Confira as principais dúvidas sobre a implementação de programas de Educação Integral em tempo integral
Colocar em prática um programa de Educação Integral em tempo integral em uma rede escolar demanda repensar toda a estrutura e funcionamento das unidades e do quadro de funcionários. Como garantir financiamento? O que fazer no tempo a mais que os estudantes ficarão na escola?
Para responder a estas e outras perguntas, ouvimos Fernando Mendes, gestor do Centro de Referências em Educação Integral. Confira abaixo as principais dúvidas em torno da execução de programas de Educação Integral com jornada estendida:
1.Qual a diferença entre Educação Integral e educação em tempo integral?
A Educação Integral é um princípio de Educação, comprometido com o desenvolvimento do país, da sociedade, da vida, respeitando a multidimensionalidade da constituição da existência.
A Educação em tempo integral é uma modalidade. No tempo integral cabe tudo, porque é um caminho multicamadas, inclusive a Educação Integral, comprometida com o desenvolvimento do sujeito, da sociedade e do mundo.
2. Para que serve mais tempo na escola?
O tempo expandido na escola tem como compromisso garantir outras oportunidades educativas para promover o desenvolvimento integral do sujeito. É pensar em quais outras linguagens, possibilidades de interação, acessibilidade aos serviços e políticas públicas podem favorecer o desenvolvimento integral.
Nisso, a Educação Integral não pode se comprometer com a cisão entre a escola dos conhecimentos historicamente construídos e a escola das oficinas de artes, capoeira e outras atividades do contraturno. Esse é um modelo que já experimentamos e que não reflete os anseios e compromissos que a Educação Integral promove.
Por isso, um currículo integrado agrega saberes que fazem parte do cotidiano e da vida, do território, as múltiplas linguagens, os saberes ancestrais, os compromissos com a biodiversidade e a proteção ambiental. Tudo isso vai atribuindo sentido a tudo que já produzimos historicamente enquanto conhecimento.
Mais tempo na escola também exige pensar em como organizar a oferta dessa modalidade a partir de um olhar comprometido com a equidade. Isso importa para não oferecermos mais para quem tem mais e promover ilhas de excelência, que trazem mais desigualdades.
3. Qual deve ser a participação das escolas e das comunidades na implementação de um programa de Educação Integral em tempo integral?
A política de Educação Integral precisa ter como nascedouro a escola. É a partir do olhar para as especificidades do território, dos estudantes, dos saberes locais, que se constrói sentido sobre os compromissos que essa Educação Integral precisa assumir para a formação desse sujeito, bem como a corresponsabilização por sua realização.
O papel da comunidade escolar, então, é pensar como essa política vai ser viabilizada e as condições que precisam ser asseguradas. Os órgãos centrais atuam como reguladores e viabilizadores, bem como guardiões da equidade entre as escolas.
Só quando escolas e comunidades forem protagonistas no processo de construção, implementação, avaliação e monitoramento das políticas de Educação Integral é que ela pode dar conta das especificidades de todas as escolas do território nacional e ser aderente e ter sentido.
4. Como garantir financiamento?
Esse é um desafio significativo no atual contexto de austeridade econômica, agravada pelas desigualdades históricas do Brasil, e isso tudo reflete na arrecadação dos recursos para a Educação.
A Educação precisa de novas receitas, mas nos cenários de austeridade podemos pensar em uma articulação intersetorial. Como as políticas de Educação, Saúde, Assistência, Esportes, podem se conjugar na implementação de uma política de Educação Integral? Como cada um pode contribuir?
Também existe o VAAT e o VAAR, estratégias do Novo Fundeb. Eles estabelecem novas condicionalidades que podem estar atreladas aos signos da Educação Integral, como o processo de participação na escolha do diretor e a existência de critérios objetivos para discutir relações étnico-raciais na escola. Isso contribui para que os recursos possam ser atrelados à construção de políticas de Educação Integral nos municípios.
5. Como adequar o corpo docente para atuar em tempo integral na escola?
Não há uma receita, mas é importante que a questão objetiva sobre organização do quadro seja acompanhada por uma reflexão mais aprofundada.
Qual é o papel desse indivíduo? Qual compromisso a escola e a rede têm para que esse profissional consiga traduzir no seu processo os signos da Educação Integral? Como pensa a organização e a formação continuada desse quadro considerando os tempos e processos de cada escola e suas diferentes atribuições?
