Agência de Redes para a Juventude aposta no território para ampliação de repertório dos jovens

Publicado dia 02/02/2015

“E assim somos mal vistos pela sociedade, quem mora em morro já nasceu sem validade”. O refrão do rap entoado por um adolescente no vídeo de apresentação da Agência de Redes para a Juventude certamente traduz o sentimento de grande parte dos jovens das comunidades do Batan, Cidade de Deus, Borel, Rocinha, Providência, Lapa, Babilônia/Chapéu Mangueira, Cantagalo/Pavão Pavãozinho, bairros da capital fluminense em que ainda persiste o estigma e as consequências da violência urbana.

E foi com o objetivo de modificar essa realidade e pensar o jovem enquanto protagonista de seus desejos e realizações que, em 2011, a iniciativa chegou a esses territórios, com a proposta de apoiar jovens para que eles possam – de forma autônoma – empreender em suas localidades. Para tanto, o processo pedagógico prioriza a experimentação e a ampliação de repertório, a partir de metodologia participativa que considera, sobretudo, o direito do jovem à cidade na perspectiva do enfrentamento às diferenças.

O trabalho

Inicialmente, o projeto chegou às comunidades que tinham Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs) instaladas, condição que, segundo a coordenadora de produção, Veruska Delfino, foi fundamental. “A facilitação foi importante para promover os primeiros encontros entre os jovens, deles com outros territórios e com a cidade”, explica. No primeiro ano, o atendimento atingiu 300 jovens da faixa de 15 a 29 anos, em três eixos principais: mobilização, círculo de estímulos e prática.

A mobilização parte do reconhecimento desses jovens na comunidade, estimulando a indicação jovem para jovem, em um mapeamento “de porta em porta”. A equipe se desdobra em busca daqueles que, prioritariamente, ainda não estejam envolvidos com alguma causa, embora isso não seja condicionante para a participação. Após a mobilização, é feita uma entrevista para entender seu perfil, o contexto em que está inserido, se há registro de violência em sua vida ou envolvimento com o tráfico de drogas. “Tudo isso com a perspectiva de inseri-los em um contexto de cidade e possibilitar a ampliação de seus repertórios”, esclarece Veruska que reforça que a iniciativa não tem como objetivo tirar esse jovem da rua; e sim estimulá-lo a se apropriar e ressignificar o espaço urbano a favor de seus sonhos e projetos com a comunidade.

Uma vez convocados, é iniciada a fase do ‘círculo de estímulos”, que tem duração de dois meses, e convida o participante a conhecer e se integrar com os demais, ampliar seu repertório sociopolítico e cultural e a pensar propostas para ações em sua comunidade de origem. Essa fase tem duração de oito sábados e é acompanhada por mediadores, geralmente educadores e artistas, que cuidam de trilhar toda essa aprendizagem em conjunto com os jovens. O período envolve bastante debate e problematização a partir das ideias colocadas.

“Isso tem a ver com seu projeto de vida?” “Você vai curtir realizar isso?” É estimulante para você?” “Gera impacto no território?”. Esses questionamentos, como explica Veruska, são fundamentais para que o jovem se entenda autônomo no seu projeto e também reconheça a necessidade de que haja diálogo entre a sua proposta e a realidade local.

Além disso, são trabalhados diferentes instrumentais para apoiar o participante nessa jornada, como o reconhecimento da cidade, o mapeamento de seus pontos e redes, visitas a campo, pesquisas, além de um trabalho de reconhecimento do próprio jovem frente à iniciativa e em diálogo com os demais colegas.

Nessa fase, os jovens são convidados a assumir seus “avatares”, reconhecendo seus perfis e a importância da diversidade em um grupo de trabalho: – o neutro (que pode cumprir todas as tarefas), o realizador, o desbravador, o colaborador e o feliz, sendo que este último é aquele que quando tudo está complicado, ele consegue manter todos animados e incentiva que ninguém desista. “A ideia é mostrar que cada jovem pode desempenhar um papel diferente e não menos importante, e que não é preciso ser líder para realizar a iniciativa”, atesta a coordenadora.

