Por meio da educação, Afeganistão Livre valoriza meninas e mulheres

Publicado dia 28/10/2014

Dos 29 milhões de habitantes do Afeganistão, mais da metade vive diariamente as consequências de conflitos militares; 36% da população foi realocada internamente, fugindo ou sendo forçada a deixar sua casa e região de origem. Localizado estrategicamente entre a Ásia Central e o Oriente Médio, o país foi por muitos anos palco do conflito de forças da Guerra Fria, em uma disputa política entre um governo interino escolhido pelos Estados Unidos e insurgentes talibãs, cuja história e força remonta à própria disputa internacional no país. Hoje, após anos de guerras civis e intervenções militares externas, o país tem um presidente eleito democraticamente e o apoio de uma frente política local que congrega diferentes etnias.

Contudo, em três décadas de violência interna e externa, a população sofreu e ainda sofre com a miséria (36% da população está abaixo da linha de pobreza), falta de acesso a serviços básicos e constantes violações de seus direitos fundamentais. Entre os mais prejudicados, estão as mulheres e as crianças.

Educação x conflito

Segundo o relatório A crise oculta: conflitos armados e educação, elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2011, conflitos armados como o do Afeganistão deixam 28 milhões de crianças sem escolas no mundo. Leia +.

Segundos dados de 2011 do Unicef, apenas 39% da população sabia ler e escrever, e 85% das mulheres não eram alfabetizadas. Na mesma pesquisa, aferiu-se que 4,6 milhões de meninos e apenas 2,4 milhões de meninas estavam na educação primária e secundária. 2,5 milhões de meninas com idade escolar estavam fora da escola. Das que estudam, a maior parte para antes de atingir o 5º ano de escolarização e apenas 21% segue para o ensino secundário. Paralelamente, 30% das crianças de 5 a 14 anos trabalham (IDH, 2010) e, segundo dados da Comissão Independente de Direitos Humanos no Afeganistão, de 60 a 80% dos casamentos são forçados.

Grupos de discussão local reúnem equipes, homens e mulheres. Foto: Reprodução

Grupos de discussão local reúnem equipes, homens e mulheres. Foto: Reprodução

Tendo como focos a não-discriminação e a valorização da religião e cultura de cada pessoa, a Afeganistão livre atua com equipes locais, de Afegãos para afegãos, com auxílio de um time internacional baseado em Paris, na França. Em todas as ações, os colaboradores trabalham com pesquisa-ação, atuando em diálogo com a comunidade, ao passo que compreendem as necessidades locais. Para tanto, as atividades são decididas nas shurras, assembleias tradicionais comunitárias em que participam lideranças regionais, com apoio das autoridades nacionais, envolvendo diferentes ministérios e órgãos públicos. A instituição atua na capital Kaboul e nas cidades de Panshir e Pagman.

Por meio de mobilizações internacionais, a organização levantou recurso e construiu três escolas para estudantes, em sua maioria mulheres, e creches entregues à administração pública. Contudo, desde então, permaneceram apoiando a gestão local, com formação de educadores e gestores, especialmente na promoção do acesso à educação para meninas. Em cada escola construída, conforme acordo com as autoridades locais, a organização instalou uma biblioteca e um centro de educação em saúde básica, reforçando sua importância como base para acesso a outros direitos. Em parceria com organizações internacionais, a instituição está finalizando a construção de outras doze unidades, com a mesma estrutura e apoio à gestão.

As creches atendem tanto os filhos das meninas que já são mães, objetivando que estas permaneçam na escola, quanto das professoras, que também não conseguiam lecionar e cuidar de seus filhos. Já nos centros de saúde, as estudantes recebem informações sobre higiene pessoal, planejamento familiar e direitos sexuais e reprodutivos e, quando em acordo, recebem atenção de psicólogos e conselheiros afegãos para discutir os efeitos da guerra em seu dia a dia e estrutura familiar.

Acesso à educação com qualidade

Centro de educação em saúde em uma das escolas. Foto: Reprodução

Centro de educação em saúde em uma das escolas. Foto: Reprodução

Nas três escolas construídas, além de intensas formações e disponibilização de novas tecnologias educacionais aos docentes, a organização desenvolve um plano com educadores locais para ofertar atividades que incentivem a permanência das meninas apoiando seus projetos de vida. Na escola Malalaï, trabalha-se a educomunicação, com a produção de um jornal escolar com questões caras à vida das estudantes. O jornal “Kabotar Safaid”, que traduz algo como “pomba branca” foi criado com apoio de um  jornalista da revista ROZ, publicação de tiragem mensal produzida pela organização para o público feminino.

Na escola Lakan, o foco está nos idiomas. Dada as múltiplas etnias da região em que se insere a unidade, as crianças aprendem outras línguas locais, incentivando que possam colaborar e reconhecer umas às outras. Respeitando uma das decisões das shurras, lá as meninas aprendem também trabalhos artísticos manuais, como parte da cultura local.

