publicado dia 19/11/2015

Como as escolas podem debater tragédias e conflitos com as crianças?

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Engana-se quem pensa que as crianças não são capazes de fazer suas elaborações a partir de fatos cotidianos. Esta semana, o programa de televisão francês Le Petit Journal divulgou um vídeo em que um repórter pergunta a um garoto se ele entendia o que havia acontecido na França – em referência aos atentados de 13/11 – e por que algumas pessoas tinham feito aquilo. Com a mediação do pai, ele fala que foram pessoas más e que era preciso tomar cuidado e mudar de casa, já que elas andavam armadas.

Esse mesmo incômodo foi sentido entre os estudantes da Teia Multicultural, escola particular de educação infantil e ensino fundamental, localizada no bairro da Água Branca, em São Paulo. Uma das diretoras da instituição, Georgya Correa, conta que, embora pequenas para terem clareza total sobre as questões que vêm acontecendo no Brasil e no mundo, as crianças externavam angústia em alguns de seus comentários. “De maneira solta, a gente ouvia algumas falas sobre a França, sobre a lama [em referência ao caso do rompimento das barragens na cidade mineira de Mariana] e, há uns meses, também sobre o caso da criança síria encontrada morta em uma praia – deflagrando a questão dos refugiados que tentam chegar à Europa”, comenta.

A escola sentiu que, agora, era o momento mais que oportuno para fazer uso de um dos recursos empregados instituição: as assembleias. Chamado em caráter extraordinário, o encontro reuniu cerca de 100 crianças e seus tutores, para que, a partir dos conflitos, pudessem refletir e construir coletivamente aprendizagens, em diálogo com a etapa do desenvolvimento de cada uma delas.

No Teia Multicultural, as crianças participam de assembleias a partir de quatro anos de idade. Créditos: Divulgação

Como primeira estratégia, Georgya conta que foi retomado com as crianças qual era o objetivo de uma assembleia, para então fazer uma comparação ao modo como as relações se davam em outros lugares, sem possibilidade de participação e acolhimento às diferenças. “Perguntamos se eles se achavam diferentes das pessoas que estavam envolvidas nas situações de conflito e por quê”, explica a diretora.

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Crianças em atividade na escola. Créditos: Divulgação

Crianças em atividade na escola. Créditos: Divulgação

Para facilitar a compreensão por parte dos estudantes, a diretora conta que a equipe escolar lançou mão de exemplos bastante práticos do dia a dia, por exemplo, quando as próprias crianças colocavam as suas regras e precisavam cumpri-las, prevendo uma convivência pacífica. “Usamos o exemplo de quando fomos ao Guarujá para uma pesquisa de campo. Lá, elas frequentaram outros espaços, como a praia e restaurantes, conviveram com outras pessoas, como salva vidas e garçons, e tiveram que lidar com os desejos variados do próprio grupo, já que enquanto algumas delas queriam entrar no mar, outras não queriam”.

Georgya conta que quando questionadas sobre a relação deste evento específico com os demais que vêm acontecendo pelo Brasil e pelo mundo, as crianças conseguiram assimilar questões como a “importância do respeito às diferenças, à natureza, à religião e aos interesses de diversos grupos”.

“Reforcei com eles que na escola não vivíamos nada parecido porque conversávamos sobre os nossos conflitos e que isso era uma forma de nos avaliarmos a nós mesmos e também ao outro, percebendo as habilidades e pontos fracos de cada um e o que é importante para nós e para o próximo”, evidencia a diretora.

Uma questão de autoconhecimento

As assembleias gerais acontecem uma vez por semana na escola, têm duração média de uma hora e envolvem crianças a partir de 4 anos de idade. A ideia é que nesses encontros possam ser discutidas questões e conflitos que aparecem entre o dia a dia escolar. O corpo da assembleia – que compreende presidente, vice presidente, primeiro e segundo secretário, e primeiro e segundo escriba – é composto pelas próprias crianças, eleitas democraticamente no início de cada semestre.

Modelo de ata das reuniões das Assembleias. Créditos: Divulgação

Modelo de ata das Assembleias. Créditos: Divulgação

“O presidente e seu vice lideram a organização da assembleia, bem como as pautas que vão ser abordadas e o direito à fala durante as reuniões; os escribas cuidam de escrever no quadro os acontecimentos e os secretários cuidam das atas para que as resoluções sejam encaminhadas”, explica Georgya.

Ela ainda conta que como esses espaços gerais consideram o encontro de todos, também são feitas previamente assembleias menores para tratar de assuntos de escala menor, vinculados a cada turma, ou de uma com a outra. A diretora explica que caso as questões não se resolvam nesse modelo, a pauta é levada para toda a escola.

O recurso das assembleias faz parte de uma orientação para o autoconhecimento, eixo condutor do trabalho pedagógico da Teia Multicultural, segundo a diretora. Para além de um trabalho com os componentes disciplinares da Base Curricular Comum, a escola se centra nas Artes para trabalhar as potencialidades, dificuldades e a percepção de cada criança sobre si mesma e sobre o outro.

Com isso, os alunos da educação infantil e ensino fundamental I são orientados a trabalhar com artes cênicas para que, ao final do ano, possam apresentar uma peça construída coletivamente para toda a escola. Nesse percurso, elas contam com tutores – pedagogos que desenvolvem o trabalho em sala de aula – e também com especialistas que vão “amarrando” as aprendizagens a outras áreas, como música, dança, jogos e brincadeiras, inglês, judô, entre outras possibilidades. No ensino fundamental II, tem-se o mesmo processo, só que orientado para a produção de um filme.

Estudantes são estimulados a trabalharem coletivamente. Créditos: divulgação

Estudantes são estimulados a trabalharem coletivamente. Créditos: divulgação

“Não trabalhamos quase nada de maneira pontual na escola”, coloca Georgya falando da intencionalidade de buscar as aprendizagens no dia a dia. Quando questionada sobre o fato da escola operar de modo democrático, ela enfatiza: a escola democrática aparece como necessidade de um processo de desenvolvimento integral“.

A escola ainda é um espaço “adultocêntrico” e fechado à participação juvenil

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