamento das famílias na educação dos jovens na escola secundária. A primeira relata a tentativa de aproximação dos pais com a educação de seus filhos em Bangladesh. Kabir et al. (2014) discorrem sobre a atuação do Ministério da Educação do país em algumas escolas secundárias, em defesa da criação de uma comunidade de aprendizagem focada especialmente nos familiares. Com base na percepção do papel chave dos pais na educação e na motivação dos filhos, tanto em casa como na escola, no ano 2000, teve início uma ação que passou a incentivar o envolvimento dos familiares na escola. Na visão dos autores, apesar de ainda limitadas, as escolas passaram a realizar algumas ações para aproximar os pais: encontros (nos quais são discutidos objetivos e progressos dos estudantes), contatos pessoais (por e-mail, carta e telefone). Os obstáculos maiores são a falta de tempo dos pais, envolvidos com o trabalho, e a sobrecarga dos professores. Eles apontam ainda a importância da gestão escolar criar uma gama de políticas para informar os pais da importância do envolvimento na educação de seus filhos e de envolvê-los efetivamente, por meio de relatórios semanais, telefonemas, dias na escola etc. Além disso, ressaltam a importância de os professores referendarem o papel dos pais na educação dos alunos.
Como apresentado pela segunda experiência, uma iniciativa semelhante ocorreu em Quebec, Canadá, entre 2001 e 2005. Deslandes (2006) descreve o desenvolvimento e a implementação de um programa de parceria entre escola, família e comunidade em duas escolas primárias e duas secundárias em uma província canadense nas quais o perfil dos estudantes era de renda baixa e média. Em uma ação conjunta entre a autora do artigo, professora da Universidade de Quebec e pesquisadora sobre o tema e o Ministério da Educação do país, os objetivos do programa foram: desenvolver, implementar e avaliar um programa de colaboração entre escolas e famílias relacionados a um projeto de reforma educacional e apontar modelos de relação família-escola-entorno que pudesse ser transferido para vários ambientes. O programa foi implementado a partir dos seguintes passos: 1) formar uma equipe de ação; 2) obter recursos e apoio oficial; 3) identificar pontos de partida; 4) escrever um plano de ação para um ano; 5) avaliar implementação e resultados; 6) continuar o trabalho em direção a uma parceria no modelo compreensivo ou integral. Segundo a autora, as experiências não podem ser consideradas bem sucedidas. As lições aprendidas dizem da necessidade de integrar este projeto no plano educativo de cada escola, para que se torne prioridade; a segunda diz do envolvimento das lideranças, que deverão mostrar por meio de suas ações a determinação em estabelecer essa parceria; a terceira lição trata da importância da presença de um agente de ligação entre a escola e as famílias, com um relacionamento estável com outros agentes e conhecedor de ferramentas de motivação; a quarta lição é a necessidade de tempo/paciência para que os envolvidos se familiarizem com o projeto e a quinta lição é a percepção de que algumas escolas poderão necessitar de mais recursos financeiros e, por último, de que todas as escolas deverão ter seus ritmos respeitados.
Dois artigos apontaram caminhos quanto à importância da relação com a comunidade ou o entorno da escola para a educação integral na etapa em foco. O primeiro artigo relata a experiência promovida pelas autoras (JETTON et al., 2008) em escolas de ensino médio na região do Meio Atlântico dos Estados Unidos, entre 2000 e 2007. O distrito onde as escolas estavam localizadas atendia pessoas de 64 países, falantes de 44 línguas. As escolas tinham um nível de alfabetização em inglês próximo a 36% e decidiu-se focar a aprendizagem nas necessidades dos alunos de serem alfabetizados no idioma estrangeiro. Dessa forma, foi criada uma comunidade de aprendizado multidisciplinar entre professores universitários, candidatos ao cargo de professor universitário, supervisor de ensino, diretor de escola, coordenador de alfabetização e professores, que transformou e desenvolveu experiências de alfabetização de adolescentes na educação secundária. Após um período de discussão no qual foi estabelecida uma visão comum do que era entendido como alfabetização em língua inglesa, houve uma sequência de ações para a reestruturação da escola e do currículo. A experiência concluiu que, nessa parceria, foi necessário que os estudantes universitários vivessem a vida comunitária da escola, estivessem presentes nas salas de aula, almoçassem com os professores etc. como forma de mudar os relacionamentos interpessoais em direção a uma prática educativa que educou a todos.
Em um segundo caso, que pode ser visto como um exemplo de detalhamento do Eixo 2 – Tutoria e “Cuidados pastorais”, o Ministério da Educação da Espanha implantou a orientação Liderança para Aprendizagem (leadership for learning) a partir da ideia de compartilhamento de aprendizagem com a comunidade. Para tal, incentivou a figura do conselheiro (tutor, mentor) que atua nos níveis escolar, pessoal e profissional na atenção aos alunos. Segundo Martinez, Krichesky & Garcia (2010 apud DOMINGO, 2013), o conselheiro é “um agente educacional comprometido com a melhoria da escola, trabalhando com os professores para impulsionar o desenvolvimento dos estudantes de uma maneira holística, trabalhando de forma próxima com a equipe e promovendo a prática diária”. Algumas dimensões de apoio à melhoria da qualidade e equidade na escola secundária foram identificadas: 1) colaboração profissional e envolvimento do diretor e dos conselheiros de escola são importantes para ajudar as escolas a serem capazes de mudar (em qualidade e equidade). Ambos devem trabalhar em conjunto para garantir a atenção à diversidade como uma questão central, em que está baseada a mudança na escola, sem negligência dos resultados escolares; 2) Fortalecimento e apoio da liderança pedagógica dos diretores, sem incentivo à competição; 3) Trabalho na perspectiva da comunidade, fortalecer os eixos escolares, família e comunidade; 4) Apoio das atividades educacionais como plataforma de inovação em educação e desenvolvimento profissional. Facilidade na criação de propósitos comuns, pela geração e compartilhamento de saberes profissionais sobre bom aprendizado para todos; 5) Trabalho com programas que fortaleçam a atenção à diversidade: desenvolvimento de um currículo inclusivo, trabalhar com tarefas holísticas/multidimensionais e com a integração do currículo, desenvolver metodologias cooperativas e interativas com a participação genuína de todos.
