Como integrar e utilizar o potencial educativo das praças?

Publicado dia 15/03/2015

Desde os nossos antepassados gregos e romanos, a praça é reconhecida como um espaço de transmissão de conhecimento e cultura. Chamadas de ágoras na Grécia e fóruns em Roma, as praças eram um dos ambientes mais frequentados pela população, já que dali nasciam as mais diversas ideias e decisões sobre o coletivo.

Segundo Agda Sardenberg, coordenadora executiva e especialista em educação integral da Associação Cidade Escola Aprendiz, qualquer espaço público tem potencial educativo. Mas, a praça, – por sua característica aberta – tem um poder ainda maior. Por ser um local agregador de variadas tribos, grupos e pessoas, a praça permite a descoberta e resgate da memória, história e cultura locais.

É nela que toda a população pode estar sem pagar nada, aproveitando-a para se divertir, conversar, brincar no playground ou jogar dominó. Segundo Agda, estar na praça é mais do que ocupar um espaço público; é também um exercício de cidadania, pois tudo o que dialoga ou se expressa no espaço pode se tornar uma oportunidade de reflexão e de descobertas.

Crianças montam hortas no Parque das Corujas. Crédito: ProjetoCoruja

Crianças montam hortas no Parque das Corujas. Crédito: ProjetoCoruja

Crédito: ProjetoCoruja

A especialista conta que em uma das experiências do projeto Escola na Praça, coordenado pelo Aprendiz entre 2000 e 2012, que reunia crianças e educadores para estudar coletivamente temáticas do interesse dos educandos, um dos grupos decidiu estudar como as plantas cresciam e como funcionavam as hortas. Ao visitar e participar de atividades em praças da região da Vila Madalena, em São Paulo, o coletivo nomeado de“Jardimania” começou a estudar possibilidades de construção de hortas suspensas, já que as praças em questão não permitiam plantação em hortas convencionais.

No desenvolvimento desta atividade, as crianças puderam trabalhar os mais diversos conteúdos: em ciências, ao estudar as plantas e solo; em português, para redação e problematização do projeto; em história, para entender a configuração da praça como um espaço coletivo e público. Agda aponta ainda que, com o Jardimania, as crianças tiveram a chance se articular ao bairro, se aproximar dos moradores e até da Subprefeitura, para apresentar a proposta.

Praça é todo espaço público urbano destinado às pessoas, livre de carros ou construções.

Como muitas vezes as praças estão degradadas ou até abandonadas pelo poder público ou população local, elas acabam sendo subutilizadas e raras vezes percebemos o potencial educativo que têm. Contudo, Agda explica que é preciso não desanimar e fazer uso dessas questões como problematizações pedagógicas. “Um esgoto que atravessa o local, por exemplo, pode se transformar em objeto de pesquisa e em uma chance de mudar a realidade local”, indica.

É preciso então investir em indagações, apoiando o grupo a descobrir os vários porquês de uma determinada situação ou cenário. No caso do esgoto, vale problematizar o porquê do mau cheiro, como se canaliza um esgoto, a importância do saneamento, etc… diferentes perguntas que abrem espaço para variadas discussões curriculares e interdisciplinares.

Praças artificiais

Em Guadalajara, no México, o poder público procurou ampliar a utilização das áreas metropolitanas, construindo uma cidade mais ordenada, com respeito ao verde, para se tornar mais humana e mais atrativa. Além de outras variadas ações, foram instauradas as “Vias Recreativas”, transformando o uso de espaços públicos da cidade para fins educativos. Todos os domingos, uma via da cidade é fechada, não permitindo a passagem de carros e permitindo a realização das mais diferentes atividades propostas e organizadas pelo coletivo – moradores, escolas, grupos comunitários, famílias, etc. A “Via” reúne cerca de 120 mil pessoas, colocando a favor dos cidadãos um local de convivência, democracia, igualdade, respeito, inclusão, educação, formação e solidariedade.

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Para Agda, esse “estar na praça” possibilita às pessoas a chance de se articular com outras e gerar diálogos entre si e com o poder local. Essa ideia – de se apropriar daquilo que é público – pode impulsionar escolas e comunidades a gerir de forma participativa o que já é das pessoas, o que já é da cidade.

