publicado dia 01/08/2014

Educação integral, suas linguagens e territórios: de quais desafios falamos?

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Um a um os alunos da Rede Marista de Solidariedade iam tomando seus lugares ao palco. Nos microfones, bateria, violão, órgão, ou nos passos de dança ensaiados, crianças e adolescentes foram protagonistas da primeira cena que deu abertura ao Congresso Marista de Educação Integral, na última quinta-feira, 31 de julho, em Florianópolis. A apresentação serviu para ilustrar a fala de Miguel Arroyo, professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, que, assim como os demais convidados, propôs reflexões sobre a temática da educação integral, suas linguagens e territórios.

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Alunos da Rede Marista de Solidariedade durante apresentação. Foto: Ana Basílio

Educação integral é isso que vimos. É uma expressão de uma educação literal, total, que dá conta de todas as dimensões do ser humano e que permite às crianças e adolescentes serem sujeitos de arte, cultura, com seus corpos”, definiu Arroyo. Para o educador, a proposta da educação integral deve ter como centralidade as várias “infâncias” e “adolescências” e suas demandas, e estas devem ancorar as intencionalidades pedagógicas.

A discussão sobre uma educação mais humana, que coloca o indivíduo como centro de seus processos, não é uma pauta recente, e nos leva ao encontro do esforço pedagógico de Paulo Freire (1921-1997), cuja teoria, amplamente citada no evento, já reconhecia a necessidade de processos educativos conscientizadores viabilizarem a libertação sobretudo das classes menos favorecidas.

Para Arroyo, recuperando Freire, mas avançando nas questões contemporâneas, há uma mudança na sociedade e uma pressão menos hierarquizada, fruto da percepção da educação como um direito concomitante aos demais, e não precedente. Ao passo que o direito a educação é colocado ao lado do direito à moradia, alimentação, aos territórios, e de tantos outros, se faz necessária uma concepção integrada à totalidade dos direitos humanos. “Os movimentos sociais vêm politizando a educação e, nesta dimensão, ela se amplia, se alarga, e diz de um direito que não se encerra na escola”, avalia o educador.

Embora o debate não se dê apenas na esfera escolar, há a necessidade de que cada unidade escolar possa mediar essa conduta, com clara compreensão dessas infâncias e adolescências em sua totalidade, “que não separam escola e trabalho e que lidam com a pobreza extrema”, desafia Arroyo mencionando, principalmente, a situação de grande parte dos alunos das escolas públicas do país. Com isso posto, surgem novos questionamentos: Como conduzir uma abordagem pedagógica que equalize todas essas questões? Quais dimensões se fazem necessárias em um currículo pautado na educação integral?

Vida fora das grades curriculares

Para alcançar uma abordagem educacional em consonância com os direitos humanos, o historiador e doutor em educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Jeferson Dantas, é categórico: “é preciso pensar no currículo e na escola sem o olhar de que o atendimento de crianças e jovens empobrecidos a partir de um olhar piedoso e clientelístico, o que só configuraria uma escola pobre para pobres”, condena.

Segundo os especialistas, o currículo deve justamente considerar o direito ao conhecimento, muitas vezes ceifado das infâncias e adolescências que chegam à escola e dialogar com outras experiências desses grupos, como as suas próprias características culturais e sociais. Nessa perspectiva, Arroyo defende como dimensões de um currículo de educação integral a intelectual, a cultural, ética e a formação para o reconhecimento e exercício diversidade de identidades.

Para ele, essas abordagens podem apoiar crianças e adolescentes a conduzirem posturas mais críticas e a realizarem leituras de suas próprias experiências. Exercício que, em sua visão, demanda uma mudança de proposta pedagógica. “Se espremermos nossos currículos, 80% deles não serve para nada. Há tanta vida fora das grades curriculares…”, critica o educador ao dizer da necessidade dos currículos sintetizarem a cultura antes mesmo dos saberes acadêmicos.

Essa perspectiva deve vir acompanhada de um outro entendimento do papel social da escola e, portanto, de um novo olhar para os sujeitos, espaços e docência. Para tanto, há desafios de outra ordem, defendidos pelo educador Jeferson Dantas. Segundo o especialista, é necessária uma articulação dialética e não dicotômica que considere a valorização dos professores, das famílias e das próprias crianças e jovens. “Queremos eles [famílias e alunos] como sujeitos dos processos escolares e os deixamos alijados das definições”, problematiza.

Dantas afirma então que as demandas da educação integral pedem planos políticos pedagógicos que problematizem as contradições e desafios das classes trabalhadoras, sem que haja dissonância da educação e trabalho; também prioriza a dedicação exclusiva do corpo docente nesse atendimento, a eleição democrática de gestores e uma relação escola e família pautada nos vínculos pedagógicos e afetivos.

Uma questão [de mudança] histórica

Crédito: Joshhh - Fotolia

Essas lacunas educacionais remetem à história do país, sempre pautada na dualidade, como avalia Dantas. “Sempre houve uma escola para os filhos dos trabalhadores e uma para os filhos das elites dirigentes”, condena o educador ao atestar que a desigualdade social e concentração de renda sempre foram determinantes para o acesso à educação e a outros direitos. Para Dantas, as mazelas atuais são fruto da falta de enfrentamento do país a essas questões.

O educador faz uma leitura de que é preciso garantir não só o acesso aos bens educacionais, mas também aos de ordem simbólicos e culturais. “Por exemplo, quando olhamos para a cidade, quem tem, de fato, acesso a ela? Ela ainda é negada a um contingente significativo de crianças, jovens e famílias”. Para ele, é preciso promover esse apropriamento em todas as esferas para que se atinja a perspectiva da totalidade.

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