Eixo 4 – Gênero e educação afetivo-sexual
Outros programas desenvolvidos na escola secundária ou para a escola secundária incluem duas experiências de inclusão de temas que respondem às necessidades da sociedade onde estão inseridos e também compreendem o estudante em formação em seu aspecto integral.
Uma destas experiências, relatada por Hsiao-Chin et al. (2014), narra o processo de inclusão da formação para a equidade de gênero nas escolas de Taiwan. A partir de 1996, por pressão dos movimentos de mulheres e impactado pelo caso do estupro e assassinato de uma liderança feminista, o Ministério da Educação anunciou a educação igualitária por gênero como parte da agenda da reforma educacional e a inclusão dos assuntos de gênero no currículo escolar primário e secundário, a partir de uma reforma ocorrida entre 1997 e 1999. Segundo a autora, “Em 10 anos, o sistema educacional de Taiwan progrediu de um sistema totalmente patriarcal e cego para as questões de gênero, para a inclusão da igualdade de gênero nos currículos e a promoção compreensiva de equidade de gênero em sua legislação” (HSIAO-CHIN et al., 2014, p. 6). Ela ainda defende que, no sistema educacional de Taiwan, marcado pela autoridade centralizada, a única maneira de obter tempo para novos conteúdos é colocando-os no currículo oficial.
No segundo caso, o Instituto de Educação Secundária de Ourense, na Galícia (Espanha), realizou um programa de educação afetivo-sexual com estudantes e familiares entre novembro de 2003 e junho de 2004. Em uma adaptação do programa Coeducativo de Desarrollo Psicoafetivo y Sexual “Agarimos”, a formação tem por base a ideia de que a educação afetivo-sexual busca melhorar a qualidade de vida das pessoas. Fernández (2007) declara que o programa está dividido em três temas: identidade corporal, identidade de gênero e identidade e valorização pessoal. Dos 30 pais envolvidos inicialmente, somente cinco terminaram a oficina; um deles era homem. Observou-se, ao fim das oficinas, um aumento dos conhecimentos sobre identidade corporal e conduta sexual, mostraram-se atitudes mais igualitárias sobre os gêneros e mais positivas sobre a sexualidade. Também ganhou destaque a importância da educação da inteligência emocional de seus filhos, como forma de proporcionar o desenvolvimento integral de sua personalidade. O programa enfatiza que a formação sobre sexualidade nas escolas está demasiadamente centrada na ideia de prevenção, nos conteúdos biologistas, relegando a um segundo plano a dimensão sexual humana. Defende a colaboração família-escola para a formação socioafetiva e sexual integral dos adolescentes.
Eixo 5 – Ambiente físico, apoio personalizado e recursos digitais
Por fim, entre as experiências identificadas, encontram-se duas ações que propõem alterações nos ambientes físicos e na infraestrutura escolar de forma a transformar o aprendizado.
A ideia da Kunskapsskolan, ou escola do conhecimento, é criação sueca que propõe a formação compreensiva e personalizada dos sujeitos em nível escolar secundário. Composta por 33 escolas na Suécia e 2 no Reino Unido, a proposta prevê que toda a escola, desde a arquitetura à equipe, é pensada para o aprendizado. Eiken (2011) narra que, na Kunskapsskolan, a educação é personalizada em uma combinação de escolha de objetivos, coaching semanal, cronogramas pessoais e um currículo único mantido em uma plataforma na internet. Os alunos são assistidos pelos professores, que auxiliam (coach) os estudantes em estipular os objetivos e as estratégias. Cada professor faz uma espécie de tutoria personalizada (personal coach) para 20 estudantes. A arquitetura é pensada para o aprendizado, todos os espaços são dedicados a isso, com portas de vidro que integram salas, e sem corredores.
A segunda experiência trata de uma proposta de transformação das bibliotecas das escolas secundárias em Centros de Recursos para a Ensino e Aprendizagem (Crea), em Madri (Espanha), descrita por Marzal et al. (2012). A ideia é que as bibliotecas escolares passem a servir de suporte ao ensino e a desenvolver a autonomia pessoal nos processos de aprendizagem por meio da alfabetização digital. Além disso, o Crea pode fomentar o desenvolvimento das comunidades virtuais de aprendizagem, facilitar os recursos digitais educativos, ser centro produtor de conteúdos educativos em todos os formatos, além de ser espaço de socialização. A iniciativa considera que o Crea proporciona igualdade de oportunidades para todos os alunos.
Conclusões
Os artigos sobre ensino médio publicados em periódicos especializados, classificados com palavras-chave relacionadas à educação integral e nos critérios citados anteriormente, são quantitativamente pouco significativos: somente 15 nos dez anos que vão de 2005 a 2015. Além disso, não são cumulativos e se caracterizam por abordar aspectos parciais dentro de uma perspectiva de educação integral. Nesta perspectiva, diversos aspectos focalizados visam a fazer frente à iniquidade. O conjunto sugere que uma política de educação integral tendo em vista o nível médio precisaria considerar os pontos focalizados, embora um não dependa necessariamente dos demais.