Uma vez estimulados e com ideias para suas realizações, os jovens são convidados a se aproximar, formando equipes, que serão então responsáveis por escrever uma proposta inicial a ser apresentado em uma primeira banca de avaliação externa, composta de empreendedores, pessoas que já trabalham com projetos ou instituições de outras comunidades. São selecionados de duas a quatro iniciativas que seguem para a fase da “desencubadora” – que vem da ideia de desencubar – com o objetivo de se consolidarem enquanto projeto, com cronograma, planilha de execução, lista de parceiros.

Nessa fase, os jovens “colocam a mão na massa” e estruturam tudo o que será necessário para que a ação seja empreendida. Segue-se, então, uma segunda banca, chamada de “Banca do selo”, essa composta pela própria equipe da Agência de Redes para a Juventude, que garante que o projeto está pronto para ser executado. Quando a iniciativa recebe o selo, o grupo recebe um aporte de R$ 10 mil para que, de fato, ele seja executado. Muitas vezes, os projetos são reprovados e os jovens devem reapresentá-los a banca, a fim de garantir que sejam efetivamente executados.

Na prática

Adilio Drummond, 21 anos, é um dos jovens que atua na Agência de Redes para a Juventude, em Providência. Ele e sua equipe tem como ideia de projeto o Provi Som, um portal de notícias da comunidade. Durante a formação, os jovens do grupo reconheceram desejos variados de atuação na mesma localidade, e entenderam que poderiam otimizar a prática unindo esforços para uma mesma proposta.

“Meu Mundo “Afro” é o projeto de Ana Luiza Theodoro, 32 anos, e outras três integrantes moradoras da Cidade de Deus. Com o trabalho da Agência de Redes para a Juventude, as jovens conseguiram identificar a taxa de analfabetismo de 5% na comunidade, fragilidade que afeta essencialmente a população feminina. Com isso, se uniram para compor a proposta que contempla aulas de competências básicas (português e matemática) e oficinas de implantes e trançado [penteados para cabelo], como uma forma de apoiar as mulheres na busca por uma colocação profissional, e trabalhar a autoestima.

Conheça outros jovens e seus projetos no site da Agência de Redes para a Juventude.

Agência colaborativa

A Agência Agência de Redes para a Juventude conta com sete núcleos de ciclo nas comunidades, mas sua atuação também se dá a a partir de arranjos locais. Os núcleos se configuram a partir de parceria com uma instituição do território, seja ela uma igreja, associação comunitária ou qualquer outra que se responsabilize por ceder o espaço aos sábados, período integral, para a realização do círculo de estímulos.

A equipe de formação conta com o apoio de um produtor local, uma pessoa que já exerce alguma liderança no território e vai poder ajudar o jovem a conduzir suas intervenções a partir das necessidades da comunidade. Nessa fase, cada participante recebe uma bolsa de 100 reais como estímulo, utilizada, principalmente, para transporte e mobilidade. Na fase da desencubadora, em que o acesso à cidade se torna uma tônica ainda maior, esse apoio vai para 200 reais.

Principais resultados

Desde o início da iniciativa, em 2011, já são mais de 700 jovens atendidos. Atualmente, há 25 projetos sendo executados e mais de 17 comunidades representadas. Para a coordenadora de produção Veruska Delfino, houve uma mudança de expectativa da própria equipe com o passar do tempo. “Inicialmente, esperávamos que todas as ideias virassem projetos e impactassem nos territórios. Depois, entendemos que o processo em si impactou os jovens de diversas maneiras”, conta ao falar de jovens que não necessariamente seguiram com a condução de projetos, ou se estabeleceram como ONG, mas que prestaram vestibular e adentraram em cursos superiores, ou seja, viram outros significados nesse processo autônomo de desenvolvimento e de ampliação de repertório.

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