As escolas também precisam ser pólos de formação dos professores, de produção de conhecimento sobre essa formação, para que eles possam implementar políticas de Educação Integral, pensar uma atuação mais interdisciplinar e valorizar o conhecimento do território.
A escola precisa assegurar um espaço de formação e produção do conhecimento para que os educadores tenham condições e se sintam confortáveis com as condições necessárias para implementar essa política, contando com a parceria de um coordenador pedagógico mais experiente. Isso difere da ideia de formação massificada, pontual, sobre temas pontuais, com a entrada de agentes externos.
6. Quais condições de infraestrutura são necessárias para ofertar o ensino?
Se queremos que um currículo seja territorializado, que ele traga conhecimentos da comunidade, é incompatível que ele aconteça enclausurado em uma sala. Então é preciso pensar uma articulação territorial e a utilização de espaços para além da escola para a produção desse conhecimento.
É se organizar nas associações de moradores, utilizar quadras disponíveis na comunidade, se apropriar das praças, parques, também trazendo a noção de uma cidadania, do direito ao uso dos espaços e da preservação do meio ambiente.
7. Como lidar com a alimentação escolar na educação em tempo integral?
A organização do tempo expandido se vincula a uma reflexão de condições de permanência e uma delas é como a escola estrutura programas de alimentação que respondam às necessidades da permanência e aprendizagem.
Isso ganha ainda mais centralidade pelo fato de estarmos em um contexto grave de insegurança alimentar. As crianças e adolescentes têm menos probabilidade de aprender com fome, então não é uma concessão feita pela escola, mas uma condição necessária para o processo de aprendizagem.
Precisamos retomar o investimento em programas de alimentação, bem como o percentual do investimento dos recursos da alimentação escolar para a produção da agricultura familiar.
Alimentação na escola também é currículo, então é fundamental discutir a alimentação vinculada à reafirmação das comunidades tradicionais, das culturas, e pensar na questão do afeto e, ao mesmo tempo, da dimensão da responsabilidade ambiental. A alimentação diz sobre o entendimento sobre si, seu corpo, sua terra, sobre quem produz e quem consome.
8. E como fica o transporte escolar na educação em tempo integral?
A Política Nacional de Transporte Escolar (PNATE) conseguiu colocar em marcha a discussão sobre não adiantar ter só ônibus, mas também o barco, a voadeira e o ônibus com tração, e novas rotas que considerem os estudantes que ficam na escola por mais tempo.
No entanto, seja pela cheia do Amazonas, seja pela questão da chuva no extremo Norte do país, as respostas não são suficientes. Há comunidades ribeirinhas e indígenas no Amazonas que padecem da questão da flutuação do valor do querosene para as embarcações e valor do PNATE está aquém dessa necessidade.
É preciso um fortalecimento do regime de colaboração e da escuta das especificidades, especialmente dessas comunidades, para não pensar políticas de transporte escolar muito voltadas para o viário, para as estradas, mas que considerem também outras especificidades.
9. Como garantir condições de permanência para os estudantes na educação tempo integral?
Muitas redes têm colocado a política de Educação Integral sem um diálogo profundo com os estudantes e as famílias, e isso ignora fator importante: muitos estudantes têm um comprometimento grande com o trabalho para ajudar no sustento das famílias. Isso tem provocado evasão e ilhas de desigualdade, porque ficam na escola os que têm mais condições de permanência.
A saída é fazer uma escuta e uma construção coletiva a partir de um diálogo muito profundo com a comunidade, tentando atribuir sentido e articulação com outras políticas, por exemplo, para garantir algo de complementaridade financeira a essa família para que o estudante possa permanecer e experimentar essa política.
10. Como garantir a implementação do programa de Educação Integral em tempo integral forma equitativa entre as unidades de uma mesma rede?
A Secretaria precisa fazer um pacto com a gestão democrática, porque todos os atores devem participar e poder dizer de suas especificidades, por isso não pode acontecer na verticalidade.
Pode haver uma escola em região central que carece de uma determinada perspectiva diferente das que estão mais nas periferias dos municípios, por exemplo. A Secretaria precisa ofertar aquilo que é necessário a partir das especificidades desses territórios.
Podem ter questões de trabalho, renda, insegurança alimentar. Aí é oferecer condições diferenciadas para que eles possam assegurar o direito à Educação para todos.