Reportagens

Do CAOS ao SONHO: a reviravolta possível das escolas

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Por Cristiana Berthoud
Secretária Municipal de Educação de Tremembé (SP)

Sou a pragmática mais sonhadora que conheço e, uma otimista incorrigível, apesar de recorrentes crises de pessimismo. Sonhos e caos convivem harmoniosamente, até porque assim é a essência de tudo. Não pode existir um lado sem o outro. E, um dia desses, quando ouvi da Tereza Perez do CEDAC (1) a expressão: “não temos que voltar para a escola que fechamos, temos que fazer uma REVIRAVOLTA NA ESCOLA” (SIC), meu otimismo incorrigível se iluminou. Enxerguei possibilidades em meio ao caos que estamos vivendo e em meio às disputas intermináveis por certezas que ninguém tem; abrir, fechar, reabrir, o que fazer? DAR A REVIRAVOLTA!

Em meio a esta crise sem precedentes, temos a oportunidade, também sem precedentes, de produzir profundas transformações na Escola. Não percamos essa oportunidade! Conclamo a todos os professores, gestores, familiares e alunos das escolas públicas brasileiras, neste momento, para fazermos uma grande REVIRAVOLTA na Escola. Vamos mudar e mudar para melhor. 

As salas de aulas foram escancaradas, o professor nunca se viu tão exposto. Para quem aprendeu que deveria se proteger fechando a porta de “sua sala de aula”, estar hoje em vídeo, em uma plataforma virtual, exposto, é o mesmo que estar desnudo. E, corajosamente, cada professor que ama o que faz neste país, seguiu se transformando. Em youtuber, locutor de rádio, professor itinerante, o que fosse necessário para alcançar seu aluno. Sem políticas públicas, sem verbas especiais, sem treinamento, cada professor se reinventando por puro amor a seu aluno. ORGULHO DE SER PROFESSOR! 

E o improvável está acontecendo: a Educação não parou! Cada professor está provando que não são as paredes da escola que fazem dele um professor! Portanto, a Escola está acontecendo para além dos muros da Escola. Por outro lado, agora está claro o quão despreparada e desamparada cada escola estava. O quão pouco inclusiva e equitativa cada escola realmente era. E por estar tão despreparada, a Escola não está chegando a todos os alunos. Estamos abandonando multidões de alunos, por nosso profundo desinteresse, como sociedade, na formação das futuras gerações. Escola pública abandonada pela classe média, por muitos governantes, relegada ao plano de “assistencialista”, está fracassando na garantia ao direito de desenvolvimento pleno de muitos.

E falhamos como nação quando não garantimos isso. E podemos sim, corrigir isso, valorizando e apoiando cada professor, cada família, cada aluno, cada escola. As comunidades podem abraçar suas escolas. Os territórios educativos podem, finalmente, agora sem muros e amarras, se constituírem como referências de desenvolvimento do cidadão.

Utopia? Não! SONHO! E sonho com planejamento, com ação, com resiliência, se chama TRANSFORMAÇÃO. Também conhecida como REVIRAVOLTA! 

Caminho árduo, longo, que precisa começar a ser trilhado pela nação brasileira. Já não era sem tempo.

Todo professor, lá no fundo, sabe que há algo de muito errado em nossas escolas e com nossa Educação Básica. Nossos alunos não aprendem o que deveriam, as avaliações externas internacionais colocam o Brasil entre os piores. O que estamos fazendo de errado?

Talvez a resposta não seja o que estamos fazendo, mas, sim, o que NÃO estamos fazendo. Não estamos trabalhando em parceria com a família, não estamos considerando a cultura do território do aluno, não envolvemos a comunidade, não cobramos os governantes, não lutamos por verbas, equipamentos e infraestrutura digna, não damos acesso. Não entramos no mundo digital em pleno ano de 2020. Certamente não é o que fazemos que dá errado, mas o que está errado é tudo que nos falta. E que a Pandemia desnudou. 

Não percamos a oportunidade que a crise nos traz!

