publicado dia 09/09/2014

Física: a ciência que explica o universo não pode ser chata

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Folhas caindo das árvores. Pessoas apertadas em um banco comendo um picolé meio derretido. O Sol cruzando o céu. Uma bola de futebol rolando no gramado. Jovens andando de bicicleta. O que estas cenas têm em comum? Uma tarde no parque? Não, todas elas podem ser explicadas pela física. Apesar de estar presente na vida de todos, a física é comumente vista como vilã pelos alunos e, na escola, é sinônimo de fórmulas e abstração.

Diante deste panorama, aos educadores fica o desafio de aproximar a ciência da realidade, o que pode torná-la mais atraente aos alunos e garantir que os conhecimentos adquiridos sigam pertinentes e contribuam no desenvolvimento integral dos estudantes. Este desafio passa por mudanças no método de ensino e pela desmistificação da ciência como algo complexo e distante do cotidiano.

“Se quisermos mudar a realidade do ensino de física, a primeira coisa que devemos fazer é mostrar que ciência não é uma coisa que só os cientistas inteligentíssimos fazem, é algo que fazemos o tempo inteiro”, defende a física Madalena Godoy, que por nove anos lecionou em escolas. “É importante, em uma primeira conversa, problematizar a física, debatendo para que ela serve e explicando que ela está aí para explicar como o mundo funciona.”

Ilustração: Aleksandar Mijatovic/shutterstock

Ilustração: Aleksandar Mijatovic/shutterstock

Além da desmistificação da ciência como um todo, questionar as dúvidas e curiosidades dos estudantes para criar uma aula que dialogue com os interesses deles contribui para a aproximação. “É importante saber quais inquietações que aquele grupo de crianças, daquela idade e daquela escola tem. Para isso, é preciso saber ouvir. A partir do que os alunos querem saber é possível ir construindo as respostas”, relata Madalena.

Física com contexto

Realizar a conexão entre física e a realidade dos jovens é um dos objetivos do blog Física na Veia, mantido pelo professor Dulcidio Braz Jr e que busca “provar que física tem a ver com tudo”.  Durante a Copa do Mundo, o educador foi mostrar o que futebol tem a ver com a ciência. Questões como “por que algumas bolas na trave entram e outras não?” e “como pode uma bola fazer curva depois de chutada?” foram debatidas na página. Os limites da audição, o porquê da páscoa ser comemorada em dias diferentes a cada ano e o que é a “superlua” também foram temas explicados.

Uma enquete realizada pelo blog, ainda em andamento, revela um sentimento que pode ser comum a muitos que tiveram contato com a física apenas na escola. Cerca de 40% das pessoas afirma que gosta de física, mas tem muita dificuldade em aprender. Comumente baseado em fórmulas e abstrações, o ensino se torna muito árido para a maioria dos estudantes. Para Madalena Godoy isto ocorre, em parte, pela falta de formação de professores no conteúdo. “É comum que matemáticos ou engenheiros assumam as aulas e, para estas categorias, trabalhar com fórmulas matemáticas é muito mais fácil do que discutir o fenômeno que está por trás.”

A lacuna entre a física do mundo (presente no cotidiano) e o mundo da física (das fórmulas) é destacada pelo professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, Luis Carlos Menezes. “A física abstrata está muito distante do mundo real, e a física do mundo não entrava na escola, que ficava só nas fórmulas”, relata em entrevista a um grupo de alunos. Menezes fez parte, ao lado de docentes do Instituto e professores da rede estadual, do Grupo de Reelaboração do Ensino de Física (Gref). “Trabalhamos na criação de uma física que tivesse contexto, porque nas escolas medianas a física era um mero treinamento para o vestibular e, para quem não iria fazer a prova, ficava um aprendizado sem sentido.”

Imagem: Gref/Reprodução

Imagem: Gref/Reprodução

O Grupo, fundado em 1984, trabalhou na criação de materiais didáticos, na formação de professores e no desenvolvimento de materiais de apoio aos alunos para estudo. Disseminado pela rede estadual de ensino, o material pedagógico teve impacto positivo na aprendizagem da física. “Além disto, criou interesse e aquilo passou a fazer mais sentido na vida deles, senão é só um montão de fórmulas”, relata Menezes.

Curiosidade pelo mundo

Madalena Godoy ressalta que aproximar a disciplina do cotidiano dos alunos não significa tratar daquilo que está “fisicamente próximo deles”. “Não adianta falar do funcionamento da geladeira para um adolescente. O cotidiano é aquilo que está no imaginário dele”, aponta, ressaltando a importância do diálogo entre o educador e seus alunos.

O ensino da física, para além das fórmulas, implica em promover a compreensão dos fenômenos, a partir dos questionamentos dos alunos e de experimentações. Madalena cita o exemplo do ensino da gravidade que atende ao questionamento “porque as coisas caem?”. “Você pode responder que as coisas caem porque P=MG ou você pode responder que as coisas caem porque a terra exerce uma atração sobre os corpos e, a partir dos questionamentos que vão surgir, aprofunda-se o tema”, explica. “Então, aparece a possibilidade de introduzir a linguagem para representar; a fórmula representa a resposta para os questionamentos ao longo do tempo, sintetizando essas discussões.”

O uso de experimentações também é destacado como importante na construção de conhecimento pelos alunos. O livro Física Mais que Divertida busca apoiar professores com o desenvolvimento de experimentos didáticos de simples reprodução e baixo custo. Para o autor Eduardo de Campos Valadares, os experimentos são uma forma eficaz de despertar o interesse dos alunos. “É preciso dar espaço nas escolas à criatividade e à imaginação. Uma vivência criativa do conhecimento é, a meu ver, a melhor forma de apropriá-lo”, defende Valadares, também docente do Departamento de Física da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em entrevista ao Portal do Professor. “O conhecimento puramente livresco não é incorporado. Serve apenas para fazer provas e nada mais.”

A Ciência para além da sala de aula

Alguns programas e apresentadores toparam o desafio de aproximar a física do público em geral. Com linguagem simples e instigante, as iniciativas fizeram sucesso e marcaram época. Na década de 80, o programa Cosmos, apresentado pelo físico Carl Sagan conseguiu traduzir questões da física para grandes audiências e obteve grande repercussão. Com apenas 13 episódios, a série durou três anos e, em 2014, ganhou uma nova versão chamada de Cosmos: Uma Odisséia do Espaço-Tempo.

Beakman defendia que toda criança tem que experimentar para viver a ciência. Foto: Reprodução

Beakman defendia que toda criança tem que experimentar para viver a ciência. Foto: Reprodução

Os experimentos também fazem sucesso com o grande público. Para quem foi criança na década de 90, o Mundo de Beakman foi uma grande referência. Com a assistência de um rato gigante, o professor Beakman conduzia experiências em seu laboratório.

Com a disseminação da internet, ganharam espaço vídeos e experiências feitos por qualquer pessoa.  No site YouTube, uma imensidão de vídeos ensinam experiências que podem ser realizadas facilmente. Em um dos maiores em português, o Manual do Mundo, é possível descobrir como fazer uma bolha de sabão gigante ou um mini robô.

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