1. O respeito à diversidade de inclinações pessoais requer oferta de variedade de percursos, ao contrário das convencionais ofertas homogêneas.
2. O assim chamado maior rendimento escolar depende do desenvolvimento da autonomia na aprendizagem.
3. A combinação da educação profissional com a regular (“acadêmica”) tem efeitos positivos no combate à evasão.
4. A orientação personalizada é importante para apoiar as escolhas de estudantes e promover o engajamento nos estudos.
5. Considerando a pouca disponibilidade de tempo dos pais e dos professores, são necessárias políticas de informação e envolvimento na educação dos filhos, associadas ao referendo dos professores na mesma direção.
6. A cooperação entre a escola e a comunidade requer pelo menos que esta faça parte do plano escolar e conte com agentes cujo trabalho incorpore a tarefa de realizar essa conexão; pode ser eficaz se consistir no esforço articulado em torno de um problema (alfabetizar em uma segunda língua, por exemplo), envolvendo convívio comunitário interno à escola e geração de consensos.
7. Temas que tocam a vida privada e os relacionamentos interpessoais, tais como o das relações de gênero, o da sexualidade, o dos afetos e os das emoções precisam ganhar a centralidade que têm os temas das disciplinas escolares convencionais, inclusive envolvendo pais nas atividades escolares.
8. Combinar apoio personalizado à escolha de objetivos pelos alunos com ambientes físicos da escola concebidos tendo em vista o aprendizado, somados à disponibilidade de recursos digitais como fontes de informação e de relacionamento comunitário.
Estudo com as escolas
Metodologia: como foram escolhidas as escolas
A fim de compreender como se dão as experiências de educação integral no Ensino Médio, este estudo fez uso de ferramentas e técnicas jornalísticas para sistematizar 17 experiências de gestão em escolas nacionais e 12 estrangeiras 9 que realizam ações nesse sentido. As experiências têm em comum o fato de procurar ofertar as condições necessárias para que toda pessoa possa aprender, independentemente de sua classe social, gênero, orientação sexual ou outros temas que configuram iniquidade nos processos educativos.
Para localizar estas experiências, foram consultadas as assessorias de imprensa de todas as secretarias estaduais de educação no Brasil, pesquisados trabalhos e publicações do Observatório Jovem, do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT) e dos Prêmios Nacional de Educação em Direitos Humanos, Itaú-Unicef e Educar para a Igualdade Racial e de Gênero. Também foram acionados especialistas como Pilar Lacerda, diretora da Fundação SM, Jaqueline Moll, pesquisadora e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS) e diretora da Coordenadoria de Currículos e Educação Integral do Ministério da Educação entre 2007 e 2013 e Cleuza Repulho, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação de 2011 a 2015, além de organizações, iniciativas e movimentos como Todos pela Educação, Instituto Rodrigo Mendes, Instituto Kaplan e Projeto Jovens Urbanos (Cenpec-Fundação Itaú Social). Ainda com o objetivo de complementar o levantamento, foram feitas pesquisas em outros veículos de comunicação, com destaque para as revistas Nova Escola, Educação e o site Porvir.
Após detalhar a indicação com a fonte de origem, foi realizada uma primeira entrevista, por telefone, com integrantes da gestão das escolas selecionadas e, em alguns casos, com docentes e estudantes. Após entrevista, algumas experiências foram descartadas, seguindo os critérios de que a escola fosse pública ou comunitária, ofertasse o Ensino Médio ou Ensino Médio integrado ao Ensino Técnico 10, se identificasse como uma escola de educação integral ou promotora do desenvolvimento integral e desenvolvesse ações de gestão a fim de promover a equidade. Embora importante para o debate da educação integral, o critério da extensão da jornada escolar não foi tomado como de exclusão, entendendo que algumas escolas selecionadas por esta pesquisa desenvolviam ações contundentes para o desenvolvimento integral dos(as) estudantes, mesmo na jornada regular.
Ao mesmo tempo, como a temática impacta diretamente os anos finais do Ensino Fundamental II e jovens da Educação de Jovens e Adultos (EJA), quando a evasão é ainda maior e quando as questões que geram iniquidade se expressam com ainda maior intensidade, optou-se por incluir escolas dessas modalidades na presente pesquisa.
Para as buscas em outros países, foram levantadas experiências a partir dos eventos de educação realizados na cidade de São Paulo 11, como o Transformar 2014 e Transformar 2015 e o BETT Brasil. Também foram acessados sites estrngeiros de educação, como o Edutopia e o da Rede de Educação Alternativa (REEVO), periódicos de destaque no tema, como o suplemento do NY Times, e vídeos publicados em canais do YouTube especializados no tema, como o Canal Encuentro. Nas experiências estrangeiras , dada a relevância para a pesquisa, foram incluídas iniciativas públicas e de terceiro setor de apoio programático e sistemático à permanência de jovens na escola e combate à evasão em escolas. Em tais iniciativas, a gestão escolar continuava assumindo papel estruturante, sendo a responsável por implementar o programa na unidade de ensino.
Todas as experiências foram selecionadas a partir dos critérios apresentados, mas também pela garantia das fontes de indicação de que respondiam aos desafios contemporâneos das juventudes, como a permanência interessada e conclusão da etapa escolar.
Nas experiências estrangeiras, nove são escolas de High School/Secondary School, equivalente ao Ensino Médio, e três são programas de apoio à permanência e combate à evasão escolar. Nas experiências estrangeiras, salvo na do programa de apoio à permanência de jovens em escolas afegãs, o critério do tempo não se aplicou, uma vez que as experiências mapeadas têm todas jornadas mais extensas do que a média brasileira. As escolas estadunidenses, por exemplo, ofertam, em média, 8 horas diárias de atividades.
