publicado dia 20/09/2013

Educação no sistema socioeducativo ainda é um desafio no Brasil

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A história brasileira mostra que crianças e adolescentes apenas passaram a ser considerados sujeitos de direito em 1990, com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Assim como o ECA, a Constituição Federal de 1988 também foi um importante instrumento de garantia de direitos, trazendo artigo que torna a educação um direito universal e obrigatório.

Esse direito, porém, ainda é um grande desafio quando observado no sistema socioeducativo brasileiro, uma vez que, para cada estado, as medidas socioeducativas são gestionadas por diferentes órgãos. Desse modo, os modelos de financiamento, estruturação do sistema e seus resultados passam a depender da instituição gestora onde as medidas são promovidas.

Com o intuito de transformar esse cenário, foi promulgado em 2012 a lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), que nasceu a partir das premissas do ECA, com o objetivo de regulamentar as medidas socioeducativas em todo o território nacional.

“O sistema socioeducativo criado pelo ECA tem como objetivo promover uma forma desse jovem  reconstruir o seu processo de vida, que foi marcado por um rompimento. Reorganizar a vida desses adolescentes é o grande desafio das unidades”, aponta o coordenador geral do Sinase, Claudio Vieira.

A lei prevê um sistema de articulação entre diversas secretarias, como a de Educação, Saúde, Assistência Social, Cultura, Esporte, Justiça, com o intuito de promover o desenvolvimento integral desse sujeito, preparando-o  para seu retorno à sociedade.

Assim, a interdisciplinaridade dos conteúdos escolares com os artísticos, culturais e ocupacionais aparece como uma das premissas para alcançar resultados positivos, com a possibilidade, inclusive, de que a unidade socioeducativa abrigue também uma escola.

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Mas essa articulação ainda não é uma realidade em todo o país. De acordo com levantamento realizado pelo Conselho Nacional do Ministério Público, Um olhar atento às unidades de internação e semiliberdade para adolescentes, divulgado em agosto deste ano, ainda existem unidades de internação com salas de aula inadequadas, com baixa qualidade de iluminação e espaço e acervo para biblioteca.

“Os melhores resultados foram encontrados no Sudeste, onde, em 82,9% das unidades visitadas, as salas de aula foram consideradas adequadas, e no Norte, cujo índice é de 72,5%. Nas demais regiões brasileiras, Centro-Oeste, Nordeste e Sul, esse percentual gravitou entre 52% e 56%”, aponta o estudo.

Para além disso, são cada vez mais comuns as denúncias de maus tratos, violência e abuso de poder dos agentes educativos contra os adolescentes, inviabilizando o processo e as relações de ensino-aprendizagem. Na maior parte das unidades, mesmo com a presença de escolas, a efetivação da política desconsidera os adolescentes como sujeitos de direitos.

Segundo Vieira, o sistema socioeducativo atual ainda traz marcas do Código de Menores do passado, que garantia aos institutos a função de coerção e reclusão dos adolescentes. “Nós estamos passando por um período de transformação desse atendimento. E nesse processo contamos muito com propostas pedagógicas adequadas, que são um fator central para o desenvolvimento do jovem”, afirma.

Possibilidades e renovação

“As atividade artísticas, de exercício de concentração, por exemplo,  são todas constituintes de qualquer pessoa, que não podem ser eximidas do projeto pedagógico do jovem que está em medida socioeducativa. São atividades absolutamente essenciais, pois essas atividades que vão dar base para um ambiente seguro e acolhedor”, afirma Cláudio.

Nessa perspectiva, buscando a ampliação da oferta pedagógica às unidades, o Programa Mais Educação, do Ministério da Educação, contempla também unidades escolares de medidas socioeducativas. Exemplo disso é a Escola Estadual de Ensino Fundamental Bento Gonçalves, em Novo Hamburgo (RS), onde os estudantes realizam atividades culturais e esportivas em parceria com organizações da comunidade por meio do programa.

Durante quatro anos, Katerina Volcov, doutoranda da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) foi professora voluntária de Yoga em unidades de internação provisória e de internação permanente da Fundação Casa, em São Paulo.

Nesse período, conseguiu acompanhar quatro jovens de forma mais pontual. Com isso, aferiu, em uma das unidades onde esteve, que um dos maiores desafios é a conquista da confiança dos adolescentes por parte dos educadores. É necessário que haja uma constante formação do profissional de educação e demais funcionários dentro do sistema socioeducativo para que possam compreender os benefícios que as chamadas atividades extra-curriculares podem exercer sobre o processo de reinserção desse sujeito.

Para a pesquisadora de Direitos Humanos da Universidade de Brasília (UnB), Judith Zuquim, para que a educação dentro do espaço socioeducativo seja uma realidade, é importante que se garanta autonomia dessas escolas em relação às unidades que pertencem. “Uma vez a escola está empoderada nessa instituição, ela tem autonomia para desenvolver diversos modelos de educação”, aponta.

Segundo os especialistas, o Sinase ainda tem um longo caminho pela frente, indicando também a necessidade de que cada unidade repense seu processo educativo, garantindo não apenas a reintegração dos adolescentes à sociedade, mas o seu pleno desenvolvimento.

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