publicado dia 26/06/2018

Desenvolvimento integral de crianças imigrantes e política de encarceramento nos EUA

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Texto publicado originalmente no Portal Aprendiz, por Cecília Garcia

As políticas de Estado norte-americanas para controlar a entrada de imigrantes nunca foram tão explícitas quanto na divulgação de imagens e áudios nessas últimas semanas. Desde abril, cerca de 2.300 crianças imigrantes foram separadas de seus familiares na fronteira dos Estados Unidos com o México.

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Meninas e meninos de múltiplas faixas etárias estão sendo mantidos em centros provisórios, presos em jaulas e compulsoriamente separados dos pais. Alguns foram enviados para lares provisórios em outros estados do país. Segundo informações divulgadas pelo Itamaraty, dentre as crianças de variadas nacionalidades, 51 são brasileiras.

Equipe de Base Warmis – Convergência de Culturas é um coletivo formado por mulheres voluntárias, que tem por missão facilitar e estimular o diálogo entre as culturas, denunciando e lutando contra todo tipo de discriminação.

“É uma desumanização da pessoa imigrante e, principalmente, da criança migrante. Dela são tirados o direito a ser amparada, o direito à famíliae o direito à saúde. Essa é uma guerra que os Estados Unidos vêm empreendendo há muito tempo, mas que se acirrou no governo de Donald Trump”, afirma Elvira Riba Hernandéz, representante da Equipe de Base Warmis – Convergência de Culturas, coletivo de mulheres imigrantes que atua em São Paulo.

Aviltamento de direitos

A privação da liberdade de crianças e adolescentes e o compulsório afastamento de suas famílias fere uma série de tratados e convenção internacionais do direito da criança e do adolescente, inclusive a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, instrumento de direitos humanos ratificado por 196 países.

Ante as duras críticas, tanto nacionais quanto internacionais, o presidente norte-americano, pouco conhecido por recuar em sua rija política, revogou nesta quinta (19) a ordem que separa crianças de seus familiares.

Ainda não há, contudo, previsão de quando as famílias serão reunidas novamente. Como complementa Sam Serrano, cientista social e também do coletivo Warmis: “O grande problema é que não há prioridade para reunir essas famílias que foram separadas. Supostamente existem políticos estaduais que vão assumir esse trabalho, mas esse processo será difícil. As crianças e os pais tinham fichas diferentes. Vai ser difícil reunir, especialmente quando se leva em consideração que muitas crianças e esses pais nem falam espanhol. Já há relatos de crianças perdidas, ou crianças abusadas verbalmente, sexualmente e fisicamente”.

Abrigos de lona montados na fronteira entre méxico e estados unidos

Abrigo provisório nos Estados Unidos

Crédito: Reuters

Infância migrante: prioridade absoluta

“Para a criança e o adolescente, emigrar envolve passar por um processo de ruptura com pares, família estendida, escolacomunidadecultura e, muitas vezes, com a língua. Assim como os adultos, elas esperam encontrar melhores condições de vida e oportunidades no país de destino. Lidar com o contraste entre as expectativas de melhores condições de vida e a realidade trazida pelo processo de aculturação pode gerar angústia e ansiedade”, explica Thais La Rosa, articuladora comunitária do Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante (CDHIC).

Fundado em 2009, o Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante (CDHIC) é uma organização da sociedade civil que tem como objetivo promover, organizar, realizar e articular ações que visem à construção de uma política migratória respeitosa dos direitos humanos de imigrantes e pessoas em situação de refúgio.

“Emigrar pode ser uma experiência arriscada e perigosa para crianças e adolescentes, uma vez que há a possibilidade de serem expostos, ainda durante o trajeto, ao terror da exploração, coação, violência e isolamento”, adiciona. Dentre as consequências para as crianças separadas dos pais e/ou encarceradas, estão: ansiedade, depressão e transtorno de estresse pós-traumático.

“As áreas do cérebro responsáveis pelas respostas às situações que causam medo – a amígdala e o hipocampo – se desenvolvem de forma diferente nas crianças que sofrem traumas. Sendo assim, as experiências emocionais futuras destas crianças, isoladas dos cuidadores e mantidas em situação análoga a uma prisão, podem ser afetadas pelo resto de suas vidas”, explica Thais.

A articuladora do CDHIC complementa que a comunidade internacional deve rechaçar veementemente a separação e encarceramento das crianças e que todos os esforços agora devem ser concentrados na oferta de cuidados. “Não há como evitar que se imprimam marcas psíquicas em crianças e adolescentes que vivenciaram este trauma, mas há sim como oferecer cuidados para que o trauma possa, gradativamente, ser elaborado. O amparo familiar seria o cuidado de maior relevância neste momento. É importante que a família forneça o espaço para a comunicação sobre temas relacionados ao trauma vivido e ao luto de tudo o que foi deixado no país de origem.”

Outra medida pode contribuir positivamente para a saúde emocional e psíquica da criança migrante, aponta Thais, é garantir a construção de uma rede social local — amigos, professores, membros da comunidade de origem e destino — a qual a criança e o adolescente possam fazer parte.

Protesto em Los Angeles (EUA) contra a separação das famílias

Protesto em Los Angeles (EUA) contra a separação das famílias

Crédito: Eugene Garcia (EPA)

Política de encarceramento

Ainda que a repercussão internacional tenha sido massiva nos últimos dias, a política de tolerância zero contra a imigração não é recente. Segundo dados da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, os Estados Unidos são o principal país de destino do triângulo norte da América Central. Em 2014, quase 68 mil famílias imigrantes e 70 mil crianças não acompanhadas cruzaram suas fronteiras, levando a um recrudescimento da política migratória, ainda no governo de Barack Obama.

A privação de liberdade também integra a política migratória há algum tempo. Desde 2005, ainda que seja contra os alinhamentos internacionais de proteção à pessoa migrante, e em especial às crianças, a detenção das famílias é automática nos Estados Unidos caso o migrante esteja com a documentação irregular.

O que mudou da administração de Obama para a de Donald Trump é que antes todos os membros da família permaneciam juntos durante a retenção e, caso possuíssem família em solo norte-americano, era possível ficar com eles em liberdade durante o processo.

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