Todas, estrangeiras ou nacionais, dialogam diretamente com a concepção de educação integral e promovem ações programáticas, integradas à dinâmica de gestão das unidades escolares, pela permanência interessada dos jovens e conclusão da etapa escolar. As experiências, publicadas na íntegra na plataforma do Centro de Referências em Educação Integral (www.educacaointegral.org.br), foram classificadas com base em temas/ questões das juventudes que geram iniquidade nos processos acadêmicos e favorecem a evasão escolar.
Tanto nas experiências nacionais quanto nas estrangeiras a questão do desejo de participação de estudantes na unidade escolar mostrou-se como um ponto de destaque. As escolas que promovem ações de protagonismo juvenil e envolvem estudantes no processo de gestão e da implementação do currículo conseguem diminuir os índices de evasão e auferem, segundo as entrevistas realizadas, ganhos em diferentes aprendizagens (tanto em notas nas provas e testes padronizados, quanto em sociabilidade, participação e cultura política e expressão oral e escrita).
O levantamento de material jornalístico demonstrou que a demanda por participação se coloca como uma temática de equidade, influenciando diretamente a permanência ou evasão de estudantes na etapa escolar. Entre os outros temas identificados como fatores que geram iniquidade pelas escolas mapeadas, figurou a questão de gênero, muitas vezes conectada à temática da sexualidade, a questão étnico-racial, trabalhada tanto na perspectiva da valorização de uma determinada etnia, quanto no enfrentamento ao preconceito e racismo, a questão da inclusão de estudantes com deficiência, a questão da personalização do ensino (de que existem diferentes formas de aprender), e principalmente as questões de inclusão social e trabalho e renda. Todos os exemplos inventariados indicam participação intencional e programada da gestão escolar, que assume ações específicas para atender determinada demanda das juventudes a fim de fortalecer a participação discente e a permanência interessada do(a) jovem da escola. Com foco em resultados acadêmicos e no desenvolvimento dos(as) estudantes, em todas as unidades estudadas, há um esforço para que estudantes ocupem o centro das ações curriculares, entendidas para além da sala de aula (assembleias, projetos com a comunidade etc.)
As entrevistas: como foi elaborado o questionário
Após a seleção, uma entrevista de aprofundamento foi realizada pela equipe de jornalistas do Centro de Referência, de forma que as experiências realizadas pelas escolas pudessem ser sistematizadas e analisadas. Dentre as 17 escolas nacionais entrevistadas, 15 se dispuseram a responder o questionário. Dada a diferença dos sistemas educacionais, optamos por não realizar as entrevistas de aprofundamento com as experiências estrangeiras, tomando-as como referência para a validação das recomendações, balizando-as com as nacionais.
As entrevistas foram realizadas a partir de um questionário elaborado levando em conta as contribuições de pessoas da sociedade civil. Por ocasião do I Seminário Técnico, realizado em 8 de dezembro de 2015, os participantes foram convidados a pensar coletivamente as questões que seriam fundamentais para conhecermos em profundidade as experiências realizadas pelas escolas. A partir de 3 grupos (Grupo 1 – Raça e etnia/Inclusão de pessoas com deficiência/Gênero e diversidade sexual; Grupo 2 – Relação com os territórios e inclusão social e Trabalho e Renda; Grupo 3 – Protagonismo juvenil e autonomia) diversas questões sobre os temas apontados acima foram debatidas e incorporadas posteriormente ao questionário.
Destes grupos, participaram as seguintes instituições: Ação Educativa, Associação Cidade Escola Aprendiz, Centro de Apoio e Pastoral do Migrante (CAMI), Centro Educacional (CEDAL), Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (CENPEC), É Nóis – Escola Jovem de Jornalismo, Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (Feusp), Fundação Carlos Chagas, Fundação SM, Instituto Unibanco (IU), Secretaria Municipal de Santo André, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
O I Seminário Técnico do Projeto Políticas Públicas e Gestão Escolar para a Equidade e Desenvolvimento Integral no Ensino Médio também se dedicou a escuta de especialistas sobre o tema, oriundos de universidades e do poder público. Suas apresentações e leitura do levantamento das experiências foram consideradas na elaboração das recomendações, bem como para a construção do questionário de aprofundamento.
Resultados: Análise dos dados das escolas
As primeiras etapas do projeto – o levantamento bibliográfico e o seminário com especialistas e pessoas de organizações da sociedade civil – indicaram diversos temas relacionados à educação integral no Ensino Médio. Estes foram agrupados em seis eixos temáticos que também serviram para orientar as questões da entrevista. O relatório sobre as informações coletadas e analisadas levou em conta os mesmos seguintes eixos temáticos: Multidimensionalidade, Raça e etnia, Gênero, Território, Participação, Personalização do ensino, Multidimensionalidade, Trabalho e Renda, Deficiência, Rede de Proteção.
A maioria das 15 escolas consideradas nesta pesquisa tem público de baixa-renda: 10 diretores(as) disseram que o nível de renda das famílias era baixo e 5 afirmaram ser médio. Como nível baixo e médio foram consideradas as classificações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Levando em conta que estudantes de baixa renda sofrem mais intensamente os efeitos da desigualdade econômica, procuramos saber se os(as) diretores(as) entrevistados(as) acreditavam que as ações realizadas pela escola contribuíam para fortalecer a equidade: de 15 escolas, 12 responderam “Muito”.