Na d’Azrat Osman, há uma mistura das outras duas instituições e o trabalho prioriza os idiomas, as artes manuais e o jornal escolar. Paralelamente, a escola oferece às meninas cursos preparatórios para a universidade e apoio à bolsas para o ensino superior, iniciativa que também começou a ser replicada nas unidades Lakan e Malalaï.

Capas da revista ROZ. Foto: Reprodução

Capas da revista ROZ. Foto: Reprodução

Para conseguir convencer as famílias da importância das meninas acessarem a educação, a organização investiu muito nas assembleias locais, estruturando modelos que respeitassem as culturas da região, mas garantissem o direito das crianças e jovens. Como uma das conquistas, as três escolas oferecem educação física, fundamental para o desenvolvimento integral e saúde das meninas – atividade que, embora comum nas escolas brasileiras, antes não acontecia em nenhuma das localidades onde a organização atua.

Segundo a fundadora da organização Chékéba Hachemi, que nasceu na então União Soviética, mas mora em Paris, a educação é a arma mais eficaz para vencer preconceitos. “Ela lhes dá a oportunidade de melhorar sua situação como mulher, esposa e mãe. Elas podem tomar decisões sobre a família e contribuir ativamente para o desenvolvimento político, econômico e social do país”.

Chékéba, que cresceu em um cenário de conflito e teve que, inclusive, mudar de país, viu na sua própria história caminhos para atuar no Afeganistão. Para ela, a solução está em empoderar as ações da própria comunidade, partindo das forças que ali existem e não trazendo “soluções de fora”, que não necessariamente funcionariam no contexto do país.

Ações integradas

Em 2010 e 2011,  o país foi considerado pelo Worlds Mother Index, pesquisa da organização Save the Children, o pior país do mundo para ser mãe. Com políticas integradas de assistência, o país avançou muito positivamente nos últimos anos, subindo, em 2014, 32 posições na lista.

Utilizando as escolas como parte da comunidade, os centros de saúde atuam não apenas com as estudantes, mas com as mães e seus filhos. Em encontros periódicos, as educadoras que também são enfermeiras, discutem questões de higiene, cuidado dos alimentos, nutrição, cuidados com o corpo, gravidez e lactação segura, além de prevenção de doenças da infância, buscando reduzir os altos índices de mortalidade infantil.

Contudo, mais do que um espaço de saúde, os centros são espaços exclusivamente femininos – em que mulheres de diferentes idades podem se encontrar com outras e discutir questões que lhes são próprias.

 

Financiadores e parceiros: Fundação d’entreprise GDF Suez, La Chaine de l’Espoir, Fondation Masalina, Fondation Brageac Solidarité, Embaixada da França em Kaboul, Fundação Raja-MarcoviciComissão Nacional dos Direitos do Homem da República Francesa,   Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos HumanosMaderaFundação Womanity, entre outros.

Principais resultados

Jornalista da revista ROZ em atividade. Foto: Sandra Calligaro/ Reprodução

Jornalista da revista ROZ em atividade. Foto: Sandra Calligaro/ Reprodução

Em diálogo com as comunidades locais, a organização apoiou mais de uma dezena de meninas a participarem da vida escolar e permanecerem nos estudos. No programa de expansão do modelo testado nas três unidades, em 2012, a Afeganistão Livre conseguiu estabelecer um convênio com o Ministério da Educação para validar a metodologia e apoiar novas escolas a receberem as meninas.

O  programa de atenção psicossocial nas escolas e centros de saúde permitiu que a organização avançasse com a sensibilização do direito à educação das mulheres. Os conselheiros conseguiram colocar a escolaridade no centro do seu método de trabalho, apoiando as jovens a permanecerem na escola e garantindo uma ponte estruturada entre o direito à educação e as questões da vida cotidiana da mulher no país.

Acesse aqui pesquisas em inglês e francês sobre a situação das mulheres e crianças no Afeganistão.

Na cidade de Panshir, a organização e a comunidade conseguiram estruturar um centro de formação de professoras, apoiado pelas novas tecnologias e mídias, buscando ampliar o repertório de metodologias das educadoras e fortalecer suas atuações como mulheres que trabalham e podem apoiar outras meninas a se realizarem profissionalmente. Para garantir o acesso à formação das educadoras com segurança, a organização atua com ônibus que as levam gratuitamente da escola ao centro de formação.

O programa de esportes, que começou embrionário, tornou-se uma demanda crescente das crianças e adolescentes. O mesmo aconteceu com os clubes de jornalismo nas escolas. A revista ROZ, principal fonte de inspiração dos jornais estudantis, também cresceu significativamente no acesso das leitoras, tornando-se uma referência de mídia feminina no país. Em parceria com a universidade de Kabul, a revista tem agora um programa de estágio para estudantes de jornalismo, apoiando garotas a se empregarem e traçarem carreira no meio.

 

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