Uma escola que se considere e que consiga se ver e ser vista como referência, como “ítem de primeira necessidade”, como equipamento social essencial de cada família, de cada comunidade. Uma escola que seja respeitada pelos governantes, que trabalhe intersetorialmente e em parcerias. Sem muros. Sem currículos paralisantes. Capaz de escutar e olhar para seu território e, tal qual o camaleão, se mesclar nas características essenciais de seu entorno. 

Aprendemos muita coisa durante esse forçado “ensino remoto”. E muitas dessas ferramentas podem se tornar a base dessa escola transformada. O que levamos dessa experiência?

Crianças brincando e aprendendo na natureza

Ensino remoto

Aprendemos que existe sim, aprendizagem, fora da sala de aula. Em casa, vivendo a rotina às vezes difícil de suas vidas, com ou sem mediação de tecnologia, muitas vezes na solidão, os alunos aprenderam. E se desenvolveram!

Escolas que foram sensíveis e trabalharam com currículos vivos, não se paralisaram e aproveitaram toda a experiência “no” e “do” Território do aluno, souberam promover seu desenvolvimento.Não se deixar paralisar por currículos engessados. Uma grande aprendizagem que devemos levar.

Professores flexíveis, com mais autonomia e conectados às necessidades do aluno, produziram também alunos mais autônomos. Uma aprendizagem que devemos levar.

O ensino a distância tem que ser utilizado para sempre, pelo seu imenso potencial de estar presente na vida do aluno o tempo todo, o ano todo. Uma forma que nunca exploramos antes, uma aprendizagem que devemos levar.

Solidariedade nas equipes

Uma das boas heranças dessa crise para as equipes escolares é, sem dúvida, as oportunidades de trocas de experiências  onde os professores mais experientes ensinam os menos experientes. E esta é uma ferramenta que, sem dúvida, temos que levar.

Proximidade com as famílias

John Bowlby (4), psiquiatra inglês e criador da Teoria do Apego, tem uma frase muito profunda que diz “Se quiser cuidar bem de uma criança, cuide do adulto que cuida dela”. Durante esta pandemia, as escolas e professores se viram em uma situação muito inusitada na qual o diálogo e uma relação de grande proximidade com as famílias foram a tônica. Da noite para o dia as famílias se transformaram na única forma de acesso aos alunos. O que trabalhamos anos, sem muito sucesso, para construir – uma escuta genuína entre família e professores –, o fechamento das escolas provocou repentinamente.

Uma pesquisa feita pela Fundação Carlos Chagas em parceria com a UNESCO e Itaú Social (5) mostra que, para quase a metade dos professores pesquisados (45,6%), a relação entre famílias e professores melhorou. Apesar de todas as dificuldades, a maioria dos professores reconhece que hoje se sente mais próximo das famílias, entende melhor as condições de vida de seus alunos. Grande efeito colateral positivo da pandemia. Uma ferramenta para levar.

Na REVIRAVOLTA da escola, é imprescindível o exercício do diálogo próximo entre famílias e escolas. A escola tem que reconhecer os potenciais da família e, em especial, dar a ela o lugar que merece: os pais são os principais e eternos professores de seus filhos. Eles são um precioso recurso que nós, professores, fomos erroneamente ensinados a deixar para “fora dos portões”. Não há desenvolvimento pleno do aluno sem a participação da família. Não há trabalho no território educativo, desconsiderando o primeiro e tão influente território social da criança; sua família. Não há Educação Integral sem participação ativa da família, na comunidade e no território.

Só há ganhos no diálogo e no trabalho colaborativo entre família e escola, mas, para isso, a escola precisa ter a família como um VALOR da Educação. O programa FAST (Families and Schools Together) foi criado com esse propósito há 30 anos nos USA, hoje está presente em mais de 20 países, inclusive no Brasil. No município de Tremembé, SP, a experiência é muito bem-sucedida em todas as escolas. Baseado em evidências científicas e em valores, as estratégias fazem com que família e escola trabalhem unidas em benefício do melhor desenvolvimento possível de cada aluno. Como é feito pelo coletivo da comunidade também fortalece muito o capital social no território. Esse é apenas um exemplo de iniciativa, existem muitos outros bons projetos que podemos levar. O importante é fortalecer e vincular família e escola.