Raça e etnia
Entendendo a atuação específica na temática étnico-racial como fundamental para a garantia da equidade na educação, das 15 entrevistadas, apenas uma disse não promover, incentivar ou coordenar ações nessa temática, pois não teria “problema com essa questão”. As escolas restantes realizaram ações que os(as) entrevistados(as) entendem ser bem-sucedidas e ocorreram tanto em projetos específicos como cotidianamente, como parte do projeto político pedagógico em tematizações presentes nas disciplinas que visam a “fortalecer e resgatar a memória, a cultura e a história do povo negro”, incluindo ou não as disciplinas de exatas. Também relataram atividades que pretendem “reforçar a identidade dos alunos” e valorizar a diversidade religiosa, além da organização de Seminários e oficinas sobre o tema, atividades artísticas como percussão, dança e capoeira e a participação em gincanas, saraus, debates e concursos.
A valorização da cultura indígena ganha um sentido diverso na Escola Estadual Indígena Tuxaua Luiz Cadete, já que a “esmagadora maioria” dos(as) estudantes é indígena, e o ensino desta cultura é um ponto central para essa escola.
Quanto às ações consideradas malsucedidas, em 11 escolas houve a indicação de não terem acontecido, enquanto em três não se lembraram ou não responderam. Apenas uma relata ter havido mal entendido em uma visita realizada a uma aldeia indígena, pois os professores que “não se envolveram com a atividade [afirmaram] que se tratava apenas de um passeio”. Chama a atenção que diretores(as) de 12 das 15 escolas afirmam contemplar a perspectiva étnico-racial no Projeto Político Pedagógico para além das disciplinas História, Geografia, Língua Portuguesa ou Arte; esse fato pode indicar uma ação estrutural da escola e não apenas a iniciativa individual dos(as) professores(as). Em três escolas, a iniciativa de tratar do tema partiu da comunidade (no Conselho de Escola) ou de estudantes (no Grêmio Estudantil) e, em apenas uma, a solução para conflitos com relação ao tema é tratá-los fora do âmbito escolar, “com o apoio das famílias em contato com a professora”.
Com relação às motivações que levaram a escola a abordar os temas da educação para as relações étnico-raciais, 13 diretores(as) afirmaram que se orientaram pela perspectiva da ampliação do acesso a direitos, sendo que sete especificaram as leis 10.639/03 e 11.645/08. Casos de racismo, velado ou explícito, na comunidade e na escola, foram o gatilho que impulsionou outras duas escolas a tratar do tema. Uma das escolas chegou a mencionar que “a morte de jovens negros pela Polícia Militar é uma realidade cotidiano no território da escola e por esta razão é fundamental trabalhar o tema”.
Quanto a enfrentar resistências por parte da comunidade e dos professores, 10 entrevistados(as) relataram nunca terem sofrido. Para quem sofreu resistências sempre ou às vezes, os dados apontam para “professores que não costumam diversificar os objetos de aprendizagem” ou que “fazem comentários racistas por falta de formação.” Na escola indígena Tuxaua, as dificuldades em se trabalhar o tema referem-se a docentes de fora da comunidade.
Em 11 das 15 escolas pesquisadas, os conflitos étnico-raciais são enfrentados por meio do diálogo e, em duas, apareceram campanhas de prevenção. A existência de “regras de conduta” nas quais não há espaço para o racismo e/ou a presença do tema no Projeto Político Pedagógico da escola também foram apontadas como formas de prevenir a ocorrência de conflitos. O recurso a agentes externos também é presente nas ações escolares: grupos e/ou coletivos para abordarem estas questões em palestras, diálogo com as famílias, notificação ao Conselho Tutelar, “a rede de parceiros” ou à Secretaria de Educação. Em uma escola, afirmou-se nunca ter sido necessário mediar um conflito desse tipo devido à sua inexistência. Em outra (EE Manuel Ribas, Curitiba, PR), disseram: “Nunca chamamos a Polícia Militar para resolver nenhum problema”.
Por fim, 10 pessoas entrevistadas afirmaram que as ações em educação para as relações étnico-raciais têm muito impacto nas avaliações externas da escola, 3 relataram um pequeno impacto e duas não responderam.
Gênero e diversidade
Das 15 pessoas entrevistadas, quatro disseram não promover, incentivar ou coordenar ações na temática de gênero e diversidade. Destas quatro, as justificativas para a ausência da temática na escola foram a suposição da inexistência de problemas relacionados a isso, ou o entendimento de que a temática não demandou projeto ou ação específica por ser trabalhada “no dia-a-dia” ou ainda de que precisaria ser discutida “mais profundamente.”
Quanto às ações consideradas pelos(as) entrevistados(as) como bem-sucedidas, foram realizadas com frequência variada (cotidianamente, mensalmente ou anualmente), com distintas abordagens (gincanas, oficinas, debates, palestras) e com subtemas diversos, como sexualidade, prevenção de DSTs e HIV-Aids, planejamento familiar, violência doméstica, homofobia e diversidade sexual.
As ações do Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos (Cieja), da Sé, região central da cidade de São Paulo, ganharam destaque por estarem associadas ao programa municipal Transcidadania, que concede 100 bolsas de estudo para que travestis e transexuais possam concluir os estudos e melhorar sua colocação profissional. A grande diversidade do público escolar impulsionou a inclusão do tema na agenda do Cieja. A equação entre a existência de alunos transexuais ou transgênero nas escolas e a ocorrência ou não da educação em gênero e diversidade não é óbvia. Entre as 11 escolas que abordam o tema, seis afirmam haver alunos(as) transgênero ou transexuais; destas escolas, três delegam ao(à) aluno(a) a escolha de qual banheiro usar, em uma escola todos os banheiros são mistos. Já diretores(as) das escolas que não tratam do tema afirmam não contar com alunos(as) com aquelas características.