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Um exemplo super bacana, em São Paulo, é o da EMEF Olavo Pezzotti que leva seus estudantes uma vez por semana a participar de atividades no Parque Linear das Corujas, uma espécie de praça-parque gerido com apoio da comunidade. Nessas verdadeiras expedições pelo espaço público, os estudantes discutem temas próprios do local, como permacultura, arte e cidadania. Os canteiros utilizados para permacultura, por exemplo, foram construídos pelas próprias crianças, apoiadas por professores regulares da escola e por moradores da região, envolvidos com a gestão e revitalização do espaço.

Mas como utilizar o potencial educativo das praças?

Antes de botar as mãos na massa, é importante saber que assim como outros espaços públicos, as praças têm histórias, memórias e características muito peculiares. Cada praça é única em si e oferece uma vasta gama de possibilidades de ensinar e aprender. Por isso, o primeiro passo é olhar atentamente para aquele espaço e perceber que histórias e mensagens ele nos conta.

Estudantes em atividade na Praça do Carmo. Foto: Prefeitura de Olinda/ Flickr

Estudantes em atividade na Praça do Carmo.        Foto: Prefeitura de Olinda/ Flickr

Praça é todo espaço público urbano destinado às pessoas, livre de carros ou construções. Há diversos tipos delas. No Brasil, as mais comuns são as praças-jardim, compostas por uma grande presença de área verde. Há também as praças secas, espaços nos quais circulam grandes populações, como são os os largos das igrejas.

Podemos encontrar inúmeros caminhos de utilização das praças. O Centro de Referências em Educação Integral escolheu dois caminhos diferentes: um partindo da sala de aula e encontrando na praça exemplos para ilustrar o que se discute em classe; e o outro, partindo da própria praça e traçando então percursos de aprendizagem para responder as questões que o próprio espaço apresentou.

Começando pela escola (ou grupo de estudos, organização social)

Depois de descobrir quais são os tipos de praça que existem por sua comunidade, você pode elencar uma série de atividades a serem realizadas em cada uma delas, a depender do conteúdo que deseja trabalhar. Em uma mesma praça, é possível trabalhar conhecimentos diferentes, que envolvam várias disciplinas. Fundamentalmente, praças são caldeirões criativos e podem ser acessadas com múltiplos propósitos. Vejamos algumas ideias:

Sociologia e filosofia: Realidade local e memória

Ao se deparar com as pessoas que frequentam a praça, a ideia é puxar conversa! Professores podem estimular que os estudantes busquem informações sobre a realidade e memória dos bairros e cidades a partir de entrevistas. Os frequentadores são as maiores fontes de conhecimento sobre seu bairro ou cidade. Para os mais idosos, em especial, as praças são lugares para se reencontrar e lembrar. Fontes vivas da história local com certeza têm muito a contribuir com as discussões em sala de aula.

Práticas diversificadas

Confira o site especial “Práticas Pedagógicas para a Educação Integral” que reúne vasto material sobre possibilidades de pensar processos de ensino-aprendizagem que fortalecem o desenvolvimento integral dos estudantes.

Jogos e raciocínio

Em muitas praças, existem mesas de cimento onde funcionam tabuleiros de jogos de xadrez ou damas; atividades que trabalham muito o raciocínio lógico. Ao juntar algumas pessoas que passam as manhãs ou tardes jogando, é possível criar um festival de jogos de tabuleiro, juntar pessoas de variadas gerações e mostrar como pode ser divertido e enriquecedor jogar na praça. Para os professores de matemática, a chance é ótima para trabalhar “na prática” os conhecimentos de sala de aula.

Geografia e História

Até o século XX, as praças eram construídas de forma muito estratégica. Geralmente, eram próximas de algum ponto muito significativo do bairro. Uma igreja, a prefeitura local ou a estação de trem. Professores podem indicar a realização de uma uma pesquisa sobre determinada praça, indicando que os estudantes descubram com os moradores do entorno o porquê da praça estar ali e qual sua importância para o bairro.

Outra ideia é investigar a topografia da praça. Seu tamanho, características vegetais, climáticas, localização na cidade e importância para o ecossistema local.

Artes

As praças normalmente têm algum repertório próprio: grafites, pixações, instalações, esculturas. Educadores podem e devem fazer uso dessas linguagens para ilustrar discussões em sala de aula.

Biologia

Analisar os vários tipos de espécies vegetais que compõem a praça da região também pode ser uma atividade muito interessante, pois nela é possível identificar em um pequeno espaço características da flora e fauna do bairro ou cidade. Pesquisas de campo são fundamentais e o próprio percurso pela e até a praça pode ser aproveitado em discussões de sala de aula, discutindo a importância das áreas verdes em meios urbanos, a função da sociedade em proteger esses pequenos ecossistemas, etc.