Todo lugar é lugar de aprender. A escola sem muros, em qualquer lugar

Muitas publicações nos últimos meses, têm ressaltado a importância da descoberta de espaços alternativos das cidades, que possam ser ocupados pelas escolas. Uma estratégia eficiente, já usada muitas vezes na História, durante crises onde aglomerações não eram saudáveis. Para além da Pandemia, que a escola se reconheça como um movimento, uma potência, um processo que se dá na relação entre pessoas, independente de espaço físico, é, talvez, a maior aprendizagem que devemos levar dessa crise. Uma ferramenta a ser pensada por cada comunidade com muito carinho. Uma preciosa ferramenta para a REVIRAVOLTA da escola.

Temos muitas ferramentas com as quais trabalhar! Mãos à obra!

Eu, como já disse ao início, vivo e convivo com os opostos, com a dicotomia. Assim, há dias nos quais quero imediatamente abrir as escolas e há outros em que desejo que continuem sem alunos. Há bons argumentos de ambos os lados. Entretanto, temos hoje mais incertezas do que certezas.

Mas uma certeza eu tenho: na verdade, nunca deveríamos ter fechado nossas escolas. Sim, os alunos e professores deveriam ter sido colocados em quarentena, nos piores momentos de contágio em cada cidade, para se protegerem da Pandemia. Mas nossas escolas deveriam ter ficado abertas, em um grande esforço intersetorial nos municípios para garantir o direito de seus cidadãos. Escola como referência, escola como serviço essencial. Não poderia ter sido fechada. Deveria ter sido apoiada, coberta de reforços humanos e materiais, para cumprir seu destino: proteger, garantir direitos. Oferecendo acolhimento às famílias, assistência, informação, orientação, proteção, acesso, alimentação! Quem sabe no futuro, quando outra Pandemia vier (porque virão), estejamos mais preparados, mais convencidos da importância da escola e tão seguros de sua essencialidade que não ousaremos fechá-las. Até porque elas nem terão muros e portões. Serão propriedades das comunidades, equipamentos públicos respeitados e cuidados por todos.

Vamos reler atentamente o Artigo 205 da Constituição Brasileira:  A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Não precisamos de mais nada, apenas cumprirmos o que diz a Constituição brasileira.

REVIRAVOLTA JÁ! 

  1. Tereza Perez, comunicação pessoal, setembro de 2020. Perez é Diretora-presidente da Comunidade Educativa CEDAC.
  2. https://news.harvard.edu/gazette/story/2020/04/the-pandemics-impact-on-education/. Acessado em 18/09/2020
  3. https://undime.org.br/noticia/10-09-2020-09-48-pesquisa-revela-que-96-das-redes-municipais-de-educacao-estao-realizando-atividades-nao-presenciais-com-os-alunos-durante-a-pandemia. Acessado em 11/09/2020
  4. Bowlby, John. Formação e Rompimento de Laços Afetivos. Martins Fontes – selo Martins; 5ª Edição, 2015.
  5. https://www.fcc.org.br/fcc/wp-content/uploads/2020/06/educacao-pandemia-a4_16-06_final.pdf. Acessado em 21/09/2020

Comentários:

  1. Prof. Dra Cristiana, parabéns por ser trabalho, carinho, crença e dedicação com a aprendizagem escolar, muitos sucessos.

  2. Apesar de ser um Sonho é uma real possibilidade de concretização. Muito lúcida ao entender o que realmente precisamos fazer para (re) construir uma Educação perdida a décadas. Obrigado.

  3. Cristiana, que espetáculo de reflexão. Precisamos de todos lutando juntos para que este sonho se torne real. Afinal essa é a escola que sonhamos é que tb acredito que é possível.

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