Destaca-se que, entre as pessoas entrevistadas das 11 escolas que efetivamente propuseram e realizaram ações na temática de gênero e diversidade, nenhuma relata haver ocorrido práticas malsucedidas. Do mesmo modo, seis afirmaram nunca terem enfrentado resistência. Entre as que relataram ter enfrentado eventualmente tal resistência, esta ocorreu, segundo as entrevistadas, por parte de homens mais velhos, por conta das opções religiosas das famílias, pelo machismo ou pela polêmica em torno do uso dos banheiros.
Também 11 das 15 entrevistadas afirmam que a questão de gênero é considerada no Projeto Político Pedagógico da escola, enquanto apenas três abordam o tema somente nas disciplinas História, Geografia, Língua Portuguesa, Artes, e uma delas na disciplina Biologia. A perspectiva de ampliar o acesso aos direitos é o que motivou 9 dos(as) 15 gestores(as) a tratarem do tema; o interesse de estudantes e a sua diversidade sexual ou a exigência de uma lei aprovada no Rio Grande do Sul obrigando a escola a abordar questões de gênero e diversidade na escola foram outras motivações apontadas.
Os conflitos e a desigualdade de gênero no ambiente escolar são enfrentados de diversas formas: buscando garantir a diversidade nas representações de classe, por meio de ações preventivas, via diálogo com as partes, a família ou o Conselho Tutelar, em disciplinas específicas como “Projeto de vida” e “Ética, cidadania e relações humanas.”
Nove pessoas entrevistadas perceberam algum impacto positivo das ações sobre gênero e diversidade na escola nas avaliações externas, enquanto uma não respondeu e outra afirmou não ter percebido impacto neste âmbito.
Inclusão de deficientes
A respeito da relação das escolas com o público com deficiência, das 15 pesquisadas, apenas uma não recebeu estudantes com deficiência permanente e 6 não receberam estudantes com deficiência temporária. Apesar disso, apenas dez contam com adaptação (banheiro adaptado, rampas de acesso ou sinalização com braile) e duas têm adaptação parcial (não atende a escola toda, por exemplo). Da mesma forma, apenas cinco dos(as) diretores(as) entrevistados(as) afirmaram haver docentes que usam Libras, enquanto nove disseram dispor de material em braile.
Com relação ao Auxiliar de Vida Escolar (ou similar), que acompanha estudantes com deficiência, 9 das 15 escolas contam com esse tipo de profissional. Além disso, apenas oito das pessoas entrevistadas disse não ocorrer reprovação ou abandono por parte de tais estudantes; quando ocorre, as razões alegadas variaram entre falta de material, formação inadequada de docentes, discriminação ou mesmo “dificuldades de aprendizagem” ou a alta “distorção idade/série” do(a) aluno(a).
Quanto à deficiência temporária, as escolas aparentam ter encontrado soluções criativas e eficientes para não excluir estudantes com dificuldade de mobilidade, por exemplo. As adaptações citadas são “colocar o aluno com deficiência temporária em uma sala mais acessível” ou mesmo o atendimento domiciliar.
Com relação à intersecção de ações nas áreas de inclusão com a educação étnico-racial, com as relações de gênero e com a diversidade, todas as pessoas entrevistadas afirmaram ter conseguido realizá-la, 8 delas às vezes e 7 disseram sempre ter conseguido. Ainda fazendo referência às três áreas (relações étnico-raciais, de gênero e inclusão de pessoas com deficiência), apenas duas pessoas indicaram ser alto o grau de inserção das políticas secretariais e/ou de governo nas ações realizadas nas escolas; outras sete julgaram baixo, 4 consideraram médio e duas julgaram inexistente.
Trabalho e renda
Foram 10 as entrevistas que apontaram em suas escolas menos de 25% de estudantes trabalhando. Outras três apresentaram uma proporção no intervalo entre 25% e 50%. Apenas duas revelaram haver entre 50% e 75% de estudantes trabalhadores Isso mostra que a maioria destas escolas que procuram promover o desenvolvimento integral no Ensino Médio não são extremamente pressionadas pelos contingentes de estudantes que precisam trabalhar.
Entre as ocupações laborais de estudantes, foram mencionadas atividades na agricultura, comércio ou estágios, mas, a maioria faz referência ao trabalho informal em lava-jatos, oficinas, bares, como ambulantes ou catadores(as) de material reciclável, trabalhadores na área de limpeza, portaria, agentes de saúde, feirantes.
Na relação entre a escola e o mundo do trabalho, apenas oito entrevistados afirmaram que muito do que é ensinado na escola é utilizado nas atividades laborais dos egressos, outros seis explicitaram que pouco ou nada era utilizado. Um preferiu não responder sobre o assunto.
As escolas técnicas contam com carga horária reservada para estágio. Nas demais, para compatibilizar estudo e trabalho, houve declarações de que fizeram algumas adaptações, tais como flexibilização de horários ou mudança no limite de faltas. Uma destas conta com geladeira e micro-ondas para que estudantes do turno da manhã possam almoçar e sair diretamente para o trabalho. Em um CIEJA os estudantes podem frequentar as aulas no período matutino, vespertino ou noturno de acordo com a sua necessidade, com total flexibilidade.
Apenas uma escola afirmou não haver diálogo com empregadores(as) para compatibilizar a participação no trabalho e na escola. Para as outras onze, os relatos registram a ocorrência desse diálogo, em forma de parcerias com instituições, que encaminham vagas ou informações sobre o mundo do trabalho ou por meio de arranjos em relação a horários etc. Para as três escolas restantes, não houve resposta a respeito.
Diretores(as) de duas escolas relataram também que, “quando realmente o aluno precisa trabalhar para ajudar a família” ou “quando vão trabalhar com carteira assinada”, os(as) estudantes procuram outra escola, que não seja em período integral.
