publicado dia 25/07/2014

Pesquisadora relata desafios na ampliação da jornada escolar na Argentina

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O aumento da jornada escolar é apontado no Brasil e em muitos outros países como um horizonte a se chegar, com o objetivo de oferecer uma educação de qualidade às crianças. Se o objetivo parece muito claro, o caminho ainda é cheio de dúvidas. Quais atividades devem ser ofertadas? Como preparar a unidade escolar para receber os alunos por mais tempo? Quantas horas a mais as crianças devem ficar na escola?

Em nossa vizinha Argentina, o panorama não é diferente. Desde 2005, diversas leis determinaram a criação de uma política nacional de ampliação da jornada na educação primária. Com muitas dificuldades, o governo encampou a política. No entanto, em 2012, apenas 10% das matriculas do ensino primário eram em horário estendido.

Para auxiliar no debate e na construção dos possíveis caminhos, o Centro de Implementación de Políticas Públicas para la Equidad y el Crecimiento (CIPPEC – Centro de Implementação de Políticas Públicas para a Equidade e o Crescimento) e o Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef) pesquisaram as iniciativas já existentes em cinco províncias argentinas. Os aprendizados foram reunidos no livro “Novos tempos para a educação escolar” (em espanhol). Para a pesquisadora responsável Cecilia Veleda, codiretora do Programa de Educação do CIPPEC, “não existe uma política única de ampliação da jornada, é possível adotar modelos muito distintos”.

Em entrevista do Centro de Referências em Educação Integral, Cecilia fala das experiências que conheceu, os aprendizados de cada localidade e aponta caminhos para a construção de políticas que visem o desenvolvimento integral do indivíduo.

Centro de Referências em Educação Integral: O que havia de comum entre as experiências que vocês pesquisaram?

Estudo permite traçar pontos em comum e particularidades das experiências regionais (Imagem: Reprodução)

Cecília Veleda: Vimos uma espécie de tendência geral de passar de uma primeira etapa de jornada completa, quando se duplica o horário, e com ampla autonomia da escola para uma segunda geração de política de jornada ampliada, com mais regulação curricular e com uma maior orientação para o uso do horário. Isto ocorreu, por exemplo, na província de Córdoba, que adotava o primeiro modelo e no qual as escolas tinham amplos espaços de decisão, o que depois foi revisado e chegou-se a um segundo modelo que era mais restrito e mais orientado.

O que observamos é que quando as escolas têm plena autonomia para o uso do tempo suplementar há muita dispersão curricular e as propostas pedagógicas podem variar muito, inclusive dentro da mesma unidade. A experiência pode ser estimulante para os alunos, mas não ajuda a concretizar uma pendência que temos que é a da plena aprendizagem dos conteúdos fundamentais.

A política nacional sugere a abertura de novos espaços mais centrados nas aprendizagens fundamentais, para aprender de outros modos os conteúdos regulares. Por exemplo, com o uso de jogos matemáticos, para que o professor possa ensinar de forma mais lúdica os conteúdos abordados nas aulas.

CR: Para além do aumento da quantidade de horas é necessário garantir a qualidade dessa jornada ampliada. As diretrizes curriculares, que você já citou, são um caminho. Quais outras possibilidades para garantir a qualidade?

Cecília: É importante a seleção e formação dos professores e diretores. Primeiramente, é necessário garantir um forte compromisso por parte dos diretores: a política não pode ser compulsória, ela tem que ser desejada. Ela vai demandar mais trabalho por parte do corpo diretivo e vai exigir mudanças, com uma forte revisão das estratégias de ensino do nível primário. Isso pode levar a uma desestruturação positiva, que gere mais inovação.

Já para os docentes, temos duas estratégias. Uma é a própria capacitação e outra é a oferta de uma série de materiais para serem utilizados descrevendo muito precisamente quais atividades podem ser desenvolvidas.

CR: A partir das experiências que vocês conheceram, é possível traçar alguns modelos e padrões?

Cecília: Há alguns recortes centrais, a quantidade de horas que se amplia, os diferentes orçamentos e da organização escolar. A principal diferença no tempo é entre a jornada completa e a estendida. A jornada completa se sustenta na ideia de que é importante, sobretudo no caso de políticas focalizadas para a população mais vulnerável, manter a criança na escola. Imagina-se que se não tiverem a jornada completa, as crianças estarão sozinhas em casa ou sem acompanhamento. O lado negativo deste modelo é que é muito caro, e está dentro de um contexto em que ainda há o desafio de ampliar a oferta nos outros níveis de educação.

Já dentro do modelo de jornada estendida, há dois tipos. Um que aumenta em três horas, sendo uma para almoço e duas para aulas. E outro que aumenta uma hora a mais, com a jornada chegando a cinco horas. Neste caso não há necessidade de oferta do almoço, tornando-o mais barato, o que permite que seja adotado por mais escolas.

Outro recorte importante é na faixa etária em que a jornada estendida será aplicada. A Argentina prevê que seja aplicada no nível primário, mas com preferência para o segundo ciclo – que abarca as crianças de 9 a 12 anos. No Chile, o foco é no segundo ciclo. Já na Venezuela, isto vem desde o nível inicial.

Um efeito perverso da jornada completa é que por, em geral, ser um modelo focalizado nas escolas mais vulneráveis, pode gerar um estigma. Isto ocorreu em Córdoba, onde a escola de jornada completa passou a ser percebida pelas famílias como o “modelos dos pobres”.

CR: Como a ampliação da jornada pode ajudar na melhoria da aprendizagem?

Cecília: No estudo, pudemos perceber que quando o projeto está bem implementado, tem acompanhamento e quando os professores estão apoiado a extensão, o aumento do tempo serviu como grande oportunidade de renovação para os professores e para as escolas. Isto mudou o olhar dos alunos e trouxe mais entusiasmo tanto para eles quanto para a comunidade escolar. Com a jornada estendida, há a possibilidade de se trabalhar por meio de projetos, como limpar e remodelar a praça mais próxima, ensinando diferentes conteúdos, e fica mais fácil também investir em saídas pedagógicas para fora da escola.

Todas estas oportunidades de inovação geram motivação dos docentes e dos alunos e geram melhorias na aprendizagem. Nas avaliações, pudemos ver melhoras mas não proporcionais ao enorme investimento que demanda o programa. É necessário aliar todo este aspecto positivo, em termos de inovação, com a avaliação permanente e acompanhamento do trabalho das unidades.

CR: Como a ampliação da jornada escola pode ajudar a escola a lidar com as múltiplas dimensões das crianças, visando seu desenvolvimento integral?

Cecília: Acredito que esta seja uma política crucial. É indiscutível que na jornada simples é muito difícil abordar todas as questões que são previstas na educação primária – na maior parte do tempo, se concentra em língua e matemática, e as ciências naturais ou sociais ficam relegadas. A escola primária ainda foi incorporando outras temáticas como ensino de inglês e educação sexual, e é muito difícil abordar tudo isso em quatro horas.

A jornada estendida oferece uma oportunidade espetacular, sobretudo para as crianças mais vulneráveis, de desenvolvimento de outras habilidades. Pode haver a oferta de esportes, educação musical, o acesso a novas tecnologias e visitas culturais. É uma política paradigmática para abrir novos horizontes.

As escolas pode também incorporar o aspecto emocional das crianças. Pelo fato de compartilharem mais tempo com os professores de maneira mais informal, há um impacto positivo na criação de vínculos afetivos e com um atendimento personalizado. Assim, possibilita-se o desenvolvimento emocional e afetivo, dando mais atenção ao lado subjetivo da criança.

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