Outra possibilidade, em espaços degradados ou com falta de acesso ao saneamento, é discutir os problemas ocasionados pelo espaço à população e até desenvolver com os estudantes um projeto para resolver a questão.

Economia Local e Gastronomia

Saber quais são so tipos de comércio existentes ao redor da praça que pretende analisar também é uma atividade interessante. A partir desse levantamento, professores podem estimular que os estudantes tracem um retrato do público que frequenta a praça. Uma atividade possível é, a partir do levantamento, propor uma feira gastronomica, organizadas pelos estudantes, sobre alguma temática de interesse da sala de aula: gastronomia dos países, culinária saudável, etc.

Leitura e produção ao ar livre

Além disso, educadores e suas turmas sempre podem realizar atividades regulares nas praças. Rodas de leitura, produção de artes, debates – tudo pode acontecer ao ar livre, estimulando a consciência coletiva sobre o espaço público e claro, trazendo outras possibilidades às aulas cotidianas.

Cidadania

Praças construídas há muitos anos ainda têm os chamados coretos. Espaços mais altos que o restante da praça, onde pessoas e grupos podem se apresentar. Caso a praça ainda tenha um coreto, é possível organizar um festival de bandas e chamá-las para se apresentar, estimulando um festival de artes da escola ou da organização em contato direto e aberto à comunidade.

Mais ideias

Veja outras ideias e possibilidades para utilizar o potencial educativo das praças nas atividades sistematizadas no Aula na Praça, do Projeto Apoema, de educação ambiental.

Atividades físicas

Em algumas praças, existem as chamadas “academias ao ar livre”, onde pessoas de variadas idades podem realizar atividades físicas. Mas, mesmo que a praça não tenha esses instrumentos, professores de educação física podem estimular diferentes exercícios ao ar livre: de corridas a jogos, as praças oferecem possibilidades outras que os ginásios e quadras tradicionais.

Começando pela praça

1. Uma ideia inicial é reunir um grupo de pessoas – uma turma de sala de aula, um grupo de uma organização social, um coletivo de vizinhos – , e juntos problematizar e listar as características daquele espaço. Como ele é? Que cheiros, cores, sons ele tem? Que pessoas frequentam aquele espaço? Têm árvores, flores, plantas? Têm brinquedos de parquinho?

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2. Em seguida, em grupo, é possível listar perguntas que se quer aprender com e naquele espaço. É possível aprender os tipos das árvores do local? Se há um problema de degradação ou de falta de saneamento, como é possível resolvê-lo? Com as perguntas listadas, novamente em grupo, decide-se coletivamente qual será o tema ou temas a serem abordados por todos.

3. Com o tema escolhido, é hora de organizar o processo, afinal para aprendermos, precisamos decidir onde queremos chegar e perceber de que ponto começamos a jornada. Primeiramente, é preciso traçar um planejamento, um plano de estudos sobre aquela questão. Se, por exemplo, queremos aprender sobre as plantas do local, o que precisaremos descobrir? Como faremos a investigação? Quem poderá nos ensinar ou apoiar nessas descobertas? Quem ficará responsável e como será feita a coleta de informações? Como relataremos o que foi descoberto?

4. Uma vez que o planejamento está pronto, é hora de colocar a mão na massa. Aprendendo na praça e com a praça. Levantam-se as informações, criam-se os mecanismos de pesquisa e sempre que possível, busca-se a interação de outras pessoas da comunidade. Quem usa aquela praça certamente terá muito a contar sobre o espaço!

5. Com a pergunta respondida, é importante traçarmos uma avaliação, um balanço das ações para verificar se o objetivo foi respondido. Todos saíram satisfeitos do processo? Conseguimos esclarecer nossas dúvidas? Aprendemos o que queríamos com a praça? Se não alcançamos nossos objetivos, o que nos atrapalhou? O que poderíamos ter feito diferente?

6. Por fim, é interessante “devolver” o aprendizado à praça; ou seja, relatar à comunidade e/ou à nossa escola, grupo de moradores, organização social ou projeto, o que aprendemos naquele espaço. É importante contar quais foram os objetivos, o caminho percorrido e como e se as descobertas foram alcançadas. O conhecimento adquirido no e pelo espaço público pode e deve ser público. Produzir um vídeo, um cartaz, um blog – tudo pode ser muito interessante, desde que possibilite o acesso daqueles que frequentam aquele espaço.

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