Já com a comunidade, quatro escolas nunca mantêm o diálogo sobre o tema escolarização e trabalho ou o fazem eventualmente. Para a maioria, no entanto, afirma-se haver esse diálogo com a comunidade de forma permanente, em reuniões e palestras, “como forma de incentivar a continuidade nos estudos”, reafirmar a importância da educação “para o futuro das crianças” (em escola de ensino fundamental) ou “para melhorar as condições de emprego”.
Relações com os territórios
A relação das escolas com seus territórios é relevante para o tema da educação integral. Diretores(as) de onze escolas afirmaram existir espaços culturais e esportivos próximos, tais como: quadras esportivas, praças, universidade, posto de saúde, biblioteca, parque, clubes particulares, campo de futebol (de terra), CEU (Centro Educacional Unificado), “Fábricas de cultura” e o cinema de um shopping center. Em oito entrevistas, afirmou-se considerar o território no Projeto Político Pedagógico e utilizá-lo como insumo na sala de aula; a mesma quantidade de escolas revelou sair com frequência com estudantes para conhecer e trabalhar com o entorno e ter uma participação frequente da comunidade nos Conselhos de Escola.
Ao serem questionados, de forma livre, a respeito de algumas das principais características do entorno, três das 15 escolas indicaram pertencerem à zona rural. Como características deste território, os (as) entrevistados (as) apontaram o fato de estarem ligados à agricultura e à criação de animais de pequeno porte, de sofrerem com a estiagem (fome e sede), de fazerem parte de uma cidade pequena e, portanto, terem proximidade com as casas dos professores (as) e de terem pouca oportunidade de emprego.
Já das 12 escolas que classificaram seu entorno como urbano, apenas quatro indicaram características positivas, como: proximidade à delegacias e brigadas policiais, praças, cinema comércios e shoppings, universidade, biblioteca, serviços de saúde, transportes e uma APAE. As oito restantes elencaram como características do território no entorno da escola prioritariamente fatores negativos, como: violência, desigualdade, pobreza, tráfico de drogas, vulnerabilidade social, poucos espaços de convivência e de lazer para as juventudes, poucos equipamentos culturais, falta de moradia digna, falta de emprego, falta de postos de saúde, transporte e infraestrutura precária, e informalidade no mercado de trabalho.
Em síntese, a maioria das escolas tem uma percepção de precariedade e vulnerabilidade relacionada ao território onde está localizada a unidade. Ainda que na zona rural, as escolas deste grupo também apontam para carências importantes como emprego. Esses dados mostram que as escolas estudadas estão situadas em territórios vulneráveis e que sofrem várias consequências da desigualdade econômica e da iniquidade.
Protagonismo juvenil e autonomia
Por meio da pesquisa nas escolas, pode-se perceber que o protagonismo juvenil e o incentivo à autonomia são entendidos de muitas formas diferentes. Com exceção de duas das 15 escolas, para as quais se afirmou que a participação de estudantes é “pequena” ou “muito controlada”, para todas as demais declarou-se incentivar o protagonismo de estudantes. Em três escolas, entende-se que a autonomia dos(as) estudantes se dá pela possibilidade de eleição de representantes ou “líderes de classe”, e do espaço para apresentarem “demandas”, “problemas e projetos”, tanto para gestores(as) quanto nos conselhos de classe. Em outras escolas, considera-se que estudantes são protagonistas por conta da possibilidade da realizarem eventos culturais, saraus, coletivos e grêmios.
Em mais quatro escolas, entendem que se fortalece a autonomia quando estimulam que estudantes defendam seus pontos de vista, “argumentem com clareza e de forma fundamentada”, posicionem-se quanto ao projeto político pedagógico ou mesmo “ajudem a pensar as matérias que irão trabalhar ao longo do semestre.” A atuação da escola Júlio França se dá nessa mesma direção, mas, de forma mais ampla, como mostra o trecho abaixo:
Onze das 15 pessoas entrevistadas afirmaram que o corpo docente de suas escolas tem conhecimento dos saberes prévios dos(as) alunos(as). Já 10 entrevistadas consideram que os(as) estudantes participam muito das decisões tomadas pela escola e também participam do conselho escolar. Quanto à participação de estudantes como avaliadores(as) em sua educação escolar, três escolas responderam negativamente e quatro entenderam o processo de avaliação dos(as) alunos(as) como ainda limitado, ou que ocorria “com a participação deles em sala de aula” ou no “conselho escolar”, ou ainda pelo fato de serem sempre questionados pela diretora se gostaram ou não de tal ou qual atividade. Não foi relatada uma atuação ou momento específico para a avaliação. Já outras setes afirmaram que estudantes avaliam a escola, a equipe e docentes regularmente, como explicitam as falas a seguir:
Ante o questionamento sobre a existência de um espaço de escuta “aberta”, em que estudantes poderiam falar livremente sobre qualquer assunto, as pessoas entrevistadas de todas as escolas entenderam que os espaços disponíveis servem a esse propósito. Os espaços indicados foram: conselho de classe, conselho de escola, grêmios, reunião de representantes de classe, “portas abertas” da gestão, blog, página do Facebook, grupo de whatsapp, caixa de sugestões, entre outros.
(CIEJA Campo Limpo, SP)
A presença de um(a) tutor(a), mentor(a) ou outro(a) profissional docente ou não-docente que auxilie estudantes a refletir sobre sua vida privada ou a formular um projeto de vida foi referida em oito das escolas pesquisadas: com maior ou menor espaço, em disciplinas específicas ou por meio da atuação de um(a) dos(as) professores(as), um momento específico é destinado ao planejamento pessoal na escola.
Por fim, sobre exemplos de ações protagonizadas por estudantes nas escolas pesquisadas, foi elencada a presença dos grêmios estudantis, assembleias, saraus e apresentações, coletivos (feminista, étnico-racial) e diferentes projetos, como: incentivo à leitura (distribuição de livros e estantes pela escola), evitar desperdício de comida, criação de área verde e de um espaço para jogos, melhorar a rádio, realizar um mutirão de limpeza ou regar as plantas do sistema agroflorestal (na Escola Tuxaua Luiz Cadete). Além destas, estudantes propuseram um sistema de monitoria – para auxiliar colegas que estavam com dificuldades em aprender – que foi adotado pela escola e a ideia da “criação das células de estudo”, na qual os jovens têm autonomia para estudar coletivamente determinado tema e contam com o apoio docente para este exercício.
As conclusões do estudo podem ser sintetizadas em três grandes eixos.
A ação dos gestores foi um ponto de partida da pesquisa, já que entendemos que é a gestão escolar que vai planejar, articular parceiros, priorizar enfoques, alocar recursos na unidade escolar, cuidar do diálogo com as comunidades e com os educadores e educadoras. Para o desenvolvimento integral e valorização da equidade no Ensino Médio, a gestão deverá ter o centro de sua ação nos estudantes, em sua multidimensionalidade. Os gestores e as gestoras precisam estar atentos às práticas de gestão democrática, pois é somente a partir dela que estudantes, individualmente ou em grupo, terão a escuta necessária para terem suas necessidades reconhecidas.
Um segundo aspecto que despontou do estudo é a necessidade de se garantir a manifestação da diversidade na escola, em todas as suas dimensões. Uma escola sem preconceitos, racismo ou qualquer forma de discriminação é fundamental para que identidades e diferenças possam se manifestar de forma equilibrada. Tal perspectiva deve incluir ainda a diversidade de interesses, que é tão pouco valorizada pelas nossas escolas, em geral homogeneizadoras em suas práticas, especialmente as curriculares.
Por fim, a valorização da autonomia e do protagonismo dos jovens foi um terceiro ponto que se destacou do estudo, indicado tanto pela produção bibliográfica quanto pela experiência das escolas. A atenção à autonomia, manifestada no incentivo ao estudo em grupo ou individual, na autoavaliação e no protagonismo de jovens em relação a seus projetos de vida são cruciais para o desenvolvimento de seres humanos em sua plenitude.
Ao mesmo tempo, o estudo indica algumas perspectivas para o trabalho da gestão escolar, a ser fundamentado, por sua vez, em políticas públicas estruturantes. Assim, a atuação sistêmica da escola pela equidade, assumindo o reconhecimento das identidades, características e necessidades dos estudantes como ponto de partida para todas as ações – pedagógicas e administrativas . O cânone escolar, fundamental nesta construção, deve estabelecer, então, vínculo direto com a realidade destes sujeitos, a partir de seus próprios saberes e desejos de aprendizagem.
Por fim, é necessário o investimento na formação dos educadores para o fortalecimento das práticas educativas em uma perspectiva solidária, democrática e emancipadora.
Notas de referência
1 Os critérios utilizados para selecionar as escolas e o conceito de educação integral que norteou a pesquisa serão apresentados na sequência do estudo.
2 As dimensões do desenvolvimento integral são categorizações com o objetivo de apoiar a compreensão das pessoas sobre o tema. Alguns autores consideram também as dimensões política, ética e espiritual/transcendental. Neste estudo, utiliza-se a categorização do Centro de Referências em Educação Integral, em que estas últimas são compreendidas como parte das dimensões social e simbólica.
3 Centro de Referências em Educação Integral, Educação Integral: Na Prática. Ponto de Partida, 2015, disponível online.
4 Os estados escolhidos para o estudo foram Ceará, Goiás, Pernambuco e São Paulo. Foram analisadas suas políticas para, incluindo programas de educação em tempo integral e formação profissionalizante. Disponível online. Consulta em: 17 jul, 2016.
5 CENPEC. Ensino médio, qualidade e equidade: avanços e desafios em quatro estados: CE, GO, PE e SP. Resultados preliminares. Disponível online. Acesso em 17 jul, 2016.
6 Artigo 205.
7 Artigos 29, 34 e 87.
8 Deve-se levar em conta que algumas expressões em inglês “desorientam” as buscas, como é o caso de “integral part of the curriculum”, o que explica a diferença drástica entre o número de artigos encontrados originalmente e os selecionados para análise. Outro ponto que contribuiu para o recorte foi o aparecimento de centenas de registros que abordavam apenas a saúde física do jovem na escola e, para isso, o termo integral é frequentemente usado, já que pensar sobre o corpo é pensar “o ser humano de forma integral.” Da mesma forma, “problemas” relacionados às juventudes (drogas, violência, gravidez precoce) inspiram estudos (school-based studies) ou programas “aplicados” (implemented programs) que apenas fazem da escola um lugar conveniente de testagem, diferindo de ações educacionais ou escolares. Ou ainda, registros que propunham abordagens na perspectiva da psicologia (desenvolvimento emocional ou comportamental), em artigos que não necessariamente partilhavam das concepções de educação integral que direcionam esta pesquisa.
9 A pesquisa tinha como meta identificar 30 experiências. Contudo, como apresentado a seguir, não foi possível alcançar o objetivo proposto.
10 Escolas que ofertassem apenas o Ensino de Nível Técnico não foram consideradas. Em escolas com ambas as modalidades, foram consideradas apenas as que tivessem o Ensino Médio ou Ensino Médio integrado ao Técnico.
11 A equipe responsável pelo levantamento de material jornalístico se encontra em São Paulo (SP).
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